Hoje, no trabalho, acabou a minha pasta..., mas o quê, não acaba nesta vida..?
Não me aperto com coisa alguma, e sempre dou o meu jeito...
Dentifrício não é detergente? Sabonete não é detergente fino e cheiroso?
Não é certo que a mucosa é uma pele fina..?
Passei a tarde inteira com gosto de perfume de bunda de nenem na boca...
Não escovem os dentes com sabonete..., mesmo que estejam amando...
É ridículo! O café fica com gosto de sabonete..., a água fica com gosto de sabonete, o biscoito fica com gosto de sabonete, e a gente acaba parecendo uma pia...
Preciso controlar meus improvisos...
* * *
Como vivo amando, mando O Amor para vocês...
Amor é de graça, mas precisa ser conquistado... Amar é também você não estar nem aí..., assinar o cheque não reparando o valor..., levar um choque e sentir cosquinhas...
Eu acho que vocês deveriam mais amar..! É simples!, acreditem..! É só querer..., e ele sempre está nas coisas simples...
É..., eu continuo amando...
Assim, quando vocês me mandam broncas..., num tô nem aí...
É..., eu tô amando...; tô até escrevendo errado!!!
O Amor
(Paulo Boblitz – jul/2008)
O amor não tem idade, não tem formato e nem formulação; não tem data e nem hora certa...
Ele vive por aí, solitário a navegar, por todos nós a visitar, vez ou outra um carinho para um experimentar, mas não estamos acordados ou receptivos. Ele passa e vai embora, enfim tentou mas não nos acordou.
Um sentimento sem cor definida, pois assume todas as cores conforme desejamos; uma atmosfera generalista, pois assume todos os ares que inspiramos...
Acho que estou amando...
Amor é impossível, é dinâmico, é passageiro, é profundo, é muito louco!, é sobretudo um renascimento, pois acordamos para um novo que há muito nos esquecemos...
Amar é inquietar-se, é desejar, é sentir a falta, é misturar as coisas feito bobo, é ser romântico diante da normal frieza...
Amar levanta qualquer ânimo há tempos aquietado, nos dá outros motivos há muito secundários, nos apresenta um espelho onde necessitamos melhorar...
Voltamos a uma juventude espiritual, pois que amor não fica cansado, não fica perdido, não fica desiludido, mas faz perder e cansar e desiludir como nenhuma outra coisa que conhecemos.
Não inventamos o Amor; ele nos inventou e nos usa para poder continuar a existir... Um paradoxo? Um mistério, principalmente do ar?, dos lugares?, do comunicar?
O Amor começa pelos olhos, depois segue pelos ouvidos, por último se instala pelo tato, quando misturamos o verbo com a beleza, com o calor, com a textura, com a cor, com a composição inteligente do que falamos e escutamos; juntamos tudo e guardamos no coração... A razão se desguarnece, o senso perde a vigília, o doce assume o comando, a felicidade se apresenta e não cobra nenhum pedágio - simplesmente amamos, nos deleitamos em apenas ver, em apenas escutar, em fechar os olhos e sentir o doce aroma, o meigo do falar...
Creio que estou amando...
A saudade só vem para atrapalhar; sua presença é sinal de que a falta se intrometeu, pois amor inclui sempre mais alguém. Se a saudade está presente, alguém está longe, o amor em fio delgado ainda ligado, pois que tem uma densidade infinita, ainda existindo, mesmo que a quem amamos tenha partido desse mundo para um outro muito distante.
Amor não segue o tempo, mas requer o tempo dele, nos escraviza enquanto dura, nos requer enquanto existe, nos faz sonhar enquanto nos ocupa...
É..., eu estou amando...
* * *
Tencionava escrever a minha última(?) história sobre aviação, que é um pouco mais do que subir e descer, fazer piruetas, planar ou mergulhar...
Essa foi um tanto radical, pois que o avião ficou todo destruído..., e o motivo..?, vocês depois não irão acreditar...
Resolvi antes, contar uma outra...
Telefonando para o Céu não é nova, mas me é muito gostosa...
Telefonando para o Céu
(Paulo Boblitz - nov/5)
Peguei o telefone para tentar ligar para o Céu, mas onde encontrar o número, pois o que eu havia anotado, sumira do meu bolso como por encanto. Rebusquei em todos eles e olhei entre todos os outros papeizinhos que sempre guardo com pequenas anotações, mas nada do número do Céu.
Será que eu havia sonhado? Não..., eu tinha certeza que havia anotado, mas, atarefado, havia deixado a ligação para depois.
Procurei nas gavetas, dentro de pastas, entre outras muitas coisas, mas não pude encontrá-lo. Meu pequeno papel havia desaparecido. Será que alguém o havia pegado..?
Bem que eu poderia ter ligado naquela hora, mas estava ocupado, daquelas ocupações que nos produzem perdas, se delas não cuidamos logo. Quem sabe agora o telefone não mais exista, ou a janela tenha sido fechada?
Pensando agora, mesmo que houvesse perdido alguma coisa, deixando a ocupação para depois, mais tarde eu poderia a tudo recuperar... Quem sabe eu ainda possa conseguir..? É só imaginar e raciocinar, tentar me lembrar..., onde é que eu fui guardá-lo?
O número era pequeno, assim como céu se fala bem rápido; e raciocinando, achei que deveria ser 3521..., mas faltava alguma coisa, pois acho que o número era um pouco maior..., ou seria menor.!?
Já sei..., deve ser o DDD a faltar..., ou seria o DDI..? DDI logo descartei, pois o Céu não fica assim tão longe, é só olhar para cima e o vemos o tempo inteiro. Então deveria ser o DDD, pois embora não tão distante, ainda ficava um pouco longe daqui do chão.
E por mais que procurasse, na mente ou em algum outro lugar, não conseguia encontrar um código que fosse o código do Céu, e mesmo que encontrasse algum, quem seria a Operadora? Não deveria haver nenhuma Operadora a intermediar qualquer conversa com o Céu, e assim, resolvi experimentar o 3521, mas só dava ocupado... E tentei mais por muitas vezes, mas o telefone não dava trégua no pu-pu-pu de ocupado. Seria alguém com algum assunto muito longo?
