Pedaleiro ou Ciclista?

Segurança é coisa que sempre mantemos em alta.

É ela quem nos garante o bom conforto, o gostoso lazer.

Acidentes sempre acontecerão, mas podemos minimizá-los.

Segurança para todos vocês.



Pedaleiro ou Ciclista?
(Paulo R. Boblitz - out/2009)


Faz tempo que eu mantenho uma distinção entre Motoqueiro e Motociclista, desde que montei pela primeira vez numa motocicleta.

Motoqueiro é aquele que anda na contramão, corta pela direita, sobe nas calçadas, não respeita os sinais, agride a todos, o tempo inteiro; alguns ainda utilizam o capacete no cotovelo...

Motociclista é o cidadão que sabe se comportar, não só em cima da motocicleta, mas em cima de qualquer veículo.

Da mesma forma, observamos o mesmo problema com as bicicletas.

Bicicleta, se numa boa descida, pode ultrapassar os 210 quilômetros, claro que tal velocidade não é para qualquer um, mas foi para o recordista austríaco Markus Stöckl, aos 33 anos, 100 kg, que atingiu a marca dos 210,4 km/h, descendo uma montanha em La Parva, nos Andes Chilenos, em rampa de 45 graus por 2 km, partindo dos 3.000 metros de altitude, segurando a respiração pelos 40 segundos em que durou a descida, pois que a viseira estava embaçando, em condições não favoráveis, pois a neve havia derretido, deixando à mostra, pontas de rochas nuas. Imaginem se as condições estivessem mais favoráveis... (fonte: http://www.wikidoido.com/Recorde_mundial_de_velocidade_com_bicicleta) - tem o vídeo.

Pedalando forte, atingimos os 40 km/hora, e uma queda nesta velocidade, sem capacete, é muito grave.

Utilizamos luvas para a proteção no caso de uma queda, e não para tornar a pega mais confortável.

Nossas roupas são coladas e apertadas, em tecidos especiais para evaporação fácil do suor, bem como para não tremularmos como bandeiras, produzindo arrasto, que um dos nossos principais vilões, o vento, nos faz carregar.

Óculos protegem nossos olhos de insetos, pequeninas pedras, poeira e o próprio vento.

Hodômetros com freqüencímetros, nos dão informações diversas e importantes, como alarme quando chegamos próximos de nossa pulsação máxima, velocidades, distâncias percorridas, bem como médias para nossos controles.

Faróis a LED, numa luz azulada, consomem pouco e iluminam bem, além de piscarem em sinalização para quem vem em sentido contrário.

Lanternas traseiras vermelhas, piscando, nos anunciam de longe para os veículos que nos cruzarão.

Mas para ficarmos visíveis, necessitamos trocar as pilhas ou baterias dos faróis e lanternas, para que eles tenham as cores vivas e vibrantes.

Uma bomba de encher pneus, uma câmara de ar reserva, um estojo portátil de chaves, e um kit de remendo rápido, nos garante o prosseguimento do passeio.

Bom seria que tivéssemos um apito, para acordarmos aqueles com o telefone celular no ouvido, e coletes reflexivos em "X"; nossa principal desvantagem, é a invisibilidade, pois que automóveis prestam atenção apenas em quem pode machucá-los, como outros veículos semelhantes, ou outros maiores como ônibus e caminhões.

Se tudo isso acima é importante, importantíssimo é a manutenção da bici, pois que ela, com suas peças móveis, pode produzir quebras e travamentos, além de tornar a condução mais pesada, por falta de lubrificação. Um choque a 15 km/hora, apenas porque não se tem freios, pode quebrar alguns ossos.

Se estamos num veículo que se movimenta, que se desloca a velocidades razoáveis, a soltura de um pedal provoca uma queda feia, como a que eu vi hoje acontecer; felizmente estávamos numa ciclovia, entre muretas de concreto num viaduto. Não se cai de lado, quando ao lado passam veículos em disparada.

