Voltando para casa... - Santa Rosa de Lima - Florianópolis

São os riscos que tornam as aventuras, mais saborosas...

São os riscos que nos demarcam, as atitudes...

São as atitudes que demonstram, nossas valentias...

Viver a dois é tudo isso, temperado com virtudes,

com bom senso, sabedoria, zelo e amizade...


Voltando para casa... - Santa Rosa de Lima - Florianópolis
(Paulo R. Boblitz - 25/set/2013)

Nosso último dia estava para ser percorrido; seria um dia movimentado...

Santa Rosa de Lima é bem arrumadinha, tranquila e silenciosa, com uma bela passarela coberta sobre o rio Braço do Norte, e a igreja Santa Rosa de lima, bem defronte a ela, a esperar pelos fiéis...


Se o caminho de Rio Fortuna até Santa Rosa de Lima havia sido bonito, o de hoje seria muito mais, até chegarmos em Anitápolis, sempre com o rio Braço do Norte a nos rugir pela esquerda, e mais acima, cedendo vez ao rio do Povoamento, aqui acolá, todos eles domados por represas gerando energia, pequenas pontes unindo margens, vida que passa sobre vida que segue, vidas gerando trabalho e riquezas...

Quando lá estive no ano passado, pedalamos eu e Hila Rocha, pelos caminhos à esquerda do rio do Meio, quando passamos pela primeira ponte coberta da região, depois pela igreja de Santa Catarina; hoje trafegava com a esposa, pelos caminhos à direita daquela serra que separava os dois vales, o do rio do Meio, e o do rio Braço do Norte, porém, para quem está pedalando, a estradinha pelo rio do Meio, é muito mais severa, pois para chegarmos em Anitápolis, é necessário subirmos a serra, quase aos 800 metros, para depois descermos tudo de novo, chegando assim em Anitápolis, cidade simpática, rodeada de morros que a transformam como se numa pedra incrustada em tão bela jóia.


Agora largaríamos a estrada de chão e pegaríamos o asfalto, nele observando o que o vento havia feito na noite anterior, pois estava cheio de galhos e folhas, resultado daquela revolução que fez faltar energia. Em Rancho Queimado demos uma pequena entrada, mas logo fomos embora, pois nosso destino era Angelina, onde almoçaríamos e visitaríamos o Santuário de N. Sra. de Angelina, uma subida por uma passarela em ziguezague, passando pelas 15 Estações, uma subida de cerca de 90 metros, um bom exercício a fazer a digestão, pois que depois há que se descer aquilo tudo. A igreja de Angelina é muito bonita, com o Santuário às suas costas, repleto de águas que se misturam ao silêncio das reflexões.


Almoçamos no Sens Hotel e Restaurante, comida gostosa e farta, bem movimentado. Enfim, partimos para São Pedro de Alcântara, e comecei a ficar preocupado, pois a hora já ia avançada, dando-me conta só ali naquele momento, que havia esquecido que de Angelina para São Pedro de Alcântara, a estrada é de chão, um longo trecho a ser percorrido devagar. Teríamos que passar pela cidade sem fotos, ou corríamos o risco de perder o avião, pois antes de pegá-lo, ainda precisávamos entregar o carro, o dono fazer a vistoria dele, passarmos num posto de gasolina para o entregarmos com o ta
nque cheio, enfim chegarmos ao aeroporto, nos apresentarmos, despacharmos a bagagem e embarcarmos.

Depois de quase 40 anos de casados, cada um de nós já conhece o outro de cor e salteado, e quando a esposa olhou para a minha expressão, ficou mais preocupada do que eu, mas logo a tranquilizei, pois qualquer coisa, ficaríamos mais um dia em Santa Catarina; não há nada que não possa ser resolvido, afinal, logo cedo só lembrei de ligar o GPS, depois de havermos percorrido quase 12,5 quilômetros.

Passamos no mesmo lugar onde no ano passado havia sido perseguido por dois enormes cães, naquele dia em plena ladeira pesada, adrenalina a mil, que se pudesse os teria matado de tanta raiva, por terem interrompido minha subida... Diminuí a marcha, apontei mostrando à esposa donde eles tinham saído, lá de baixo, e o lugar aqui em cima onde nos encaramos, e hoje sorrindo, não lembro quem de nós três, tinha a cara mais feia e mais malvada...

Logo chegamos numa grande placa dando-nos as boas-vindas a São Pedro de Alcântara, mas cadê São Pedro, que não chegava..? Finalmente chegou, diminuí a marcha e em pouco tempo atravessamos a cidade. Agora seria asfalto e descida, até Florianópolis. Olhei o relógio; o tempo estava apertado, e de novo a preocupação se achegou, pois não era só chegar em Florianópolis; haveríamos de enfrentar o trânsito...

