Ciclista não é herói...

Se você quer discorrer sobre alguma coisa,

trancar-se, é o melhor a fazer...

Jamais, jamais!,

deixe sua bicicleta, dar opiniões...


Ciclista não é herói...

(Paulo R. Boblitz - mai/2014)

Vez em quando observo vídeos que mostram quedas espetaculares...

Umas poucas vezes, fotos com roupas rasgadas, sangue à mostra, arranhões dignos de quem foi puxado por um cavalo...

Outras vezes, aquelas caras de sofrimento...

Não raro também, são as comparações entre o Ciclismo e algum outro esporte...

E uma porção de vezes, muita lama para que eu me faça uma pergunta: isso é pedalar?

Bicicletas são bacanas, mas há quem goste de cavalos, de correr atrás de bolas, correr pelas ruas socando o chão...

Está certo que a lama, a chuva, o sol, o vento e mais algumas estripulias, fazem parte do ciclismo, porque não temos portas, nem janelas, nem para-brisa, pior ainda uma capota...

Sites que se dizem especializados em bicicletas, quando ficam a dar ênfase nesses pontos radicais, conseguem mesmo é espantar muitos adeptos.

Eu caí, tu caíste, ele caiu, todos nós caímos, grande coisa! Não estamos sobre duas rodas?

Para isso é que existem os acessórios de segurança, como em qualquer outro esporte..!

Levantamos, sacudimos a poeira e continuamos sem perder nem um pouquinho do sorriso..., por isso mesmo, porque a bicicleta é, acima de tudo, fonte de juventude...

Coisas caem do meu lado; suspeito que foi Sofia quem derrubou...

Quando alegre, fica meio atrapalhada; lanço-lhe um sorriso e continuo...

Voltamos a ser crianças, limpamos o organismo, vitaminamos as vistas d'alma, fortalecemos os músculos, perdemos peso, jogamos o estresse fora...

Conseguem ver? Notaram quanta Farmácia, perdão, quantas Drogas nos invadem sem efeitos colaterais?

Se bicicleta é vida, então paremos de sofrer, de bancar os esquisitos...

Comecemos a mostrar vídeos bonitos, fotos engraçadas, sorrisos escancarados, as crianças em que nos tornamos quando felizes...

Chega de sangue, de feridas, de sofrimentos, porque tudo isso é mentira..! Claro que é!

Se você não consegue subir uma montanha, a culpa é sua porque não treinou...

Se você levou uma queda feia, a culpa é sua porque desdenhou...

Se você teima em comparar bicicletas com bugalhos, está faltando personalidade...

Sinto uma cutucada; é Sofia me incentivando...

Passo a mão em seu guidão; ela treme, pisca seu farol...

É assim que é, mas também não precisa exagerar; não leve sua bicicleta para a cama... Isso é doentio!

Sofia, empolgada, concorda e salta; quase me derruba da cadeira...

Dou-lhe um tapinha no pneu...

Ela estremece e me roça carnuda; quer saber se vamos passear...

Digo que não; ela então exige...

- Escreve aí:

Olho para ela e aguardo... Ela entorta a suspensão, vira um pouco no guidão, faz ar pensativo e solta:

- Não gostamos de quem faz dramas...

Balanço a cabeça concordando...

- Não gostamos de gente metida a bacana...

Olho para ela com aquele sorriso de respeito, e dedilho satisfeito as letras no computador...

Ela demora, faz charme, arqueio a sobrancelha como quem pergunta se tem mais. Sofia entorta mais um pouco, sensual mostra a robustez do garfo; seus raios brilham...

- Adoramos quando giramos..., e só!

Dou-lhe uma palmadinha, prometo só uma voltinha...

- Deixa só eu terminar... - falo para ela com carinho...

Ela sorri e fica olhando para o monitor; ansiosa, ela sabe que sempre termino com três asteriscos...

Dou de ombros e termino...

* * *

Vigílias...

Dormir em serviço,

dá um bom xadrez...

Dormir no ponto,

dá atraso no encontro...

Já o dormir acordado,

é sonho de montão...


Vigílias...
(Paulo R. Boblitz - mai/2014)

Nessa vida que há, mesmo que por demais, vigília nenhuma se perde...

Outro dia aluguei um filme; nele, um artista tentava hipnotizar o outro artista...

- Olhe bem para os meus dedos... - dizia ele...

Eu também olhava...

- Olhe fixamente para o que tenho em minhas mãos...

Eu não tirava os olhos...

- Você está com sono. Você está com muito sono... Suas pálpebras estão pesadas..!

Acabei dormindo...

A esposa, notando, correu e desligou a TV, mas já era tarde...

- Marido, acorda!

Levantei, fui até o quartinho onde tenho as ferramentas, peguei uma corda grande e a trouxe até a sala...