E quanto custa uma Revisão Geral? Garanto que muito menos do que os remendos e remédios num Hospital.

Se você ainda não é, por favor, para seu próprio bem, e para o nosso sossego, torne-se um Ciclista, especialista do ciclo, cidadão respeitador...

* * *

Trilha Cachoeiras de Ribeira e Macambira

A trilha foi tão dura, que ainda estou cansado para produzir uma introdução...

E ela é de vocês, toda de vocês. Por favor, sintam-se à vontade...

Se eu pudesse, também mandaria um pouco de poeira.

Assim, mando apenas o meu abraço.



Trilha Cachoeiras de Ribeira e Macambira
(Paulo R. Boblitz - out/2009)


Cinco horas em ponto, eu já estava no local de encontro; aos poucos foram chegando todos, caras de sono, mochilas nas costas, apetrechos e bicicletas. Mais um pouco chegava o Caldas, trazendo algumas bicicletas já no reboque.

Seis e meia, com um atraso de meia hora, partimos para Itabaiana, lugar de serra bonita e nascentes límpidas em cascatas. Antes da cidade, chegamos no povoado Gandu, poucas casas, pouco movimento, curiosos nas janelas, expectativas no ar.

Oito horas de uma manhã ensolarada, ligeira explicação de um mata-burro mais adiante, logo depois de uma descida forte, logo após uma curva. Fizemos uma pequena Oração, e partimos cerca de 35 trilheiros, 28 de Aracaju, e mais 7 convidados de Lagarto. Saímos em lenta navegação por um estradão de piçarra, aquecendo-nos em fraca pressão sobre os pedais.

O início foi gostoso, leve descida por algum tempo, mas isso significava nova subida depois, por quanto tempo..? A resposta não tardou a aparecer, e logo estávamos em ascensão, e em descida, e em subida, sempre alternando uma com a outra, suando forte sob um Sol não menos raivoso.

Em pouco tempo chegávamos à pequena cidade de Ribeira, onde paramos num breve descanso sob frondosas árvores, numa singela praça de interior. Servimo-nos de água, comemos laranjas, maçãs, goiabas e bananas.

Estávamos próximos da grande ladeira que meava com o mata-burro depois da curva; agora o cuidado se fazia.

Partimos novamente, primeiro uma breve e leve subida, depois a insinuação da descida, e finalmente a rampa acentuada com um tremendo perigo: seixos pequenos, médios e grandes, rolando sob nossos pneus, mesmo com os freios acionados. Às vezes, parecia que estávamos sobre roletes, adotando a bicicleta, direções que não queríamos.

Nela, Barriga quase deu um Babalú, manobra espontânea não prevista, quando a suspensão dianteira trava no chão, a traseira levanta no ar em rabo de arraia, em perfeita capotagem. Parecemos carretas quando o reboque produz um "L". Barriga liberou os freios, saltou da bicicleta como pôde, ralou um pouco o joelho, enquanto a pobre magrinha dava 2 cambalhotas no ar, uma pena, considerando o equipamento, pois que perebas cicatrizam, criam cascas e ficam como novas, algum tempo depois.

Pouco antes dessa inflamada descida, pude ouvir duas velhas na calçada, a comentarem sobre mim:

- Esse daí, morre já...

Olhei para as duas mas fingi que não havia escutado; dei-lhes um bom dia e um sorriso, e segui adiante, afinal, todo mundo tem direito de pensar...

Aos pulos e solavancos, qual cabritos monteses, sem tempo nem para rezar, sem freios que pudessem obedecer, chegamos na dita curva, que nem era assim tão fechada..., mas o mata-burro perigosíssimo, pois por economia, não havia sido construído na transversal, mas alinhado com o eixo da via, fatal para pneus que ali se encaixassem, trampolim e catapulta para os que nele estacassem.