Resumindo, as vias são expressas, muito bem sinalizadas, e para cada lado que a seta mandava, nós seguíamos, até que chegamos a parar..., naquele gargalo em que a obra afunila, obrigando três faixas a passarem apenas por uma, nos exercitando a paciência, mas finalmente nossa vez chegou, mais um pouco atravessávamos a ponte que liga o continente à ilha, nos emburacávamos pelo lindo túnel, saindo agora em terreno conhecido, já bem próximos da Locadora e do Aeroporto. Faltavam apenas 10 minutos para a hora em que prevíramos entregar o carro, quando chegamos na Locadora, enfim, havíamos chegado..., aquele momento em que damos tudo por encerrado... Dali para a frente, era só uma questão de transporte, um compromisso com a volta para casa, a tudo novamente lidar...

Foram 2.181 quilômetros percorridos em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, de muitos encantos ensolarados, e outros encantos debaixo de frio e chuva. Encerrávamos assim, nossa comemoração de aniversário de 40 anos de casamento, dois meses e meio antecipados, uma vida inteira, como nos bons pedais pelas montanhas, quando encaramos as subidas, as descidas, as paisagens lindas, as paisagens feias, o liso asfalto, as pedreiras que vez ou outra furam nossos pneus, obrigando-nos a parar e reparar, mas que pedalamos com prazer, destemor e valentia...

* * *

Voltando para casa... - Urubici - Santa Rosa de Lima

Se você reclama, é porque está incomodado...

Se você reclama, pode ser que você seja apenas chato...

Se você reclama, talvez seja por não conhecer os fatos...

Reclamar melhora, mas talvez necessite,

melhorar o reclamar, pois que muitas vezes,

você está apenas a julgar...


Voltando para casa... - Urubici - Santa Rosa de Lima
(Paulo R. Boblitz - 24/set/2013)

Hoje seria o nosso penúltimo dia de passeio, e para ele estavam reservados dois belos recantos. A tristeza é assim mesmo, vai se achegando de mansinho até que finalmente, chegamos, onde não queríamos chegar.

Chegar é algo inevitável nessa vida, e mesmo que não façamos absolutamente nada, sempre chegamos aos fins dos dias, aos fins das noites, até que o último chegar, nos ponha um ponto final.

Assim, sempre que estiver a caminho seja lá do que for, pelo meio ou pelo finzinho, aproveite sempre o máximo...

O dia amanhecera azul e bem frio, mas aquele filme eu já havia assistido no ano anterior, nessa mesma época, e conforme fui subindo o Morro da Igreja, o azul lá de cima tinha outra realidade, por entre nuvens, mas otimismo de verdade, só deve ceder lugar quando a realidade se escancara e se instala de verdade.

Tomamos o nosso café e partimos para a estrada. Nos dois últimos dias, não havia roteiro, mas tão somente os nomes das cidades, das pousadas com telefones, pois não estaríamos por caminhos interiores. O céu continuava azul quando dobramos para subir o Morro da Igreja, e assim nos acompanhou até lá em cima, coisa que eu não estava acreditando.

Ventava muito, e junto com ele, o frio nos roubava todo o calor, mas a Pedra Furada estava lá, linda e cristalina a nos mostrar suas entranhas e detalhes. Mais abaixo, um grande rochedo, não uma pedra grande, mas uma montanha, plana como só a mão do homem costuma fazer, mas ali a Natureza foi caprichosa; talvez até desse para construir um pequeno aeroporto...

A vista alcançava até onde nossos olhos cansavam, e querem saber? Nós também temos as nossas pirâmides...

Mais acima, em terreno proibido e cercado, o grande globo do radar do CINDACTA II, tomando conta de todos os céus do sul do Brasil...

As mãos gelaram, o frio já descobrira todas as nossas frestas para entrar; era hora de partir, de visitarmos a cachoeira Véu de Noiva, que com todas aquelas chuvas, deveria estar mais cheia do que no ano passado, e estava, mas só pouca coisa... Olhamos a hora e ali resolvemos almoçar, e acolhemos as explicações, sem mágoas, afinal um dia, o Denilson havia me emprestado sua moto para que eu fosse até Urubici, tirar dinheiro, para pagá-lo e prosseguir meu pedal, pois eu simplesmente havia passado batido...

Coisas nas nossas cabeças, sempre ocupam lugares de destaque, fazendo com que esqueçamos aquilo que não podemos; ainda voltarei lá um dia, para dormirmos eu e a esposa, no mesmo chalé em que dormi, quando lá estive pela primeira vez, pedalando sozinho.