Olhando o número à minha frente, logo observei: 3 da letra "C", 5 da letra "É", e 21 da letra "U"..., e resolvi checar o alfabeto novamente e..., bingo!, descobri que havia considerado a letra "K" no alfabeto, mas "K" há muito tempo que não usamos.
Retirei o "K" daquelas letras, refiz as minhas contas e acabei encontrando outro número, agora com menos um no alfabeto, chegando no 3520: três mais cinco..., oito!, mais 2..., dez!, nove fora, um...
Ajeitei-me na cadeira bem animado, dei um peteleco no papel..., é isso aí!: dez são os mandamentos, e um deve ser do Primeiro, Primeiro de Meu Deus, de Quem tudo fez e criou.
E logo estava a discar o novo número, que chamou, chamou, e chamou..., e ninguém atendeu... Olhei o relógio e já passava das cinco da tarde. Será que lá também havia expediente? Ou será que não havia ninguém na sala? Ou quem sabe esse não era o número correto? Levantei e fui embora; amanhã tentaria novamente.
Em casa procurei mais um pouquinho, mas nada do papel pequenino. Tomei um bom banho, jantei e arrumei algumas coisas; calculei umas contas aqui, escrevi um pouco de prosa ali, e quando o sono me fez piscar, deixei um pouco para o outro dia e fui deitar. Dei boa noite para Jesus e ao nosso Pai, e acho que adormeci no meio da oração, até que o telefone tocou e atendi:
- Alô.!?
- Você ligou para cá?
E passei a noite toda conversando, até o despertador tocar...
* * *
Glossário:
- DDD ou DDI = códigos de área, local e internacional, respectivamente
- K = letra recentemente reincorporada ao nosso alfabeto
* * *
Reconheço que o meu gênio sempre foi o meu pior inimigo..., e o meu melhor amigo também...
Reagimos conforme nos reagem...; essa é a regra normal..., e por isso, muitas vezes conquistamos respeito, quando do outro lado existe o honesto.
Assim foi no meu dia da prova, um dia que jamais esquecerei, por tamanha pressão. Passei no exame, pelo menos umas duas vezes, no mesmo vôo...
Hoje eu acho graça, como sempre achei, das coisas porque sempre passei..., e ainda passo...
O dia da prova...
(Paulo Boblitz - mar/2009)
A manhã estava cinzenta e pequenas gotas iam se formando no pára-brisas do pequeno Uirapuru, um monomotor de asas baixas e curtas, metálico e muito instável...
A chuva diminuia a visibilidade, pois chuva é água caindo, é coisa ocupando o ar...
Cada gota parecia grudar-se por alguns instantes naquele acrílico moldado, e tão logo ia ganhando mais um pouco de volume, saía em longo escorregão na direção empurrada...
Eu sempre gostei de ver gotas num vidro...; chegam e se vão, conforme vão se unindo...
Cada gota é um mundo, uma estrela, uma lente..., nos torna a mente em descanso, nos reflete os pensamentos, nos acalma a visão, nos interpõe o fundo com o presente...
O barulho da chuva era abafado, pois o motor havia sido acionado, ronronando em marcha lenta...; um motor logo ali na minha frente, potente e disposto...
Fazia calor, pois a capota estava fechada para não nos molharmos...
Desta vez não seria instrução, não seria passeio...; meu examinador recém acabara de me dar a mão, apresentando-se...
- Ten. Cel. Av. Façanha... - enquanto me lançava ligeiro sorriso...
Devolvi o sorriso mas estava acuado, pois dia de prova é dia decisivo...
- Você será o meu primeiro aluno examinado...; esse é o meu primeiro vôo como Checador - disse-me ele...
E eu fui o sorteado...
Raciocinando, verifiquei duas possibilidades: primeira vez, não exigirá muito..., ou, simplesmente cumprirá à risca o manual...
Aguardava a ordem de iniciar o taxiamento, enquanto ele escrevia algo numa prancheta...
Terminando, virou-se para mim e com um sorriso mandou que fôssemos em frente. Lancei um olhar para o Bibiu, que já estava com o polegar me desejando sorte, e outro para o encarregado do pátio, aquele que nos entregava a aeronave, a parecer indiferente...
Soltei os freios e dei motor, o mais suave possível, pois me lembrava do conselho do Bibiu: "voe redondo..!, voe redondo..!"
O dia não estava começando assim tão redondo, pois preferia um dia mais claro...
Calado, seguia taxiando devagar sem pressa, mãos nos comandos, atenção explícita para o avaliador notar.
Parei na interseção, verificando possível aeronave em procedimento de pouso ou decolagem...
- Pista livre e desimpedida... - falei, virando-me para ele.
Ele fez que sim com a cabeça e me incentivou.
Soltei novamente os freios e em curva segui até a faixa central da pista, num taxiamento seguro e contínuo, sem trancos, sem titubeios...
A chuva continuava, alternando as gotículas que teimavam parecer pérolas em meu pára-brisas, ligeiramente apressadas pelo vento da hélice, que as escorria sem cerimônia..., cada uma em trajetória distinta, deixando pequenos rastros...
Chegamos na Bola e me posicionei para o check-list, que em voz alta fui cantando. Ele deveria estar a me acompanhar, pois já deveria ter tomado conhecimento das características do Uirapuru. Terminei o procedimento, pesquisei a reta de aproximação e segui para o centro da pista, posicionando-me para a decolagem.
Já estava dando manete no motor, quando a mão dele abortou...
- Cadê o capacete?
Foi uma pergunta de surpresa e por instantes me desconcertou...; uma pergunta que poderia ter sido feita lá bem atrás!, ainda nos hangares..!
- Nunca treinamos com capacetes!, Senhor...
- Mas o aviso está aí - apontava-me a pequena placa bem defronte de mim piloto...
Parados na cabeceira, adrenalina aumentada, decolagem no espírito já liberada, e um sujeito a me perguntar por capacetes!? Dei de ombros e deixei claro que ou voávamos sem capacetes, ou retornávamos para o hangar.
Ele havia me deixado com raiva...
Parecendo ponderar sobre a minha situação de civil, aquiesceu e mandou-me adiante...
Que o Bibiu fosse para o inferno com o vôo redondo dele... - pensei.
Empurrei com força a manete dos gases e o motor explodiu em rotações, fazendo o avião saltar com vontade, pois uma coisa que o Uirapuru tinha, isso se chamava de motor, um Lycoming 160 cavalos, a 2.700 rpm, com muita disposição.
