mas se estamos leves de coração,
elas se transformam em boas risadas,
são bem-vindas e nos enriquecem,
de mais risos depois,
quando contamos para os filhos...
Voltando para casa... (décimo primeiro dia) - Tentando conhecer o Cânion do Monte Negro
(Paulo R. Boblitz - 22/set/2013)
Estávamos alojados num chalezinho, bem defronte de um grande lago cheio de trutas. Mais à frente, dois rios encontravam-se bem na esquina da propriedade Vale das Trutas, enfim, era água por todos os lados.
Acendemos a lareira e começou a ficar gostoso, mas o frio é especialista em roubar calor, e as paredes de madeira do pequeno chalé, não seguraram nada. A lenha era branca e muito seca, favorecendo sua combustão rápida. A lareira, de tijolos, também estaria a roubar nossa energia, enfim, foi uma noite fria, bem fria...
Levantamos cedo, e quando de nosso café da manhã, conversamos com Dona Geovana; prometeu-nos que quando voltássemos, dormiríamos no chalé da roda d'água, porque lá a lareira era de lata, irradiando a quentura mais facilmente...
Partimos, novamente debaixo de chuva, acanhados e jururus, pois de antemão já desconfiávamos que não veríamos muita coisa; as nuvens estavam baixas...
Pelo menos almoçaríamos gostoso, pois naquele dia só haveria aquilo para ser conhecido. No trevo para São José dos Ausentes, dobramos à direita; a estrada estava melhor do que aquela que acabáramos de passar. Íamos devagar, curtindo as vistas, que vão longe naquele grande planalto, e logo chegamos em Silveira, onde o rio desabava por entre as corredeiras com alegria, chiando, cantando, espumando, cada gota a correr e a empurrar, unindo-se todas para passarem por sob a ponte.
Não estava um dia bom para fotografias, e aqui, permitam-me um comentário: quando estamos de bicicleta, parar é um prazer, mas quando estamos de carro, freamos, puxamos o freio de mão, desafivelamos o cinto de segurança, abrimos a porta, pisamos na lama para sairmos, fechamos a porta, que é para a esposa não morrer de frio, batemos uma foto, no máximo três, e tudo aquilo que fizemos antes das fotos, temos que fazer novamente depois das fotos, além do carro ficar imundo onde pisamos no tapete.
Quando de bicicleta, paramos dez vezes no mesmo quilômetro. De carro, se pararmos duas vezes, é enfadonho...
Pertinho de Silveira, logo depois, um entroncamento em V, que leva você a vários destinos, como São Joaquim, Bom Jardim da Serra, e diversas fazendas e pousadas; basta seguir a direção das setas. Seguimos pela direita, na direção que nosso roteiro mandava, e a seta da placa corroborava... Até ali, tínhamos rodado cerca de dois terços até chegarmos no Cânion. Enquanto o carro seguia devagar, olhava aquele mundo que deveria ser muito lindo num dia claro cheio de sol. Chegamos em mais um entroncamento em V; para a esquerda, Bom Jardim da Serra, para a direita, o que estávamos buscando: almoço e cânion.
Paramos na primeira pousada; naquele dia estavam fechados. Seguimos em frente e encontramos a Pousada Aparados da Serra, e contentes descobrimos que ainda estavam preparando o almoço. Resolvemos visitar o cânion e nos aconselharam a passar pelos córregos com cuidado, porque o carro era baixo e havia muitas pedras. Passamos sem dificuldades, abrindo e fechando porteiras e chegamos donde não poderíamos mais seguir, senão a pé. Vestimos as capas de chuva descartáveis, milagrosamente sem nenhum rasgo até ali, e fomos em direção ao cânion, cerca de 600 metros sobre um caminho encharcado, pois que para desviarmos das grandes poças, tivemos que andar pelo pasto, que mais se parecia a uma esponja, e não houve perdão, nuvens e mais nuvens que subiam daquele imenso caldeirão...
Estávamos voando por entre as nuvens, em terra firme...
Ventava e o frio começou a apertar, e junto com ele, a chuva foi se achegando devagar. Não havia o que fazer, a não ser agora aproveitar o bom almoço, e para lá seguimos, onde Dona Beth e o Seu Mário, junto com seu casal de filhos adolescentes, nos receberam muito bem e com carinho. Lá dentro ardia a grande lareira, ao centro um grande fogão de chapa grossa, que também irradiaria bom calor, troço gostoso nessa friarada toda.