Enquanto o almoço era preparado, fomos visitar a cachoeira, que escorria cheia de espumas. Encontramos Piá, que podava as hortênsias para mais tarde virem bonitas. Ele lembrou-se de mim.

Uma garoa leve nos apressou o passo, e retornamos para o restaurante, que estava maior, mais bonito, mas ainda não concluído. É assim mesmo quando nos dedicamos de coração ao que fazemos: as coisas crescem e evoluem.

Escolhemos nossa mesa e mais um pouquinho chegava a nossa comida, dois filés enormes de truta, arroz, batatas fritas crocantes, macaxeira, algumas saladas, e almoçamos olhando os Jacus pulando de um galho para o outro. Deixamos o casal e partimos para nossa próxima visão, o Passo da Serra do Corvo Branco, onde o vento, encanado, parecia querer assobiar. Não há quem não se encante com tanta grandiosidade, tanto de um lado quanto de outro, porque as vistas são deslumbrantes.

Estávamos indo em direção a Santa Rosa de Lima, ou seja, havíamos saído dos 1.800 metros sobre o nível do mar, lá na Pedra Furada, descido até os 940 metros, quando o rio Canoas começou a correr junto de nós, subiríamos até aos 1.150 metros onde situa-se o Passo, e depois literalmente despencaríamos chegando nos 108 metros de Grão Pará.

Próximos de subirmos a serra do Corvo Branco, a esposa me fez parar o carro e apontou uma linda árvore da vida, que nascia e vicejava ao longo de toda a encosta da montanha, talvez a guardar em suas profundas raízes, tesouros fantásticos das mil e uma noites. Ali perto, no vale do rio Canoas, junto da Pedra Cabeça de Águia, a entrada de uma Catedral, quem sabe a também abrir passagem, se alguém souber das palavras mágicas.

Iniciamos nossa passagem, como se de um mundo para outro, e logo ali à nossa espreita, um simples soluço da montanha, que produziu várias toneladas de material, e que ainda produzirá por vários anos, a cada soluço novo, outras tantas toneladas de História geológica. Pela cor, aquele soluço tinha sido recente...

Atravessamos o passo e um mundo imenso nos apareceu, à esquerda o grande totem sentinela a cuidar, a estreita estrada a serpentear, a penetrar nas intimidades das encostas; verifique seus freios... Um caminhão que subia, desapareceu atrás de um paredão, e resolvemos aguardá-lo, mas ele não aparecia novamente, então achamos que ele tivesse parado. Não havia parado coisa nenhuma; estava ocupado nas tantas voltas que volteiam, que circundam, que acompanham as tantas pregas daquela saia imensa plissada, que um dia subiu aos céus com vigor e destemor, num ensurdecedor barulho de magma quente a explodir. Hoje, calma, dilui-se ao sabor dos ventos, das águas e do sol a lhe aquecerem, criando agulhas, abismos, conversas poucas e que só eles, os elementos, entendem...

Lá embaixo, estão mexendo na estrada, aterros de um lado, lama de outro, máquinas em movimento, desvios e tudo aquilo próprio de quem modifica alguma coisa. Em Aiurê, senti saudades do caminho que havia tomado quando de bicicleta, aquele logo antes da ponte, que me levou até Santa Rosa de Lima, por dentro, mas seguíamos para Grão Pará, e o rio Pequeno começou a nos acompanhar, a conversar conosco por um bom tempo, até que em Braço do Norte, ele passa a fazer parte com outras conversas, com o rio Braço do Norte, seguindo assim até chegar em Laguna, lá mesmo onde fui obrigado a pedalar naquela peste de ponte, botando os bofes para fora... Não existe sufoco, que mais tarde não se transforme em sorrisos, em história principalmente, e isso me lembrou que pouco antes de chegarmos em Aiurê, uma placa interessante nos chamou a atenção, tanto, que parei e fui obrigado a dar ré, apenas para fotografá-la.

Dizem que as imagens revelam muitas palavras, e palavras compõem histórias, e pus-me a matutar do porquê alguém havia colocado uma placa daquele jeito? Porque havia encomendado errado... Fosse o erro do construtor, este teria sido remediado, mas quando se trata do nosso próprio bolso, bem..., o acerto bem pode esperar...

Até Grão Pará, a estrada é de chão; depois, é a maciez em ziguezague gostoso de hora acompanhar um rio, hora acompanhar as tantas montanhas, pois andamos pelos vales. Lindo é o caminho, de Rio Fortuna até Santa Rosa de Lima, onde chegamos cedo na Pousada Doce Encanto, onde já havia dormido no ano passado. Seu Valnério Assing tocava a obra onde estão ampliando a pousada, e Dona Leda estava em Balneário Camboriú, dando aula em Encontro do Acolhida na Colônia, e novamente reforço meu comentário anterior: em tudo aquilo que depositamos nossos corações, colhemos bons frutos da chamada perseverança, do empenho de se construir o bem, que resulta felicidade para todos que participam, direta ou indiretamente...

