Correndo e Pedalando...

Dia de festa não é só de bolos,

tortas e salgadinhos...

Dia de festa é também trabalho,

energia que evapora em borbulhantes

gotas de suor...



Correndo e Pedalando...
(Paulo R. Boblitz - 17/mar/2013)

Quando jovem, eu corria; corria bastante...

Usava aquelas sapatilhas com pregos, sem saltos, duras, de couro, um pouco apertadas, pois já naquela época, meus pés eram 44. Corria nas pontas dos pés, a técnica copiada dos cangurus... Treinava para os 400 e os 800 metros; eu era um fundista...

Uma dor misteriosa na canela direita, acabou me afastando dos treinos, e em todos os exames, eu nada tinha, até que um clínico geral resolveu examinar-me a garganta, as amígdalas, e naquele tempo, só operando... Explicou ainda que se eu fosse um lançador de dardos, e eu até os lancei, também os discos e os pesos, a dor apareceria no braço direito, pois sou destro. O que ele queria dizer é que a dor estava aparecendo no membro que eu mais utilizava, e as corridas, que eram o que mais gostava, que já vinham sendo poucas, finalmente acabaram...

O trabalho veio, o casamento também; hora de correr atrás da vida...

Hoje é aniversário da nossa cidade, quando uma série de festividades estarão acontecendo, mas a mais bonita, sem dúvida, é a que vem acontecendo há 30 anos: a Corrida Cidade de Aracaju.

A largada aconteceu no Centro Histórico de São Cristóvão, ex capital de Sergipe, e terminou na praça do Minigolfe, quase centro de Aracaju, depois de 25 km pelas subidas e descidas da rodovia João Bebe Água, seguindo pelo quase plano da avenida Mal. Rondon, passando por baixo do viaduto da av. Presid. Tancredo Neves para enfrentar a subida forte da av. Des. Maynard, e por fim, a quase descida pela av. Barão de Maruim, finalmente dobrando na av. Ivo do Prado, a Rua da Frente que margeia o rio Sergipe, a cerca de 600 metros da linha de chegada na praça do Minigolfe; vários amigos estavam ali pelo meio, correndo embolados à bela multidão de atletas com suas cores vivas.

Logo cedo eu revisava a bicicleta, pois havia decidido acompanhá-los, pedalando até São Cristóvão, para depois retornar com todos eles pelo meio da festa. O tempo amanhecera espetacular, com muitas nuvens cinzentas afugentando o sol que havia castigado por toda a semana; São Pedro parecia comemorar...


Já durante a ida, ia percebendo o preparativo das várias torcidas que se postariam ao longo do trajeto pela João Bebe Água, moradores da região; o dia era sim, de muita festa... Vencida minha última ladeira, São Cristóvão se me apresentava ao longe com suas torres antigas, passado guardado e tombado como monumento nacional, a quarta cidade mais antiga do Brasil.


Ruas estreitas, desencontradas, escondiam o local da concentração, a praça em frente da igreja matriz, a de Nossa Senhora da Vitória, com palmeiras imperiais, coreto e outras árvores frondosas e floridas. Grupos distintos reuniam-se em cada canto, azuis, vermelhos, amarelos, brancos, verdes, cada um com seus alongamentos, suas estratégias, seus sonhos de vitória...

Corrida importante no calendário brasileiro de competições, já é internacional há algum tempo, onde os quenianos costumam fazer a festa, mas isso não significa que os sergipanos, todos aqueles que moram por aqui, não sejam devidamente premiados, pois o aniversário é da cidade de Aracaju, hoje com 158 anos, ainda mocinha cheia de planos...


Desci da bicicleta, enxuguei o suor, bebi um pouco d'água enquanto os olhos passeavam por entre tantas cores em movimento, nervosos com o sangue a correr mais rápido, expectativa normal antes de qualquer largada, um ano inteiro de tantos treinamentos, tantos suores...