O avião saiu em disparada a soltar bastante zoada, e nas 50 milhas náuticas (cerca de 92 Km), cravadas, puxei o manche e o monomotor desgrudou, meio mole se sentindo pesado, como numa rasante em plena decolagem, obrigando-me a uma razão de subida suave. Normalmente esperávamos pelas 55 NM, mas eu estava invocado...
Fomos para a praia seguindo pelo corredor normal, em leve diagonal para a esquerda...
- 2.000 pés! - seco, ele me ordenou...
Estabilizei numa boa razão de subida, agora já mais calmo, e aos 700 pés já alcançávamos a praia, na época um local ermo cheio de dunas... Ficaríamos voando em círculos até os dois mil pés, altitude onde ele provavelmente me cobraria as perdas, mas, sem aviso ele tirou motor e gritou...
- Pane!
Mais uma de surpresa..., pensei eu..., mas eu estava bem treinado, pois pane é coisa séria e acontece sempre sem maiores avisos, e até aquela data eu já havia passado por duas verdadeiras... Já estava conduzindo o avião para um pouso seguro, quando ele interrompeu e mandou que subíssemos novamente.
Não entendi, mas a resposta veio em seguida...
- Você não estava seguindo os quadrantes..!
- Quadrantes!?, quais quadrantes!? - perguntei irritado.
- Em pane, verificamos os 360 graus, escolhendo o melhor local... - ensinou-me ele.
- Não estávamos numa boa altitude..!, e eu já conheço o bom local..!, e eu não sou nenhum dos seus Aspirantes! - deixei claro para ele, berrando por conta do barulho do motor que agora subia.
Como que acordando, perguntou-me mais humilde:
- E qual seria..., esse local..?
- Pane! - gritei eu enquanto retirava todo o motor...
E o pequeno avião de imediato abaixou o nariz e entrou em mergulho suave, pondo seus fantasmas para conversar, pois que o alumínio, como qualquer chapa, flexionando produz muitos barulhos.
Agora eu o conduzia mais rápido, pois quem estava a pagar pela hora de vôo era eu, e se ele me reprovasse, depois eu faria outro exame, ou questionaria esse que estava a acontecer.
Ele calado me viu levar o avião a apenas dois metros do solo arenoso e solto, para em seguida ver-me arremetendo com gosto e vontade, pois novamente eu precisava alcançar os 2.000 pés. Agora eu tinha pressa..., e com pressa, voamos quadrados!
Alcançamos os 2.000 pés e ele começou o que eu já esperava...
- Perda com motor...
- Perda sem motor...
- Perda com motor novamente...
- Curva de alta...
- Perda sem motor novamente...
- Ângulo máximo de sustentação..., coordenação..., e a tudo eu fui realizando com a cabeça boa, sem emoções, sem nada redondo..., pois desse no que desse, não seria por minha imperícia...
- Vamos para casa... - disse-me ele com um leve sorriso, depois de quase uma hora com tantas cobranças...
Mas ainda não havia acabado...
E foram mais procedimentos, como pouso disso e daquilo, algumas arremetidas, até que ele se dando por satisfeito, me cumprimentou ainda em vôo:
- Parabéns..!, você foi aprovado...
E apertamos as mãos..., e fiz o pouso mais redondo que pude fazer...
* * *
Sempre vi no pouso, a parte mais gostosa do voar...
É nele que efetuamos uma transição...; deixamos a liberdade e retornamos aos grilhões...
Gostava também dos pousos com vento de cauda, onde cada um representava muitos sorrisos, pois o avião se transformava...
Mas existe sempre um limite entre o prazer e a razão..., e erros não são perdoados...
Voltando para casa...
Glossário:
- Perna com Vento = vôo paralelo à pista, com vento de cauda, anterior à Perna Base.
- Perna Base = vôo perpendicular ao eixo longitudinal da pista, anterior à Reta de Aproximação.
- Reta de Aproximação = vôo alinhado com o eixo longitudinal da pista, onde são efetuados todos os procedimentos que antecedem o pouso.
- Biruta = cilindro cônico de tecido na cor amarela, postado num mastro bem visível, que quando inflado pelo vento, adota e mostra a direção deste vento, como informação preciosa para os pilotos a voarem "visual".
Em aeródromos remotos, sem o devido Controle, na falta de uma Biruta, devemos observar outros sinais que nos possam dar pistas da direção do vento, como fumaça, roupas em um varal, inclinação de coqueiros e até de algum mato alto, além de uma passagem em boa rasante pelo eixo da pista, para espantarmos possíveis animais por ali em pastagem.
É incrível quando estamos a passar em rasante, vermos tantos animais, que antes não víamos, em correria assustada.
- Flapes = dispositivos que quando acionados, aumentam o aerofólio da asa, permitindo um vôo com menor velocidade, pelo aumentar da sustentação. Ficam posicionados na parte inferior de cada asa, entre os ailerons e a fuselagem.
- Arremetida = manobra de segurança, quando interrompemos (abortamos) um pouso, segundo nosso julgamento, aplicando motor e alçando altitude para novo procedimento para um novo pouso.
- Estol = limite crítico que define a velocidade mínima da aeronave com sustentação; abaixo daquela velocidade = sem sustentação, como um objeto qualquer; acima daquela velocidade = com sustentação, portanto mais leve que o ar.
- Bequilha = roda auxiliar do Trem de Pouso da aeronave, que quando atuante, define o terceiro ponto de apoio e equilíbrio da aeronave em solo; no taxiamento, define a direção que o avião deve seguir.
* * *
Decisões...
- Quero ver você solar... Agora é com você... - disse-me com frieza, após um vôo de muita pressão onde só me apontou erros e proferiu repreensões... Por isso eu estava tenso e com raiva...
Mas isso é uma outra história...
* * *
Glossário:
- Bola da Cabeceira: área do toque em aeródromos pequenos, em formato de bola para permitir giros de 180 graus ou realinhamento da aeronave para a decolagem, após taxiamento. Lugar onde as aeronaves checam instrumentos, motor e comandos, estacionados transversalmente à pista de decolagem, antes de efetuá-la.
- Manete: acelerador do motor do avião.
- Magneto: pequeno gerador elétrico que emite um pulso periódico de alta voltagem para a ignição.