Aí, mais um bom endereço a se considerar: Pousada Doce Encanto
Fones (48) 9909-4138 / ((48) 9637-7842 / (48) 3654-0042 (Santa Rosa de Lima - SC)

Estávamos instalados à frente da lareira, gostosa tora a arder e distribuir calor, quando a energia se foi. Ventava muito, e lembrei que nessa mesma época, chegar em Rancho Queimado, havia sido um inferno por conta da ventania; aquele foi o meu dia mais difícil, quando tive de vencer todas as subidas, contra o vento. O vento de hoje, parecia ter derrubado alguma árvore, ou simplesmente algum galho grosso sobre a rede, desligando-a. Estavam preparando o jantar, hora bem aguardada, porque a fome estava inquieta... Apareceram velas, uma lanterna, quando resolvi, tateando, subir até nosso quarto e pegar minha lanterna. Não estava de bicicleta, mas sempre a carrego comigo, com seus LEDs potentes, afinal eu era o principal interessado naquela construção, referindo-me aqui ao jantar, que já cheirava alimentando, um caldo grosso de couve com calabresas. Jantar pronto, a mesa foi posta com café forte amargo, leite quente, sucos, fatias de uma rosca enorme, de polvilho, deliciosa, geléias, pães caseiros, nata, manteiga, sucos, cucas, que se a gente for na onda, se estivermos pedalando, adicionaremos algum peso extra nos pedais no dia seguinte...

Jantamos como se numa família, nós, os donos da pousada, os filhos deles, outros hóspedes, numa mesa comprida e rústica, lavrada, onde as conversas se misturavam, minha lanterna de um lado, a lanterna deles do outro, a lareira atrás a crepitar com carinho, um jantar diferente em que a energia, faltando, nos propiciou.

Terminamos o jantar, a conversa continuou... Sem luz, não temos televisão, não temos internet, não temos videogames. Isso mesmo, o que temos é a aproximação das pessoas, o valor das conversas, dos sorrisos, melhor ainda se em volta de um foguinho. A energia dispersa, nos faz pensar em produtividade, nos transforma em individualistas... Até mesmo se você não tiver assunto, as chamas tremeluzentes em danças ventrais, produzirão conversas internas muito mais produtivas...

Chegou o tempo do sono, e a luz, inteligente chegou. O momento mágico, ela já havia produzido, retirando-se como a nos observar como humanos. Agora chegava a hora prática, quando dela necessitamos para nos arrumarmos, guardarmos nossas coisas, nos movimentarmos, nos organizarmos, ironicamente, quando a desligamos para poder dormir...

Lá fora a vida se desenrolava nua, vida desprotegida, sangue quente em tocas, seivas a balançar, enquanto cá dentro, protegidos e aquecidos, apenas sonhávamos... Céu e Inferno, pus-me a pensar, e peguei no sono...

* * *

Voltando para casa... - descendo a serra da Rocinha; subindo a serra do Rio do Rastro

Esteja sempre pronto para os imprevistos,

e tire-os de letra,

porque eles nada têm contra você...

Faz parte! Assim como o doce, o sal e o picante,

eles também são temperos...


Voltando para casa... - descendo a serra da Rocinha; subindo a serra do Rio do Rastro
(Paulo R. Boblitz - 23/set/2013)

Nós até já havíamos esquecido de como era o Sol, vaga lembrança de uma bola laranja que esquentava bastante quando o céu estava no azul... Nosso mundo há dias que era cinza, essa mesmice de uma cor apenas, às vezes cinza claro, outras vezes cinza escuro, e outras mais ou menos...

Para não fugir à regra, o dia estava cinzento e frio novamente, bem frio por sinal.

Tomamos o nosso café da manhã, nos despedimos de Dona Geovana, do Seu Jair e da Vick, uma cadela simpática que acercou-se quando de nossa chegada, e agora vinha despedir-se, como inteligente a conhecer quando chegamos, e quando vamos embora...

Para quem quiser anotar um bom endereço: www.valedastrutas.com.br, fone (54) 3504-5693 - procurem por Dona Geovana.

Ligamos o motor, tratei do aquecedor, zerei o hodômetro e fomos em frente, com minha Copiloto atenta nas marcas, e o que fazer quando chegássemos nelas. Primeiro começamos a subir, lá de cima vendo os chalés simpáticos em que ficamos, como se casinhas de brinquedo. Nivelamos na estrada e reparamos que em paralelo, outra BR em construção. Quando começássemos a descer, já estaríamos em Santa Catarina.