Empurrando minha amiga, fui pelo meio me intrometendo, com a outra amiga fotografando, gente bonita me sorrindo, pois ali estávamos todos no mesmo ninho... Devagar fui encontrando amigos, Lealdo Feitosa, Meire Oliveira, André, Jair Barros, Rogério Santin, Marcus Franco, Beroaldo Justino, Aroldo Bispo, Brunno Lossio, Verônica Gonçalves, Antônio Mendonça, Dulce Maria, Nicanor e tantos outros conhecidos de vista, e mais alguns por apresentação. Faltavam o Alexandre Cysne com a esposa Elisa, aquecendo-se na praça do Convento, local mais arejado e amplo, pouco atrás da porteira do curral, ali donde todos sairiam em disparada, com um pensamento só...

Atrás da porteira, grade metálica portátil, sob o portal oficial, os tênis coloridos não paravam de se mexer, inquietos prontos para a decolagem, tão logo soasse o aviso ansiosamente esperado.

Agora faltavam 5 minutos para o estouro da boiada; precisava posicionar-me em lugar estratégico, bem de frente para todos, num local onde ela não me passasse por cima...

Em pouquíssimo tempo, a praça foi esvaziando, cada um ocupando seu lugar melhor, explosões contidas prestes a rebelarem-se, energia pulsando firme, sangue mais quente a correr, ventas em rugidos bufando, animais de força bruta soltos pela pista, alguns nem tanto, pelas fantasias e bandeiras, onde a festa era a reinante.

Ali à minha frente, a emoção era contagiante. Meu sangue fluiu mais rápido, vendo-me também largando, adrenalina a mil, a controlar passadas e tiro final, quando os pregos lançavam torrões para cima, como cascos aprofundando-se na terra dura...

Tantas cabeças pulando e multiplicando-se a perder de vista, cerca de 1.200 atletas em polvorosa, num vetor apenas: vencer a todos...

Entre festas e comemorações, sorrisos e expressões, por fim passaram os últimos de uma interminável fila contida entre paredes numa rua estreita; montei e pedalei...

Emocionante ver um cego sendo conduzido, correndo num esforço diferente, obstáculos mil à sua frente em paralelepípedos desiguais e gastos pela História, ali em franca demonstração de que querer é poder. Jovens, idosos, medianos, magrinhos, gordinhos, ali não havia ninguém que não pudesse...

Acompanhei-os todos e por entre eles fui me embrenhando. A procissão diferente corria ladeira acima, vencendo a primeira de todas elas, bem rabugenta logo no início, em "S" invertido de subida, de suor, de som do tranco de cada pé no chão, naquele asfalto carrasquento que agora experimentava borrachas especiais, cada solado com seu desenho, com seu amortecedor...


Um a um os fui pegando, e alguns nem consegui alcançar, pois corriam assim como eu pedalava. O último foi o Rogério Santin, também Cicloturista, prejudicado pela noite antipática às fotos em movimento. Acompanhei-o até o funil onde só os corredores passavam. Apeei, andei um pouco pela calçada e fotografei o cronômetro, cerca de 2 minutos depois, implacável somando segundos...

Caminhei até o outro lado do relógio, aquele em que vemos os sorrisos chegando, dando por concluída a batalha, agora só abraços pelas tantas vitórias de cada um, vinte e cinco mil metros bem socados em cada pé, bate-estacas ao contrário, devolvendo cada sopapo para os joelhos, quadris, coluna, pescoço, até à mente que vez ou outra necessita de um copo d'água a lhe derramar frescura, temperatura rebaixada por um pequeno copo, num banho em deslocamento, onde cada gota é um novo alento, um novo suspiro...

Aos meus amigos, minha homenagem...
Beroaldo Justino












Jair Barros (esquerda)











Lealdo Feitosa











Meire e André











Marcus Franco (esquerda)














Pequei por não conseguir fotografá-los todos...










Não são pangarés, os que correm essa distância...

* * *