- Master: interruptor geral que liga/desliga todo o circuito elétrico da aeronave, protegido contra acionamentos involuntários.
- Solar: realizar o primeiro vôo sozinho, senhor dos comandos, sem a supervisão de um instrutor que possa corrigir eventuais falhas críticas na condução da aeronave.
- Manche: alavanca presa ao piso da aeronave, com movimentos amplos em todas as direções, que fazem a aeronave comportar-se conforme a reação exigida.
- Nacele: espaço da fuselagem ou cabina dos aviões pequenos, destinado ao piloto, à tripulação ou, eventualmente, a passageiros; também o espaço onde o motor é alojado.
- Cabrar: elevar, em vôo, o nariz do avião, puxando-se o manche para trás; Picar: baixar o nariz do avião, em vôo, empurrando-se o manche para frente.
- Altímetro: instrumento que indica a altitude da aeronave, baseado na pressão atmosférica.
- Climb: instrumento que indica as razões de subida ou descida da aeronave, em pés por minuto.
- Arredondamento: manobra pouco antes do toque, onde se modifica a atitude da aeronave que é de franca descida, para outra de planeio, prestes à falta de sustentação, o pouso propriamente dito.
* * *
A Bicicleta e a Liberdade...
(Paulo Boblitz - out/6)
O Sol afagava a face com morno carinho, enquanto a friagem da manhã, da madrugada recém acordada, tentava conhecer minhas intimidades, entrando pelas mangas, pela gola, subindo pelas costas em arrepios. Sem cerimônias, intrometia-se por qualquer abertura que na roupa já surrada encontrasse...
O cheiro era de flor, de orvalho suor da terra, de vida que mais um dia nascia para viver e interagir nesse mundo enorme em que vivemos. A bicharada esperava mais um pouco, o Sol por fim se chegar, o friozinho passar e animadamente começar a pastar, a voar, a cantar...
Eu descia livre pela ladeira sem pedalar, embalado pela ribanceira que sempre mantinha parceria com a Gravidade, que a tudo implicava em manter no chão.
As riscas do asfalto passavam céleres por mim, como um rolo de filme que acelerava conforme eu ganhava velocidade. Se elas falassem, fariam pric-pric-pric ligeirinho, enquanto cruzássemos um pelo outro...
O domingo mal começara, sem movimento, dia do acordar mais tarde com preguiça, dia de colocar nossa roupa domingueira e ir conversar com Deus. O vento, cada vez mais forte, desalinhava os cabelos e forçava a vista a fechar, diferente de lá detrás quando eu subia a Serra em suarento pedalar. Agora era como se eu tivesse ligado o ar condicionado.
Havia sido, como vinha sendo já há um bom tempo, uma longa subida cheia de trancos, como aqueles quando ficamos em pé sobre os pedais para aplicação de mais força, e a corrente salta numa catraca de dentes gastos e redondos. Cada tranco uma parada, cada parada uma maldição, cada maldição uma desilusão, pois ainda lembrava do dia em que eu a havia comprado, a melhor da feira...
Onde eu passava, olhares e comentários deixavam-me prosa, pois não faltavam os cromados, as lanternas verdes e vermelhas, as escovinhas nos cubos e aros, as argolinhas nos raios, as capas de lanterna de fusca em cada ponta de pára-lama, o farol como o de um Packard, o dínamo alemão da Segunda Guerra, que encostava no pneu faixa branca e dava peso e vida à minha velha Merkswiss.
Tinha sido muito cara e eu sempre a alisava com minha flanela macia que guardava enganchada no guidão, por entre os suportes das hastes longas envolvidas por molas fortes que acionavam os freios. Dos punhos saíam longas tiras finas coloridas de plástico, que esvoaçavam como a roupa do caubói sobre o cavalo. Até uma namorada eu havia arrumado, mas logo dela cansado, pois que só queria passear e chamar a atenção, e acabei não agüentando tanto peso...
Olhando-a agora, via sua pobre decadência, assim como também eu havia decaído, pois que tudo passa e nada é para sempre... Pensando nos meus sonhos infantis de adulto, descia agora desembestado pela longa descida em minha velha bicicleta desacorrentada, cheia de barulhos, de coisas soltas, de remendos, de ferrugem, de rodas empenadas, e completamente sem freios...
Acordei para a vida e senti que seria bom diminuir a embalada. Tarde demais..., quando vi minha japonesa azul voar pelos ares quando encostei o calcanhar no asfalto. O pedrisco como esmeril, agarrou e trancou a borracha macia, quase esfolando a calejada pele rachada de tanto pisar em bosta de vaca. A velha Merk abanou cambaleando para um lado e para o outro, quase saí para cima da cerca de sabiá, dominei e continuei, agora mais ainda preocupado, pois já via lá mais embaixo, uma vaca preta malhada.
Como que adivinhando meus pensamentos, a égua da vaca começou sua manhosa marcha a cruzar a pista. Engoli raciocinando, enquanto a desgraçada ficava mais próxima, e resolvi usar de tática diversionista. Fingiria que a cruzaria pela frente, e na última hora aplicaria uma quebra de asa, passando por sua traseira, já visualizando a vaca apressando o passo, e eu passando direto...
Esqueci que a vaca também raciocinava, e creio que ela, ao ver-me em deslocamento para a margem à sua frente, estacou e deu pouca ré, o suficiente para apanhar-me em plena manobra evasiva e mal calculada, agora em perfeita linha reta de colisão...
Buuumm!!!; a vaca ficou..., a bicicleta ficou..., e eu passei direto...
A bicicleta foi apreendida, perdi dois dentes, quebrei o braço e ganhei um trauma para o resto da vida - nunca mais gostei de leite...
A vaca..? Ela era do delegado, boa de leite e estava prenha de touro premiado; foi para o beleléu e ainda hoje eu a pago...
* * *
O Cabaré dos Três Oitavos
(Paulo Boblitz - out/6)
Eu nunca dei muita sorte na vida, ou, nunca conheci as pessoas certas que precisamos conhecer. Sempre houve uma semelhança com aquela história em que saímos correndo atrás do ônibus, e quando o estamos quase alcançando, ele parte do ponto novamente e se distancia.