Aos poucos a comida foi sendo servida, muito farta e variada, muitos legumes, muitas verduras, o tradicional arroz, o feijão vermelho que não conhecíamos, bolinho de arroz, nhoque de abóbora, truta frita e sequinha, farofa de pinhão, deliciosa, e aquilo que me deixou feliz, batata doce roxa, que eu jurava que seria beterraba. A mesa das sobremesas também estava supimpa: gila cristalizada (uma espécie de abóbora branca), paçoca de amendoim, doce de leite e suspiro, tudo ali caseiro, quase tudo ali plantado, tudo ali criado. Além da boa e farta comida, eles também oferecem trilhas para cachoeiras e cavalgadas. Anotem: Pousada Fazenda Aparados da Serra - (54) 9614-0952; e-mail: pousadaaparadosdaserra@yahoo.com.br; facebook: Pousada Fazenda Aparados da Serra.
Era hora de voltar, não sem antes provar daquela cachaça em meio a tantos guabijus, um fruto nativo do Rio Grande do Sul. Desceu magnífica, agradecemos e fomos embora; havia ainda muita lama até o Vale das Trutas, onde experimentaríamos uma nova lareira, de chapa de aço... Chegamos no meio da tarde e já parecia noitinha. As brumas já se acercavam começando a esconder as coisas, ainda mais aliada com fina garoa. Fomos até o antigo chalé para pegarmos nossas coisas, e nos mudamos para o novo, chalé simpático com roda d'água, e aquele gostoso barulho de águas do rio quase ao lado, conversando com as muitas pedras. Hoje dormiríamos embalados, por tão suave canção de ninar, que só a Natureza sabe fazer...
Mudança completa, fechamos a porta e acendemos o fogo, antes que o nevoeiro adentrasse pela porta. Não é difícil fazer fogo... Uma garrafinha de óleo diesel, jornal velho, gravetos finos, gravetos maiores, por fim as toras serradas, tudo certinho e alojado numa dessas caixas de plástico, utilizadas no transporte de verduras; tínhamos duas à nossa disposição. O fogo começou bonito, primeiro pequeno, depois aumentado pela força da madeira maior; vez ou outra soltava um estalo, aumentando o romantismo do acampamento.
A primeira coisa que fizemos, foi chegar nossos tênis para perto do calor, pois estavam encharcados. Cuidei do fogo, depois fui cuidar das minhas tomadas elétricas, aqui e ali saboreando o que vínhamos comprando ao logo do caminho, bebericando um vinho seco, que era para aumentar a quentura.
O fogo exerce desde há milhares de anos, intensa emoção em todos nós, chamas que dançam, que sobem em cores sutis, esfumaçam nos intrigando a alma. As chamas dançavam à nossa frente, ao mesmo tempo em que nos lançavam seu doce calor, doce momento em que o silêncio se faz sentir, apenas contemplações, voláteis ares que subiam mundo afora...
Não havia sinal de internet, o sono já se achegava, coloquei bastante lenha na lareira, para que durasse o máximo possível, fui para o meu lado da cama, puxei o cobertor e acabei adormecendo. A Esposa estava arrumando alguma coisa e veio depois, mas para me acordar, pois a cabana estava cheia de fumaça, mas muita fumaça mesmo, e nosso precioso fogo foi apagado, a copos d'água... A explicação que recebemos, de quem entende de lareiras, é que o vento lá fora, de alguma forma conseguiu interromper o fluxo que saía. Lembrei dos lagos que são formados em todos os rios que desaguam no Solimões, que por ter uma correnteza considerável, atua como barreira, represando assim todas aquelas águas que tentam nele entrar.
Abrimos a porta e abanamos a fumaceira toda, e o frio novamente se instalou, mas nada que um aconchego maior, e mais cobertores, não dessem conta do recado, e pensando bem, se nada tivesse acontecido, não teríamos histórias para contar...
Manhã logo cedo, depois do banho quando fui calçar meus tênis, um deles estava com o bico descolado, logo ele que me acompanha desde o Caminho da Fé, já pedalou pelo Costa Verde & Mar, pela Estrada Real, depois pela Acolhida na Colônia e mais alguns dias de quebra pelas serras de Santa Catarina... A esposa quando foi calçar os dela, notou a mesma coisa, mas os tênis dela estavam sendo inaugurados naquela viagem..!
Deve ter sido calor demais...
Bicos descolados ou não, estávamos prontos para descer a serra da Rocinha, que tem esse nome pelo fato de que tinha muitas pequenas roças pelo caminho; entraríamos em Santa Catarina novamente, mas essa história fica para amanhã...
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