Foi uma descida longa, pelos buracos, pelas pedras, pela neblina que nos permitia poucos metros de visibilidade à frente. Rio Grande do Sul e Santa Catarina haviam se juntado em conspiração, para nos fazer voltar em outra época, pois segredos são apenas revelados, poucos de cada vez.

Não reclamamos... Em nenhum momento de nossa viagem, reclamamos por não termos conseguido, pelo contrário, agradecemos sempre por tudo aquilo que vimos, afinal, nuvens também têm suas belezas..! Rodávamos devagar, pelas tantas pedras que tentavam nascer do solo, e de repente, do nosso lado, parecia que alguém havia destampado alguma panela de bom feijão, ou de bom arroz, ou de macarrão, como queiram, quando aquele vapor quente sobe pulando em liberdade... Era tudo aquilo que sabíamos estar subindo lá das entranhas dos cânions, por certo carregados de todos os temperos e aromas da terra, dos verdes, das águas que misturam tudo num cozimento a frio... Aqui um aviso: não tentem fazer isso em casa; apenas Deus consegue...

E minha esposa, de repente virou criança...

- Pára o carro..! - disse-me ela...

Parei, puxei o freio de mão, liguei o pisca-alerta (já estava com os faróis acesos), ela desceu e me disse:

- Parece quando eu ia para a escola, de manhã bem cedo brincando de fumar... - e embrenhou-se no nevoeiro, soprando seu cigarro imaginário, sopro quente a formar pequeníssimas trilhas de condensação no ar frio que a envolvia...

E fiquei feliz, e a fotografei, feliz também que estava, como toda alegria deve ser, do coração para fora...

- Mulher..!, vamos embora..! - gritei-lhe, chamando-a à razão...

Querem saber? Levamos cerca de duas horas para descer aqueles cerca de mil metros; nossa primeira cidade era Timbé do Sul, onde começavam os arrozais, depois viria Turvo, em seguida Forquilhinha, onde almoçamos num restaurante português, comida gostosa mesmo quando não estamos assim com tanta fome. Vou ficar devendo o nome, mas procurem por algum português, em frente ao Pavilhão de Eventos. Estávamos no tempo certo, meio dia e dez... Quarenta minutos depois, isso mesmo, levantávamos acampamento e partíamos, não porque não tivéssemos gostado, mas porque a subida da serra era mais importante...

Esqueci de ligar o GPS, coisa pouca, só 3,3 quilômetros, sinal da euforia da boa comida, mas ligando-o em boa hora, afinal o passeio deve ser mais bonito que o traçado... Pouco tempo depois, chegávamos em Nova Veneza, onde paramos para uma fotografia em seu pórtico, quando pegamos estrada de chão, nos perdemos pouquinha coisa numa pequena rua sem saída, passamos ao largo de Siderópolis e começamos a nos confundir a partir de Treviso, pois estão construindo uma rodovia, e por ela nos embrenhamos, hora na nova, hora na velha, cheia de buracos, lama preta de carvão, das muitas carboníferas, mas nada que quem tivesse boca, não chegasse ao rumo certo, até que uma grande Caçamba, gentil, nos mandou acompanhá-la até Lauro Müller, onde nos encontramos novamente com o roteiro, na travessia do rio Tubarão.

Aqui abro uns parênteses: o programa Google Earth baseia-se em fotografias de satélites; quando foram batidas, não existia o presente que hoje nos apresentava modificações. Assim, quando criar seu próprio roteiro, não se desespere se alguma marca não bater; pratique o seu verbo e guarde tudo na sua estante das tantas histórias que os imprevistos vão construindo, pois serão elas as razões do bem valer dos caminhos que você percorreu...

Rio Tubarão identificado, buzinamos agradecendo à grande caçamba, que nos devolveu aquele buzinaço de trem a vapor, seguindo seu próprio destino. Zeramos nosso hodômetro, como o roteiro mandava, atravessamos a ponte e seguimos para Guatá, agora sem possibilidades de erros pelo caminho, pois era subir e subir, já encarando o fumo grosso de nuvens que encontraríamos pela frente...

- Mulher..! Fecha o roteiro e curta a paisagem, curta a subida... - falei para esposa...

Mostrei a ela onde havia pernoitado em Guatá e continuamos a subir, novamente por entre nuvens... Era perseguição..., mas, nos estava reservado a aparição de um Quati, bandido mascarado louco por biscoitos... Parei no refúgio, espécie de pequeno acostamento, cerca de 50 metros do ponto onde ele estava, e o comecei a chamá-lo como chamamos cavalos e burros, sons de beijos para dentro, e o sem vergonha veio sem cerimônia..., sinal de que comida tem um som só...