Ainda cedo arrumei a primeira ocupação, e com uma latinha de graxa preta, uma escova e uma flanela, comecei a fazer o meu ponto no meio da rua. A freguesia foi aumentando e logo chegou um mais velho e mais forte, que me colocou dali a correr. Ali morreu o sonho de uma sapataria.
Descobri logo cedo que as iniciativas comerciais são cheias de riscos, pois podemos perder tudo de uma hora para outra, como aconteceu quando vi todo o meu investimento, como uma caixa de madeira, latinhas de graxa, flanelas e outros acessórios, espalhado pela rua.
Resolvi ser empregado ao invés de empresário, pois sempre haveria outro emprego com a segurança que ele traduz. Os riscos ficariam para quando eu tivesse mais força.
Assim, escondi-me atrás do primeiro balcão que encontrei, quando passei no teste que o pai de um amigo sempre fazia com quem se candidatava ao emprego que ele não podia dar; era a maneira dele não dizer diretamente o não: consegui embrulhar uma garrafa de cerveja com um coco seco, tudo junto, sem rasgar o papel de embrulho.
Ali não cheguei a demorar, partindo para outras ocupações, e fui cambista, padeiro, ajudante de cozinheiro, mecânico, aprendiz dum bocado de profissões, pois onde chegava, necessitava de aprendizado.
Foi assim que me tornei vendedor de automóveis, onde cheguei a gerente e conheci muita gente, alguns importantes e velhacos. Um deles, vivia ganhando dinheiro pelo método da asfixia, e logo se chegou fazendo uma bela proposta: eu seria uma espécie de sócio e gerente, na agência que ele pretendia abrir ao lado da que eu gerenciava.
Meus olhos cresceram na medida em que cresceria o meu salário, e mais um pouco, lá estávamos vendendo carros bem mais baratos e facilitados, conseqüentemente fechando o negócio do meu antigo patrão.
Minha consciência logo amainou, recebendo as constantes injeções de conselhos e ensinamentos empresariais, sobre concorrências, vendas, atitudes arrojadas etc., o que asfixiou a minha lembrança de que eu havia ajudado a arruinar alguém.
Quando meu novo sócio conseguiu o que queria, já não precisava mais de mim, e logo me arrumou uma nova tarefa, uma nova sufocação por fazer. Foi assim: ele tinha um apartamento num prédio chique, desses de um por andar, e como não gostava do vizinho de baixo, tratou logo de me forçar a gerenciar o novo negócio, por baixo de muitos panos é claro, e de repente, vi-me envolvido molhando a mão de porteiros, ascensoristas, zeladores e até fiscais disso e daquilo, que o vizinho de baixo, indignado, havia acionado por conta do cabaré camuflado que instalamos no oitavo andar daquele luxuoso prédio.
Logo, logo, a coisa começou a virar piada pela cidade, mas como meu patrão-sócio era influente, os convidados também eram, e como não havia placa nem luz vermelha, o que lá acontecia eram reuniões amenas do Clube dos Amigos das Araras, uma ONG que se propunha cuidar de uma vasta gama de espécies ameaçadas de nossa fauna, incluindo-se até as piranhas.
Não deu outra, e logo os apartamentos foram perdendo valor, na mesma velocidade com que as reuniões da seleta ONG se realizavam. O vizinho de baixo, antes que perdesse tudo, acabou por vender a um testa de ferro do meu patrão-sócio, acontecendo a mesma coisa com o apartamento de cima. Em franco crescimento, a ONG agora com mais sócios, construiu escadaria interna interligando os três andares, expandindo-se para baixo até o sétimo, e para cima até o nono.
Para a sabedoria popular, como o assunto era o mesmo nos três níveis, achou por bem humorada, tratar aquela casa de favores pelo nome singular de Cabaré dos Três Oitavos, pois que tudo não passava de um andar só.
A sanha do meu patrão continuou comprando tudo, até que o prédio inteiro a ele pertencesse. Mudou a ONG de lugar, deu-me um pontapé no traseiro, e hoje aluga para grandes empresas, a preço de ouro, cada um dos quinze andares adquiridos a preço de banana. Onde funcionava a antiga ONG, opera hoje um grande empreendimento bancário.
Aquele Clube dos Amigos das Araras, transferido para longe da cidade, transformou-se em balneário familiar e é freqüentado pelos amantes da natureza, simpáticos aos benfazejos ares do campo, onde famílias podem curtir um feriadão, hospedadas como no primeiro mundo.
Eu..? Bem..., arrumei um balaio grande de vime, e hoje vendo amendoim cozido bem na porta daquele prédio elegante, onde um dia fui gerente de negócios e agendamentos, e já tem um sujeito grande e mais forte querendo tomar o meu ponto de vendas.
Meu antigo sócio-patrão vive hoje nos Estados Unidos, e de vez em quando, em visita à cidade, verificando suas tantas grandes empresas, passa por mim e compra alguma coisa de amendoim. Diz que é para não esquecer a terrinha, sorri e vai embora.
* * *
(Paulo Boblitz - mar/7)
(Paulo Boblitz - nov/5)
Não fosse a saudade, seríamos como aquele animal que botam viseiras, para apenas olharmos para a frente. Estaríamos sempre olhando para o futuro, esperando acontecer o que nunca aconteceria. Seríamos máquinas, pessoas cristalizadas, em trilhos iguais, do começo ao fim.
Não fosse a saudade, não teríamos a memória gostosa de se ter, não sentiríamos o prazer do ter vivido, ou do ter conhecido, ou do ter provado, ou do ter ousado ou arriscado. Seríamos todos iguais, sem emoções ou exaltações.
Saudade implica em humanidade, em amor interno e externo, que combina a fria caixa cinzenta da memória, com a quente pulsante bomba do coração, aquela que nos anima, nos faz aumentar a pressão, que carregamos bem no centro do peito.
Quem é saudoso o é porque já bem viveu, ou conviveu, ou viu acontecer, e sente saudade exatamente porque é mais gostoso lembrar do que repetir a experiência..., afinal o futuro é repleto de novas saudades que virão.
Saudade é assistir ao mesmo filme algumas vezes, sem enjoar. Quanto mais lembramos, mais nos satisfazemos, pois essa é a maneira que nossa alma tem de se alegrar, de manter viva a nossa vida, de manter vivos os nossos queridos.
Saudade é contrária do arrependimento, pois arrependimento é a lembrança pesarosa do que mal um dia aconteceu, e sempre que nos lembramos, ficamos tristes e envergonhados.