Enfim chegamos lá embaixo, no sopé da grande montanha de rocha, onde uma pequena tenda de acampamento estava montada, duas motos estacionadas, ninguém à vista. Não fizemos barulho e apeamos, e logo seguimos para a primeira cachoeira, que na verdade era só uma pequena corredeira, pois a cachoeira de verdade, ficava 10 minutos de caminhada, e não tínhamos tempo para incursões; o tempo passa depressa quando estamos ocupados, e tínhamos percorrido apenas dois quintos do percurso.

O Sol já ia alto, e a subida de volta nos convidava a um bom banho, esfriarmos totalmente como se começássemos dali em diante; preferi me preocupar com a vertente inclinada e escorregadia em rocha única, que nos levava ao gostoso banho, água colorida a parecer coca-cola, fruto de mata fechada a alimentar o manancial com seus restos folhosos, sinal de rio velho ou em leito rochoso.

Cláudia segredou que já conhecia o local, apontando-me o íngreme rochedo em que havia realizado um treinamento de rappel. Olhei para o alto, olhei para ela, olhei para o alto novamente e respeitosamente a encarei com um leve sorriso de aprovação; ela é militar, apenas isso posso contar...

Como esse mundo é muito pequeno, acabamos descobrindo que trabalhamos por um bom tempo na Amazônia, eu na província petrolífera de Urucu, ela navegando nas infinitas artérias daquele mar; lembrou-se da luzes de nossa Base, uma estrela a brilhar em plena escuridão sombria da selva, como o verdadeiro espaço sideral, um lugar onde só enxergamos o Sol quando ele está por volta do meio dia, a pino sobre nossas cabeças...

Tomamos um banho no que considerei o término de um magnífico cânion, onde a profundidade ultrapassava os 20 metros, onde aqui e ali descobríamos pedras que se erguiam como montanhas, como ilhas que cansaram de subir...

Enfim partimos para encarar a grande subida, que alternamos ora pedalando, ora andando, pois jogávamos energia fora, toda vez que deslizávamos sobre as pedras soltas redondas, motivo que não desestimulou ao Djalma, Silvio e Marcos, que não dando bolas às derrapadas, usaram de técnica apurada para vencer o obstáculo, uma senhora ladeira empinada, que até andando deu trabalho e cansou.

Na subida, encontramos dois amigos também pedalando, mas em paralelo numa outra trilha, que se engalfinharam enquanto um tentava ultrapassar no momento em que o outro desviava de alguma coisa. Apenas arranhões, no espírito e na pele, coisas de quem vive competindo. Vovô e Gilton ficaram para trás, prestando auxílio com primeiros socorros à dupla.

No topo de tudo isso, ainda cheguei a procurar as duas velhas agoureiras para lhes lançar outro sorriso, mas já não estavam mais na calçada, palco de outros tantos agouros, para quem passa, subindo ou descendo; tem velho novo, mas tem também velho velho, simples opções de se ver a vida...

Mais um breve descanso na praça, recomposição de frutas e água, aproveitei para ir numa mercearia ver se tinham papel guardanapo para limpar meus óculos embaçados. A Senhora simpática se ofereceu perguntando se podia lavá-los, levou-os para dentro e os trouxe limpinhos como novos, desculpando-se por utilizar sabão de coco e não detergente; agradeci e lhe disse que era o sabão indicado, que até eu o usava. Radiante lançou-me um sorriso de contentamento, apenas porque foi reconhecida como gentil pessoa, fazendo questão que eu levasse alguns guardanapos, caso necessitasse pelo caminho.

A moça que ajudava no balcão perguntou se tínhamos ido até a cachoeira, e se tínhamos achado bonito. Respondi que sim, e que bonito seria de 5 em 5 anos, por conta da subida. Gargalhamos todos, agradeci e fui embora pegar minha bicicleta que havia deixado ao lado de duas mulas, que deviam estar a se perguntar que tipo de montaria era aquela. Virei para as duas e lhes disse que eram lindas; acho que agradeceram com as orelhas...