Um Quati de longe é engraçadinho, mas olhando-o de perto, notando o tamanho de seus caninos, finos e pontiagudos, há que se respeitá-los... Nossa sorte é que eles já se tornaram malandros, arredios por natureza, mansos pela comida que sabem receberão, prova de que não existe ninguém bobo, seja gente, bicho ou natureza...

Pegava o biscoito e ia embora comer sossegado. Beijávamos ao contrário novamente, e ele vinha, pois o som era o de comida, fosse qual ela fosse...

- Mulher.!? Vamos embora, se não a gente vai matar esse pobre coitado...

É isso mesmo: bicho come comida de bicho, e quando lhes damos nossas comidas, podemos matá-los de muitas formas...

Deixamos o malandro e seguimos em frente, cada vez mais para cima, cada vez mais para dentro do nevoeiro que prometia nos tirar a boa visão do que se vinha à frente, fantasmas que se nos apareciam de repente... Assim chegamos num caminhão baú, que lento subia fazendo força, que parando teve que ceder a vez ao seu similar que descia, isso tudo numa curva de 180 Graus, e que necessitou descer um pouco para que o outro manobrasse... Atrás de nós, um velho Gol com deficiência no funcionamento em baixa, daqueles que ficam acelerando para não estancar, colado à nossa ré como a querer nos empurrar... O caminhão à frente descendo um pouco, o nevoeiro a complicar as vistas, o fulerage a querer subir, e nós no meio...

Engatei a ré, as luzes acenderam, e me aproximei da velha carniça, deixando claro que estava descendo. Entre o caminhão bater em mim, e eu bater na velha carcaça, escolhi bater no menos doloroso, e o que a conduzia entendeu, e começou a descer, abrindo-me espaço. Ficamos nisso até que os dois caminhões, roçando-se nos dois baús, negociassem o exíguo espaço, e assim que pudemos, abrimos e demos passagem ao aflito que vinha brigando com seu carburador que não mais funcionava na baixa marcha...

Que ele fosse com Deus, afinal, havia alguma razão suficiente para que ele estivesse por ali... Nós, estávamos apenas passeando...

Chegamos finalmente no topo da serra, onde a placa nos dá as Boas-Vindas, mas a cerração mais apertou. Seguimos assim, até que ela, como se num passe de mágica, sumisse. Passáramos de um cenário para o outro, assim, sem mais nem menos, antes, nada se podendo ver a trinta metros adiante, agora tudo limpo com um sol radiante, coisas que só a Natureza nos apresenta, coisas que só a gente presente, para ver e acreditar...

Chegando em Bom Jardim da Serra, mostrei à esposa, a personalidade marcante da igreja matriz da cidade, e de lá seguimos até Urubici, precisamente para a Pousada Véu de Noiva, a meio caminho da subida do Morro da Igreja, e qual não foi a nossa surpresa quando a encontramos com a porteira sob cadeado..? Na coluna, um grande aviso: "Horário de Atendimento, de TERÇA a DOMINGO.

Nada contra nenhum horário, nada contra nenhuma política, mas, e se eu estivesse de bicicleta? Teria subido aquilo tudo, para nada? Eu havia feito reserva, e tinha que ser avisado, para isso mesmo, não quebrar a cara na porteira... Ou que me avisassem que não tinham reparado que minha reserva havia caído num dia em que eles não operam, afinal, para que serve um telefone?

Demos meia volta e nos dirigimos para Dona Célia, que estava na igreja ministrando um curso para jovens em preparação para a Crisma. Sua filha Ana Célia nos atendeu, instalando-nos no mesmo apartamento em que tínhamos ficado, quando de nossa ida para Gramado, mais um bom endereço para se anotado:

Pousada da Célia - (49) 3278-4323 - Urubici, SC

Fica o aviso: se estiverem programando suas passagens pela Véu de Noiva, verifiquem se esse dia cairá numa segunda-feira.

Agora tínhamos internet, televisão, muitas tomadas, chuveiro fortíssimo e delicioso, colchão cama-box, tudo novinho, e a felicidade da surpresa de Dona Célia em nos encontrar ali novamente, nos ensinando um bom lugar para jantarmos alguma coisa, e nos dizendo que a televisão havia informado que no dia seguinte poderia nevar. A caminho do jantar, o termômetro anunciava 6 Graus... Procurávamos o Zeca's Bar, bem na avenida principal, que funciona de segunda a segunda, onde comemos uma pizza especial, de tão gostosa que estava.