Saudade é o doce carinho com que guardamos nossas boas amizades, nossos vários amores, e saudade não tem idade, pois ela acontece agora, depois do beijo da despedida, e acontece de muito distante, da primeira bola, da primeira bicicleta...
Diz-se de quem tem saudades, ser um saudosista. Saudosismo deveria ser praticado, pois liga o passado ao presente, nos traz duas dimensões em duas realidades diferentes, nos faz pelo menos, pensar ou refletir - assim era antigamente; hoje em dia é assim...
Saudade é sinônimo de prazer, do quanto fomos felizes, em alguma ou várias vezes no passado.
Saudade é a ferramenta a nos indicar que precisamos novamente de felicidade, que precisamos nos mexer para viver mais uma vez algo parecido, e continuarmos felizes com nossas novas saudades.
Saudade também é triste lembrança, de alguém que já se foi ou que não volta mais. Essas saudades são mais profundas, mais pensativas, mais silenciosas - entramos no campo de Deus.
Suspiramos em saudades todos os dias, e quem mais suspira é porque mais viveu, mais deu de si, mais recebeu dos outros, e por isso mesmo mais saudades ainda terá, tornando-se um dia também em saudades, nas memórias de quem nos quer bem.
Saudade é simpatia, é amor, são boas ações, e por isso nos lembramos com sorrisos, com muitas histórias já vividas... Ninguém sente saudade de decepção.
Saudade tem a ver com saúde, tem a ver com idade, e quanto mais já se bem viveu, mais saudade saudável se produz. Saudade é a saúde da idade, diferente da idade com saúde. Ambos têm saúde e idade envolvidas, mas somente uma traz boas lembranças.
Viver significa compartilhar, e compartilhar significa dividir, e só divide quem tem sobrando, nem que seja apenas amor...
* * *
Questão de óptica...
(Paulo Boblitz - mar/2009)
Sempre quando estou na Roça, almoço num posto de gasolina lá perto, bem freqüentado, a comida sempre nova e gostosa, o atendimento de primeira...
Não faz muito tempo, eu descobri que estava comendo pouco e pagando mais, isso depois de um longo período de almoços...
Foi quando eu resolvi fazer uma graça com o Pedreiro e os dois Empregados, quando terminamos uma etapa de minhas obras, levando uma quentinha para cada um, cheia transbordante de coisas gostosas como eles gostam, e eles adoraram...
A moça, fazendo as três quentinhas na minha frente, ia colocando tudo aquilo que eu mandava, até que me lembrei das carnes, pois daquele jeito não haveria lugar. Ela sorriu e disse que caberia muita coisa sim.
E eu fui de volta para a Roça, com as três quentinhas inundando o carro com cheiro de comida e de churrasco, pensando com os meus botões que a minha salada, a minha farofa, o meu caldinho ralo de feijão, o meu vinagrete, e o meu franguinho pouco, no peso, nem chegava no primeiro terço do que coube em qualquer daquelas quentinhas.
Estavam a me enrolar...
Dia seguinte cheguei disposto a modificar tudo aquilo e fui logo pedindo um PF. A moça estava ocupada e me encaminhou para um garçom, meio doidinho, pois estava descalço a servir todo mundo.
Já com o prato nas mãos, chamei pelo doidinho e pedi um PF.
- PF sô eu qui faz - foi logo dizendo...
- E o prato né esse não; é o prato fundo... - completou.
Virei para ele e lhe disse:
- O prato é esse sim e serei eu a fazer o meu PF - enquanto falava, já enchia a colher com uma salada de batatas com maionese.
- Não!!! Desse jeito é selvserf..! Aí tem que sê pelo peso!
Não dei bola e continuei, enveredando pelo vinagrete, perguntando:
- Vinagrete pode?
- Pode, mas sô eu qui tem qui botar...
Pus o vinagrete e segui para a farofa...
- Farofa pode?
- Pode, pode! - já mais resignado, respondendo...
Diante do feijão, para molhar a minha farofa, perguntei:
- Caldo de feijão pode?
- Vai botando, vai botando...
Terminando com o feijão, perguntei:
- E um franguinho assado, pode?
- É, pode ir lá pegar e escolher o tanto que quiser... - já abrindo a guarda, verificando que mesmo para um PF, eles ainda estariam levando bastante vantagem comigo.
Chegando na churrasqueira, pedi o meu filé de peito de frango e contei que estava pagando mais e comendo menos que num PF.
Ele já me conhecia e me serviu com três pedaços bonitos, olhou com ar de entendido para o meu prato e disparou:
- Agora o Senhor vai na balança e pesa, pois esse prato daí tá com cara que tá mais barato que um PF.
Fiz que sim e parti para a balança, onde o doidinho já me esperava para me dar a Comanda. Virei para ele e disse:
- Agora vamos pesar, e se der preço menor do que um PF, pago pela balança...
- Mas o Sinhô é sabido todo, né!?
Deu mais caro, como sempre, então paguei um PF. Sorrimos e fui para a minha mesa, não sem antes de eu avisar:
- Semana que vem, vou fazer o meu PF de novo...
Hoje ele é meu amigão e até me trouxe abacaxi assado com açúcar e canela; uma delícia...
* * *
Glossário:
- PF = Prato Feito, na gíria dos restaurantes populares, o prato comum oferecido, normalmente entupido de feijão, arroz, macarrão, e um pouco de carne. No Caminho de Santiago, ele é conhecido como Menu del Día.
- Comanda = pedaço de papel onde são anotados os pedidos, para posterior pagamento no Caixa.
* * *
Não escovem os dentes com sabonete...
(Paulo Boblitz - mar/2009)
A vontade era seguir em frente..., fazer curvas, subir, descer, comandar o monomotor, independente...
Um Instrutor de Vôo é algo meio opressor, sempre a nos apontar os erros, sempre a nos criticar desatenções...
E Bibiu havia sido enfático: - suba..!, e desça..!
Talvez fosse por isso mesmo, pois que depois da pressão, vinha a perigosa empolgação...
O que não lembramos, ou nunca paramos para pensar, é que no primeiro vôo solo existem dois momentos graves apenas: a decisão de desgrudar-se do chão protetor, e depois o pouso, o trazer da máquina ao mundo em que vivemos...