Partimos em busca de Campo do Brito, sempre subindo mais do que descendo, o que geraria o comentário de Vovô a comparar com o Iraque, uma trilha assim batizada por ser bastante inóspita, praticamente somente subidas, que ele afirmou que lá iria de novo, se enganado. No caminho passamos por uma pedreira, por uma estreita ponte metálica para pedestres, um bom local para um novo banho, mas estávamos apressados, afinal a trilha tinha que ser cumprida, e já eram onze horas, num Sol para lá de escaldante...

Vovô é sempre o nosso Anjo da Guarda, a pedalar com o último dos Carniças, fechando o Grupo para que nenhum desgarre da manada, que o Raimundo parecia de vez em quando tocar, sempre quando descíamos desembestados ladeira abaixo, aboiando a boiada com canto monótono e triste.

Mais um descanso numa praça com poucas sombras, e partimos novamente, dessa vez por uma longa reta asfaltada, uma cansativa ladeira longa, muito longa, que um trator também lento, fez questão de me acompanhar com seu tó-tó-tó enfadonho, até que ele também cansou e acelerou, desaparecendo mais adiante.

Helder, que havia ficado para trás, nos alcançou trazendo mais Carniças, liberando Vovô para esticar as canelas, que logo sumiu também no horizonte; acompanhou-me até chegarmos na cidade de Macambira, numa bela praça com muitas árvores, muitos bancos coloridos, um coreto e muitos canteiros bem cuidados. Faltavam apenas 7 quilômetros para a cachoeira, só descida, me garantiram, mas descobri que para descer, precisava ainda subir mais três quilômetros.

Enfim lá no alto, uma vista deslumbrante, o mundo inteiro lá embaixo estendido, verde bonito de campo cheio de vida, uma triste constatação: para lá desceríamos, e de lá subiríamos... Juro que perdi a graça, o bonito se tornou feio, a razão se chegou afastando a poesia do olhar, a realidade fez doer até aos fios de cabelo. Era um vale muito profundo...

Descemos...; nova carreira desembestada, creio eu ter gastado metade de minhas tamancas, coisa boa teoricamente, pois a bicicleta assim se torna mais leve, pensamento maluco enquanto desviava de outras tantas pedras, soltas para nosso desagrado... Muitos mata-burros nos aguardavam, todos eles perigosos, o que nos obrigava a atravessá-los nos equilibrando, nas traves de madeira gasta, nos velhos trilhos invertidos, porteiras virtuais que seguram o animal, dividindo os pastos.

Enfim a cachoeira tão esperada, duas horas da tarde, depois de quase 52 quilômetros de chão solto e de poeira, as sombras todas tomadas pelos nativos da região, que dali fazem a boa praia, no fim de semana em alegrias; nos alojamos por cima das pedras, onde um dia por ali passou bastante água. Nos desvencilhamos da pequena tralha, mas ainda era preciso, precipício abaixo, uma íngreme caminhada, que Barriga com o joelho dolorido, foi o Carniça da frente, segurando o grupo inteiro, por ser ele o desbravador, num caminho de um homem só, a andar por degraus naturais, da rocha bruta que um dia quebrou.

Água barrenta, cheia de produtos da mata, quase metade não encarou. Escalei um pouco mais, seguindo os passos do pessoal de Lagarto, experientes naquele lugar, e experimentei sentir dor na cabeça, com as pancadas da água forte a bater; meditei sobre o que seriam sedimentos em suspensão, depois de tanta poeira pelo chão pedalado?, depois de tanto suor já secado?

Subimos de volta o paredão, e descobri com grande alegria, que haviam telefonado para o Caldas; ele nos pouparia da grande subida de volta... Soltei um hip hurra silencioso, agradeci ao meu bom Deus, e ao meu bom Anjo da Guarda que Lhe transmitiu o recado, meu pedido de ciclista cansado, muito cansado...