Amanhã subiremos o Morro da Igreja, tentar ver a Pedra Furada, mas isso é uma outra história...

* * *

Voltando para casa... (décimo primeiro dia)

Trapalhadas às vezes aborrecem,

mas se estamos leves de coração,

elas se transformam em boas risadas,

são bem-vindas e nos enriquecem,

de mais risos depois,

quando contamos para os filhos...


Voltando para casa... (décimo primeiro dia) - Tentando conhecer o Cânion do Monte Negro
(Paulo R. Boblitz - 22/set/2013)

Estávamos alojados num chalezinho, bem defronte de um grande lago cheio de trutas. Mais à frente, dois rios encontravam-se bem na esquina da propriedade Vale das Trutas, enfim, era água por todos os lados.

Acendemos a lareira e começou a ficar gostoso, mas o frio é especialista em roubar calor, e as paredes de madeira do pequeno chalé, não seguraram nada. A lenha era branca e muito seca, favorecendo sua combustão rápida. A lareira, de tijolos, também estaria a roubar nossa energia, enfim, foi uma noite fria, bem fria...

Levantamos cedo, e quando de nosso café da manhã, conversamos com Dona Geovana; prometeu-nos que quando voltássemos, dormiríamos no chalé da roda d'água, porque lá a lareira era de lata, irradiando a quentura mais facilmente...

Partimos, novamente debaixo de chuva, acanhados e jururus, pois de antemão já desconfiávamos que não veríamos muita coisa; as nuvens estavam baixas...

Pelo menos almoçaríamos gostoso, pois naquele dia só haveria aquilo para ser conhecido. No trevo para São José dos Ausentes, dobramos à direita; a estrada estava melhor do que aquela que acabáramos de passar. Íamos devagar, curtindo as vistas, que vão longe naquele grande planalto, e logo chegamos em Silveira, onde o rio desabava por entre as corredeiras com alegria, chiando, cantando, espumando, cada gota a correr e a empurrar, unindo-se todas para passarem por sob a ponte.


Não estava um dia bom para fotografias, e aqui, permitam-me um comentário: quando estamos de bicicleta, parar é um prazer, mas quando estamos de carro, freamos, puxamos o freio de mão, desafivelamos o cinto de segurança, abrimos a porta, pisamos na lama para sairmos, fechamos a porta, que é para a esposa não morrer de frio, batemos uma foto, no máximo três, e tudo aquilo que fizemos antes das fotos, temos que fazer novamente depois das fotos, além do carro ficar imundo onde pisamos no tapete.

Quando de bicicleta, paramos dez vezes no mesmo quilômetro. De carro, se pararmos duas vezes, é enfadonho...

Pertinho de Silveira, logo depois, um entroncamento em V, que leva você a vários destinos, como São Joaquim, Bom Jardim da Serra, e diversas fazendas e pousadas; basta seguir a direção das setas. Seguimos pela direita, na direção que nosso roteiro mandava, e a seta da placa corroborava... Até ali, tínhamos rodado cerca de dois terços até chegarmos no Cânion. Enquanto o carro seguia devagar, olhava aquele mundo que deveria ser muito lindo num dia claro cheio de sol. Chegamos em mais um entroncamento em V; para a esquerda, Bom Jardim da Serra, para a direita, o que estávamos buscando: almoço e cânion.


Paramos na primeira pousada; naquele dia estavam fechados. Seguimos em frente e encontramos a Pousada Aparados da Serra, e contentes descobrimos que ainda estavam preparando o almoço. Resolvemos visitar o cânion e nos aconselharam a passar pelos córregos com cuidado, porque o carro era baixo e havia muitas pedras. Passamos sem dificuldades, abrindo e fechando porteiras e chegamos donde não poderíamos mais seguir, senão a pé. Vestimos as capas de chuva descartáveis, milagrosamente sem nenhum rasgo até ali, e fomos em direção ao cânion, cerca de 600 metros sobre um caminho encharcado, pois que para desviarmos das grandes poças, tivemos que andar pelo pasto, que mais se parecia a uma esponja, e não houve perdão, nuvens e mais nuvens que subiam daquele imenso caldeirão...

Estávamos voando por entre as nuvens, em terra firme...

Ventava e o frio começou a apertar, e junto com ele, a chuva foi se achegando devagar. Não havia o que fazer, a não ser agora aproveitar o bom almoço, e para lá seguimos, onde Dona Beth e o Seu Mário, junto com seu casal de filhos adolescentes, nos receberam muito bem e com carinho. Lá dentro ardia a grande lareira, ao centro um grande fogão de chapa grossa, que também irradiaria bom calor, troço gostoso nessa friarada toda.