Um avião voa sozinho se não atrapalharmos, se o estabilizarmos corretamente, mas só decola e pousa segundo a nossa vontade...
Eu havia passado sobre a cabeça feliz do Bibiu, afinal ele conseguira mais um, mas enquanto eu fazia a perna com vento, notava que ele de novo ficara quieto...
Compenetrei-me novamente e esqueci o sorriso... Havia o que se cuidar...
Comecei a procurar aeronaves em procedimentos de aproximação, mas não havia ninguém a voar...
Aproximei-me da perna base e girei 90 graus à esquerda... Enquanto o monomotor seguia o caminho dele, verificava a linha de aproximação..., livre à direita...
A pista ao longe pequenina, cada vez mais aproximava-se do meu alinhamento...; mais um pouco, eu estaria na reta de aproximação, no eixo longitudinal da pista, onde faria outra curva de 90 graus à esquerda, navegaria mais um pouco de frente para o vento e retiraria um pouco de motor, estabilizando preparando a aeronave para a descida...
A Biruta, antes murcha e pendente, agora estava inflada e desalinhada...; o vento me tiraria do eixo...
Retirei motor e segui em planeio, estabilizando o pequeno monotor numa descida lenta e gradual; meu alvo era a bola...
Com o motor em marcha lenta, o vento se fazia presente, conversava comigo, me insinuava correções, abaixar uma asa levantando a outra...
Bibiu agora estava do outro lado da pista; ele a havia atravessado, e de costas para o vento me observava...; puxei os flapes..., apenas 20 graus...; o avião inchou e empinou ganhando altura...
Um afundamento e mais um pouco de motor...; o avião ficou durinho e mais empinou...; de novo eu tinha a bola no alvo...
Bibiu ficou de cócoras e por um momento o perdi de vista...; a bola agora estava maior e em franca aproximação...; o eixo da pista parecia se mover, e se eu não cuidasse, na grama pousaria...
Pedal esquerdo, um pouco mais de motor, o avião durinho corrigido, a bola quase embaixo e eu ainda muito alto... Urgia decisão...
Retirei todo o motor e de leve piquei; engoli e respirei, pois a hora da verdade estava bem ali na minha frente..., cada vez mais perto...
Enquadrei o horizonte e arredondei...; ainda estava alto e ligeiro...; não havia o que fazer, deixar perder velocidade ou arremeter...
Deixei perder velocidade...; ultrapassei o ponto do toque mas ainda tinha pista para uma arremetida...
Mirei a velocidade e já quase em estol, verifiquei que não estava mais assim tão alto...; respirei novamente, apertei de leve a bola da manete para o caso de alguma emergência, e com a mão direita puxei levemente o manche...
Por instantes o pequeno bico alteou-se, e senti o afundamento..., respirei de novo e veio o toque..., um baque forte e seguro...; agora eu corria bem pesado, e mais um pouquinho, senti a bequilha também tocando...
Bibiu se levantou num pulo só, ergueu o punho cerrado e comemorou...; retirei os flapes e esvaziei os pulmões...; mas não havia ainda terminado...
Descansado, sem mais um peso sobre os ombros, deixei o avião livre a rolar...; com carinho fui aplicando os freios, enquanto o dirigia para uma das extremidades, para dar meia volta e taxiar, afinal, eu ainda tinha que resgatar um passageiro...
Girei os 180 graus e apliquei motor...; quatro bocas rugiram...; quatro dragões acordaram...
Parei e o Bibiu na carlinga subiu...; sorridente, me deu os primeiros parabéns do curso...
Eu era um Piloto...
* * *
(Paulo Boblitz - mar/2009)
A pista à minha esquerda, estirada e fria me aguardava... À minha direita, o céu limpo; ninguém em aproximação...
Parado na Bola da Cabeceira, como a chamamos, pisei forte nos freios e levei a manete à frente; o giro subiu e o ronco aumentou em imprecações..., mil rotações por minuto, estabilizadas...; desliguei o primeiro magneto e observei ligeira queda nos giros do motor...; liguei-o novamente e desliguei o segundo magneto, para em seguida tornar a ligá-lo. Desliguei o Master e por dois segundos observei a queda de giros, religando-o novamente para vê-los em pico. A parte elétrica estava perfeita...
Todas as pressões normais, o combustível quase pleno...; dei mais uma olhada para os lados, ganhando tempo enquanto podia...
As pernas já reclamavam da força aplicada, pois o conjunto todo, trepidando, queria rolar.
Não fazia muito tempo, Bibiu, o Instrutor de vôo, havia solicitado que eu parasse no meio da pista, e enquanto descia, informava que eu já estava pronto:
Ali estava eu checando o que já havia sido checado... Virei-me para o vulto dele ao longe, de pé, olhando para mim em desafio, aguardando minha decisão. Dei mais uma olhada para ver se alguém se aproximava, diminuí a rotação e soltei os freios, iniciando uma suave rolagem, levantando mais um pouco de poeira, posicionando-me no mesmo eixo da pista, que agora parecia estreita e pequena...
As pernas tremiam, não sei se de emoção ou de cansaço; o coração disparado, a mão gelada na manete, a outra rija no manche, a língua seca e a garganta apertada, e Bibiu lá adiante imóvel me aguardando, impassível, calmo e descansado. Eu o xingava por não me ter avisado antes...
Apertei os freios, inflei os pulmões e dei manete à vante, toda ao máximo, cem por cento de potência a querer explodir na nacele... Quatro bocas rugiram à minha frente, a aeronave fibrilou como um bom xucro prestes a disparar, soltei os freios e o avião nervoso projetou-se como catapultado, comendo cada vez mais rápido aquele asfalto pintado, enquanto corria desenfreado e cheio de solavancos, desajeitado, pois avião foi feito para voar...
Ainda pude ver Bibiu com o semblante preocupado, olhos meio cerrados a me mirarem, inquiridores me questionando. Ele havia se postado de propósito, naquele ponto onde podíamos nos arrepender e abortar..., ali onde nossos medos falavam mais alto, onde nossa insegurança assumia o controle e nos amarelava...
O pequeno monomotor dava saltos curtos e nervosos, pois estava sendo mantido no chão à força; há tempos eu havia atingido as 65 milhas necessárias, e ele decidido só reclamava, queria voar a qualquer preço...