Trocamos de roupa, guardamos as bicicletas, embarcamos no Oásis do Caldas, que saiu estrebuchando carregando tudo, em lenta subida reduzida, enfim pegando o asfalto, lá mais adiante bem longe a serra no lado de Itabaiana, que de manhã havíamos deixado; lá estava o nosso almoço..., e a nossa água, que ninguém mais tinha...

Almoçamos quase cinco da tarde, e meu prato mais pareceu com um cocho, daqueles de madeira onde o gado come; o que eu tinha de cansado, tinha de sede e fome. Almoçamos sob a algazarra da boa conversa, debaixo dos olhares intrigados, do dono e dos garçons, servindo um almoço quase na hora da janta...

Das trilhas que eu fiz, essa foi a segunda e a mais difícil em que orgulhosamente não precisei pegar carona no carro de apoio. Ainda sou o Carniça oficial, mas tenho fé de que outro aparecerá para tomar o meu lugar, momento em que serei promovido, de Carniça para outra coisa um pouco melhor.

Talvez quando eu conseguir, não tenha tanta graça como tem agora, onde o Coroa quando passa, recebe incentivos variados, e também alguns agouros, afinal, não é sempre que agradamos...

* * *

O Paraíso e o Inferno, podem ser vizinhos...


Prezados amigos,

Retornei ao que achei belo, e mais belezas pude sentir...

Não escolhemos os nossos vizinhos, mas podemos lidar com eles...



O Paraíso e o Inferno, podem ser vizinhos...
(Paulo Boblitz - out/2009)


Algumas coisas nos deixam marcas, e quando elas são boas, queremos repeti-las. Foi assim que acabei voltando a Gaibu neste último fim de semana, desta vez de carro, para mostrar à esposa, o Paraíso que visitei.

O Hotel em que havia ficado estava lotado, que nos indicou uma Pousada logo vizinha; não pensei duas vezes e fechei o pacote para os três dias desse último feriadão.

Como nossos Anjos vivem a conspirar entre si, Omar e esposa estavam indo para Porto de Galinhas, quase colado em Gaibu; estavam indo ser Padrinhos de casamento de alguns noivos bonitos, e de lá seguiriam para umas boas férias merecidas.

Marcamos sair juntos na sexta-feira, seguindo pela estrada convidativa, quase repetindo o passeio que fizemos com as bicicletas, pois por onde passa uma magrinha, não passa um carro...

Almoçamos uma peixada na Barraca do Tibiro, não sem antes beliscarmos o petisco de Lagostim; mais um pouco, seguíamos novamente para pegarmos a Balsa, que no meio do rio deu meia volta para resgatar um boné que o vento levara, de um turista descuidado - assim se traduz a hospitalidade e a prestimosidade do nordestino...

Num fim de tarde de uma sexta-feira, não conseguimos saborear aquele Polvo suculento, nem aquelas Agulhinhas crocantes, no Bar fechado em Bicas, um lugar em que se toma banho de nascentes que descem geladas pelas falésias.

Já de noite, Omar e esposa dobraram para Porto de Galinhas; nós continuamos em frente, pois Gaibu ficava alguns quilômetros adiante, onde por volta das 7 da noite chegamos.

O inferno sempre acaba conseguindo se meter onde os sorrisos prevalecem; parece ser uma regra compensatória, onde ganhamos e perdemos, a depender de como cada um encara a própria contabilidade de ganhos e perdas. Onde enfiávamos a cara, uma corrente atravessada na rua nos aguardava, impedindo o nosso avanço. Gaibu estava fechada, literalmente, pois às 6 da noite, uma espécie de toque de recolher é instalado - mais tarde descobri ser por conta de uma forma de coibirem os abusos de certos motoristas e seus "sons", a infernizarem a cidade inteira.