Aos poucos a comida foi sendo servida, muito farta e variada, muitos legumes, muitas verduras, o tradicional arroz, o feijão vermelho que não conhecíamos, bolinho de arroz, nhoque de abóbora, truta frita e sequinha, farofa de pinhão, deliciosa, e aquilo que me deixou feliz, batata doce roxa, que eu jurava que seria beterraba. A mesa das sobremesas também estava supimpa: gila cristalizada (uma espécie de abóbora branca), paçoca de amendoim, doce de leite e suspiro, tudo ali caseiro, quase tudo ali plantado, tudo ali criado. Além da boa e farta comida, eles também oferecem trilhas para cachoeiras e cavalgadas. Anotem: Pousada Fazenda Aparados da Serra - (54) 9614-0952; e-mail: pousadaaparadosdaserra@yahoo.com.br; facebook: Pousada Fazenda Aparados da Serra.


Era hora de voltar, não sem antes provar daquela cachaça em meio a tantos guabijus, um fruto nativo do Rio Grande do Sul. Desceu magnífica, agradecemos e fomos embora; havia ainda muita lama até o Vale das Trutas, onde experimentaríamos uma nova lareira, de chapa de aço... Chegamos no meio da tarde e já parecia noitinha. As brumas já se acercavam começando a esconder as coisas, ainda mais aliada com fina garoa. Fomos até o antigo chalé para pegarmos nossas coisas, e nos mudamos para o novo, chalé simpático com roda d'água, e aquele gostoso barulho de águas do rio quase ao lado, conversando com as muitas pedras. Hoje dormiríamos embalados, por tão suave canção de ninar, que só a Natureza sabe fazer...

Mudança completa, fechamos a porta e acendemos o fogo, antes que o nevoeiro adentrasse pela porta. Não é difícil fazer fogo... Uma garrafinha de óleo diesel, jornal velho, gravetos finos, gravetos maiores, por fim as toras serradas, tudo certinho e alojado numa dessas caixas de plástico, utilizadas no transporte de verduras; tínhamos duas à nossa disposição. O fogo começou bonito, primeiro pequeno, depois aumentado pela força da madeira maior; vez ou outra soltava um estalo, aumentando o romantismo do acampamento.

A primeira coisa que fizemos, foi chegar nossos tênis para perto do calor, pois estavam encharcados. Cuidei do fogo, depois fui cuidar das minhas tomadas elétricas, aqui e ali saboreando o que vínhamos comprando ao logo do caminho, bebericando um vinho seco, que era para aumentar a quentura.

O fogo exerce desde há milhares de anos, intensa emoção em todos nós, chamas que dançam, que sobem em cores sutis, esfumaçam nos intrigando a alma. As chamas dançavam à nossa frente, ao mesmo tempo em que nos lançavam seu doce calor, doce momento em que o silêncio se faz sentir, apenas contemplações, voláteis ares que subiam mundo afora...


Não havia sinal de internet, o sono já se achegava, coloquei bastante lenha na lareira, para que durasse o máximo possível, fui para o meu lado da cama, puxei o cobertor e acabei adormecendo. A Esposa estava arrumando alguma coisa e veio depois, mas para me acordar, pois a cabana estava cheia de fumaça, mas muita fumaça mesmo, e nosso precioso fogo foi apagado, a copos d'água... A explicação que recebemos, de quem entende de lareiras, é que o vento lá fora, de alguma forma conseguiu interromper o fluxo que saía. Lembrei dos lagos que são formados em todos os rios que desaguam no Solimões, que por ter uma correnteza considerável, atua como barreira, represando assim todas aquelas águas que tentam nele entrar.


Abrimos a porta e abanamos a fumaceira toda, e o frio novamente se instalou, mas nada que um aconchego maior, e mais cobertores, não dessem conta do recado, e pensando bem, se nada tivesse acontecido, não teríamos histórias para contar...

Manhã logo cedo, depois do banho quando fui calçar meus tênis, um deles estava com o bico descolado, logo ele que me acompanha desde o Caminho da Fé, já pedalou pelo Costa Verde & Mar, pela Estrada Real, depois pela Acolhida na Colônia e mais alguns dias de quebra pelas serras de Santa Catarina... A esposa quando foi calçar os dela, notou a mesma coisa, mas os tênis dela estavam sendo inaugurados naquela viagem..!

Deve ter sido calor demais...

Bicos descolados ou não, estávamos prontos para descer a serra da Rocinha, que tem esse nome pelo fato de que tinha muitas pequenas roças pelo caminho; entraríamos em Santa Catarina novamente, mas essa história fica para amanhã...

* * *