Puxei o manche finalmente..., tudo ficou calmo de repente; agora eu só via o azul do céu me olhando, e eu era o único nervoso, os olhos piscando de um instrumento para outro, a mão do manche já doendo com tanta força..., 100 pés..., 150 pés o altímetro indicava...; mais um pouco eu aliviei a manete dos gases, diminuindo o fogo daqueles dragões.
A tremedeira das pernas havia cessado, todos os instrumentos estavam em ordem...; lembrei do Climb e verifiquei que estava com uma razão de subida muito forte; larguei o manche devagar e estabilizei o avião, e mais um pouco efetuava uma curva para minha esquerda..., e mais outra..., e ainda mais outra..., e mais uma última..., como se fosse pousar... A emoção havia passado...; o controle, assumido...
Passei sobre o Bibiu que lá embaixo dançava, lançava-me sorridentes polegares para cima, afinal ele também naquele dia estava feliz. Eu agora também sorria, também me orgulhava de uma difícil decisão: desgrudar do chão sozinho, somente eu a depender de mim, assumindo a máquina e os riscos...
A primeira decolagem solo é única... Nunca mais a esquecemos...; nunca mais paramos de decolar...
A primeira decolagem também significa um belo banho..., um batismo de óleo queimado que para alguns é cômico, pois eles um dia também foram batizados; para outros ainda é um sonho, pois ainda não estão preparados..., e para nós que o recebemos..., vários dias de bons banhos...
Um balde inteiro jogado devagar, sobre nós na grama sentados, a pilotarmos com um manche de cabo de vassoura...; não sei se ainda batizam desse jeito...
Agora eu precisava pousar, enfim acordava do meu devaneio, engolia em seco para a realidade..., a parte difícil do voar..., pôr a máquina dócil de volta no chão, prestar a máxima atenção, lembrar do horizonte que tanto treinamos..., sentir o vento que nos tira do alinhamento, sentir a leve pressão no arredondamento, a bunda afundar na hora do toque...
Sorrisos...
Uma amiga mandou sorrisos..., mandou uma risoterapia..., e eu sorri.
Logo lembrei dos animais, dos nossos mais próximos parentes que mostram todos os dentes em sinal de aprovação, em sinal que estão a sorrir e não a atacar com seus formidáveis caninos: são eles os nossos brincalhões macacos.
Diferentes dos carnívoros que nos mostram os dentes num franzir, nossos meios-irmãos simplesmente abrem a boca em escancarada expressão de liberdade e alegria, igualzinho a nós, ou nós igualzinho a eles.
Um sorriso desarma e ao mesmo tempo nos prepara para sermos gentis. Tornamo-nos simpáticos apenas porque sorrimos, e normalmente recebemos outro sorriso de volta, porque remetemos uma expressão agradável.
Há quem diga que sorrir movimenta um sem número de músculos, número esse maior do que aqueles que nos produzem as lágrimas, embora sorrindo às vezes lacrimejemos de tanta felicidade, um pouco diferente daquelas do crocodilo quando está a dilacerar o que lhe produz satisfação: a comida que lhe comprime as bolsas lacrimais.
Vivemos a sorrir para conhecidos e desconhecidos, e nunca recebemos por isto, algo que também não fosse simpatia, um amor diferente que nos diz o momento ser divertido ou feliz.
Com um sorriso contagiamos e somos contagiados; mudamos a vida dos outros que acabam nos mudando. Sorrir faz bem...
Sorrir rejuvenesce, pois que torna mais bela a face que se abre em fino contrair, a dar esperanças, iluminar horizontes, aumentar o próprio brilho da tez, pois que felicidade se expressa, se pinta explícita em nossas faces mais irrigadas, aumenta o nosso brilho do olhar, gera o magnetismo que nos atrai as almas, propriedades de Deus.
Uma paixão começa por um sorriso, e o amor, um sentimento mais duradouro, é composto sem dúvida por muitos deles.
Sorrimos quando estamos bem, quando ficamos hilários, quando nossos hilos explodem em forma de energia, apenas porque ouvimos, ou porque vimos, ou porque lemos, e rimos em desenfreado descontrole ao ponto de nos dobrarmos, nos mijarmos, pois que o sorriso liberta, e libera, e desprende, e transporta...
Sorrir mesmo quando as coisas vão mal, já ajuda no conserto, pois sorrir é a resposta do espírito acostumado às vitórias, é a arma do espírito que se prepara para a solução, é a alma que acabou de conversar com Deus e já está pronta para continuar, pois que perder também é ganhar; foi isso que um dia Jesus nos disse sorrindo, que a morte é o início da vida eterna, para aqueles que sempre sorriram e amaram.
Dos sorrisos da arrogância, da superioridade, não devemos comentar. Eles acabarão tornando-se em tristezas, arrependimentos envergonhados, que um dia a consciência de cada um fará sorrir amarelo, o sorriso do tolo que de repente descobre que não foi superior.
Sorrir é amar..., e devemos amar logo cedo de manhã, ao olharmos para nós mesmos, sorrindo felizes das coisas boas que conseguimos, das pessoas boas que conquistamos, de Deus que já nos acorda com carinho, pois que o espreguiçar é jogar a preguiça fora, é o arrepio da alma que quer se aquecer com o trabalho, é o voto que afirmamos sermos capazes, da luta que iniciamos quando lá atrás nascemos...
Amar é sorrir..., e quando sorrimos estamos amando, o amor do bom senso, do bom humano, do bom pai, da boa mãe, e do bom filho..., e aposto que muita gente que já leu até aqui está também a sorrir, pois o melhor sorriso é o dos olhos, quando nos enchem de sorrisos.
Deus nos sorri com o Sol, com as estrelas, com o cantar dos pássaros, o barulho da cachoeira, o vento a passar e nos assanhar, o redemoinho que põe a poeira a subir..., com a nuvem branca a navegar, se juntar com outras cinzentas para pingar, e com o raio a nos mostrar, que com raio não se brinca. Deus sorri quando a Lua ilumina os apaixonados, trocando juras e sorrisos, selando o futuro que Ele unirá...
Sorrir é expressar o bem, pois que sorrir talvez seja a única atitude do homem, que não deixa mentir...
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Saudade...
Saudade sempre lembra um tempo bom que já passou. Saudade lembra os sonhos que um dia já sonhamos.
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