Numa cidade, pequena é bem verdade, que você não conheça, ainda mais no escuro, todos os caminhos se tornam difíceis... Quase uma hora depois, conseguimos descobrir um conjunto de becos esburacados, ladeados por canais malcheirosos, que nos fizeram enfim chegar à rua dos fundos da dita Pousada Europa Clube.

Vale a pena uma visita ao sítio oficial da região: http://www.cabo.pe.gov.br/index.asp, onde principalmente a História se faz presente, valorizando tudo o que um dia foi duramente conquistado.

Nos instalamos, tomamos um bom banho afugentando o cansaço, e descemos para um gostoso jantar a dois, onde a comida, sempre farta, dá e sobra para dois; aproveitei e reclamei que o chuveiro não esquentava...

Passeamos um pouco na pequena orla de uma Gaibu bastante calma; lá mais adiante, o grande rochedo iluminado que apontei para a esposa, que no dia seguinte escalaríamos.

Voltamos para a pousada, afinal o dia havia sido cansativo, e descobrimos que nossos travesseiros cheiravam como mulas suadas; reclamei e mais uma meia dúzia nos foi apresentado, onde os cheiros variavam do mofo a camelos cansados - preferimos dormir sem os travesseiros, o que me fez acordar no dia seguinte com um baita torcicolo.

Nenhum galo cantou, mas acordamos com o Sol se infiltrando pelas frestas despudoradas; um novo banho gelado e um café da manhã revigorante, nos deixaram preparados para uma série de visitas, todas elas lindas, pois a Natureza se fez pródiga quando misturou inúmeros elementos numa paisagem só. Subimos o paredão, e mais vistas maravilhosas se descortinaram..., coisas brutas suavizadas pela beleza do conjunto, onde rochas vêm sendo moldadas ao longo dos milhares de anos, pelas salgadas lambidas do mar.

Pegamos o carro e seguimos para Calhetas, um lugar onde chegar requer paciência e cuidado, pois a via de acesso é bastante rústica; se melhorar, estraga...

No meio do caminho, um entroncamento: para a esquerda, praia de Calhetas; para a direita, praia do Paraíso.

Resolvemos deixar o Paraíso para o domingo, afinal, tudo aquilo que é bom, deve ser conquistado de forma crescente.

Chegamos numa espécie de clareira forçada, onde deveríamos deixar o carro à sombra de um entrelaçamento de cajueiros, bambus e outras árvores ali dispostas - R$ 2,00 pelo estacionamento, uma placa nos avisava.

Enquanto descíamos uma rampa íngreme, devidamente pavimentada para o nosso conforto, passávamos por algumas construções, uma casa rústica com um pescador a tecer uma rede, uma pequena loja com recordações da região, e enfim o Bar do Artur, um jovem simpático senhor sessentão de cabelos brancos, há pelo menos 30 anos ali instalado, bem organizado e limpo, estrategicamente distribuído em patamares construídos sobre as pedras gigantes do local.

Nos instalamos sob um guarda-sol gigante e apenas ficamos olhando, para a esquerda, para a frente, e para a direita, o que é difícil de descrever em poucas linhas, tamanha formosura de esculturas rochosas naturais, rodeadas por uma areia limpa e grossa, lavadas por um mar anil, onde a brisa vem nos banhar com frescor e maresia, trazendo o som de uma arrebentação gentil, a convidar o banhista a entrar, a servir-se do champanhe espumante do ir e vir das ondas cálidas, onde tudo conspira para você ser mais feliz.

Atrás de nós, um sistema de som na altura correta, a reproduzir os talentos do nosso valente Nordeste, como o carismático Zé Ramalho, Elba Ramalho, Luiz Gonzaga e tantos outros verdadeiros artistas de bom gosto, interpretando composições de conteúdo e valor, que não é samba, não é pagode, não é batuque, mas sim o clássico a espelhar o sertão, o amor, a união, principalmente a luta do bravo homem com a terra seca...

Mais um pouco, um cardápio repleto de coisas da terra: camarão, lagosta, peixe, polvo, e mais as carnes tradicionais; a bebida envereda pelas saborosas cervejas Bohemia e Skol, geladíssimas, passando pelas quentes com seus diversos drinques, terminando nos vinhos finos e interminável lista de sucos de frutas polpudas e saborosas.

Como era cedo, escolhemos um petisco de filé de peito de frango no alho e óleo, batatas fritas crocantes, molho rosé, tudo decorado com folhas de alface, cenoura e beterraba raladas. Quando chegou, descobrimos que não conseguiríamos almoçar, tamanha a quantidade. O que era farto, era também saboroso e bem feito. Sabem quanto paguei? Apenas R$ 16,00.

Querem descobrir a qualidade de um local? É só verificarem as instalações sanitárias...

O Bar do Artur (www.bardoartur.com.br), que nos fotografa e filma, que faz questão de nos visitar à mesa, que nos presenteou cortesmente com um DVD quando fomos embora, a qualificação não é 5 Estrelas; a qualificação, com justiça, é 55 Estrelas.

Voltamos já tardinha para uma Gaibu já quase cheia; descobri onde vendiam e comprei dois travesseiros; descansamos após um banho já com chuveiro quente novo, descemos e fomos passear e bagulhar, um grande sorvete para cada um, umas visitas aos vários bazares, e por último, uma tapioca de amido de mandioca, recheada com queijo e coco. Jantar, nem pensar...

Passeamos mais um pouco pela pequena orla, onde já noite ainda havia banhista tomando banho; descobri a razão da bandeira de Portugal no mastro ali na areia - os donos do Bar são portugueses.

Já estávamos dormindo quando um Forró Pé de Serra estourou em nosso quarto; durou a noite inteira, zabumba, triângulo, sanfona e cancioneiro, pois a Pousada era também um Bar - passamos a noite cochilando e forrozando, enquanto o arrasta-pé lá embaixo pegava fogo.

Domingo de sol bonito, domingo de mais passeios. Bocejando seguimos para a praia do Paraíso, também bonita, também rústica, mas errada quanto ao nome. Paraíso que se preze, deve ser um pouco difícil de se alcançar.

Calhetas, esse é o nome do Paraíso, talvez diferente para despistar...

Comemos uma Cioba bem crocante, acompanhada de macaxeira do mesmo jeito, uma salada preparada de qualquer jeito, nada a ver com o Bar do Artur, onde os sabores se misturam à boa música...

Dali, onde avistamos a praia de Suape, seguimos para Vila de Nazaré, onde visitamos a Igreja N. Sra. de Nazaré, e ao lado as ruínas do Convento Carmelita, tudo muito antigo, cheio de Histórias. Ali está também a antiga Casa do Faroleiro, onde o Farol não mais existe, trocado por um mais novo. Numa outra trilha, as ruínas do Forte velho, baterias onde ficavam canhões, Bica do Ferrugem, Pedra do Cogumelo, e uma vista marciana sem igual.

Quase no final da tarde voltamos para a pousada, tomamos um banho e passeamos pela orla, que é pequena, que tem de tudo... Jantamos um peixe frito no molho branco, e cansados fomos dormir, apenas para acordarmos com mais barulho de uma zorra de "Rave", onde o tum-tum-tum grave, nos estremecia os corações.

Era aquela história da contabilidade, pois não podemos ser felizes o tempo inteiro; outra noite mal dormida, para no dia seguinte, segunda-feira, retornarmos ao nosso lar em Aracaju, um dia inteiro de viagem, onde paramos na cachoeira na entrada para a praia de Tamandaré.

Sobre o Paraíso e o Inferno, creio ser uma questão de opção... Compete a nós o tamanho de cada um, na medida em que valorizamos o que queremos. Se gostamos de Paraísos, é só não pararmos de sorrir; se gostamos de Infernos, é só não pararmos de reclamar...

Visitem Calhetas; ali, rejuvenesci...

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