- Marido, você está doido!

Fiz caretas, troquei os olhos e estaquei com o olhar parado...

- Marido!? Você foi hipnotizado!

Não me mexi, não movi um músculo...

- Ande!

Andei...

- Senta!

Sentei...

- Vá lavar a louça!

Lavei...

- Agora descasque as batatas..!

Descasquei...

- Já arrumar o quarto!

Arrumei...

- Maridão!?, preciso de um bom dinheiro...

Ora bolas!, tenham paciência, hipnotizados e hipnotizadores, porque tudo tem limite!

Acordei.

* * *

As músicas cantam, os cães ladram...

Entre o ir e vir,

o que muda é a direção...

Entre o amor e o servir,

o que muda é a gratidão...


As músicas cantam, os cães ladram...

(Paulo R. Boblitz - maio/2014)

As músicas cantam, sussurram, embevecem e nos transportam, nos fazem navegar...

Entramos no som e saímos sem rumo, onde o barulho universal nos conduz em magias...

As borboletas silvam, os pássaros piruetam no ar, os cavalos saltam, e os cães, estes nos trazem para a realidade...

Olhinhos miúdos nos encarando, nos chamando à razão, rabos varrendo o chão...

Cães e músicas não combinam...

Como se um balde d'água fria, os latidos nos resgatam, nos informam que estávamos de partida para algum outro lugar onde os acordes nos vibram...

Concentração que vai para o espaço, vida real novamente à volta, o cheiro de pizza no ar, o Entregador por pagar...

O cão agora salta, a música é para ele; o presunto está no ar...

O doce do violino esfumaça, o cheiro de cebola se apresenta, o pobre cão enlouquece...

- Moço, seu cartão...

Acordo e recebo meu dinheiro de plástico, lanço um cumprimento e fecho a porta; o cão lambe os beiços, se finge de morto, rola e late novamente...

- Ok!, uma fatia é sua..! - ele não sabe sorrir...

Faço que vou mas não vou, ele salta dum pulo só e me rodeia, senta e me encara; quer o pedaço dele, sem borda...

Puxo a cadeira para mim, ele de um pulo se assenta; mal acostumado... 

A primeira fatia é para ele, mas a azeitona eu separo para mim...

E ele come a segunda, come a terceira, e acaba por comer a quarta fatia. Não, ele não arrota...

Meu melhor amigo, se cantasse, cantaria para mim, se sorrisse, sorriria para mim, mas ele é pragmático: olha para o prato, olha para mim, olha para a caixa de papelão vazia, desce e vai em busca d'água, depois deita e vai sonhar...

Nossas músicas são diferentes, nossos sonhos nem por um instante iguais...

A pizza já era... Faço um chá e preparo algumas torradas; lá no canto ele agora de pernas para o ar, talvez na próxima pizza a sonhar...

Acabo, levanto e vou embora, minha música voltar a escutar...

Navego, até o sono me acordar...

* * *

Não dominamos...

A todas as mulheres, todas elas, Marias...

Lindas, sensacionais, fraternas, amorosas...

Eu acho, que da costela de Eva,

surgiu Adão...



Não dominamos...
(Paulo R. Boblitz - mai/2014)

Sofia..!, So-fí!?, Sofiiiiaááá!!!

E por alguns instantes, estivemos mais leves que o ar...

Acordei e vi um céu maravilhoso, azul sorriso, nuvens em novelos...

Doíam-me os braços, as pernas, a bunda, a cabeça, principalmente os brios...

Estatelado, experimentei mexer-me e as juntas doeram juntas...

Cuspi terra, afastei um torrão de grama e percebi minha aventura..., ladeira formidável..., a observava exatamente ao contrário...

Virei de lado, depois fiquei de bruços, mais um pouco de quatro, e tudo parecia bem... Estiquei o pescoço para um lado, depois para o outro, quando vi minha Sofia também escarrapachada sobre uns arbustos. Comecei a rir, porque ela parecia bem pior do que eu...

Levantei devagar, pus as mãos nas ancas e me estirei, como quem se espreguiça... Bati a poeira de mim, dobrei as pernas, baixei-me para pegar os óculos, mais um pouco alcançava minha caramanhola e sorvia um bom gole d'água...

Minha Sofia só observava, aguardando ajuda, vexada na posição, pernas para o ar, galhadas a espetando... Apontei-lhe o dedo em riste, prestes a explodir, mas não consegui...

- Mulher maluca, isso é coisa que se faça?

- Problema seu! Quantas vezes lhe avisei para trocar minhas tamancas? Mão de vaca!

Não respondi. Segurei-a pela traseira com a mão direita, com a esquerda a peguei pelo pescoço. Quando consegui içá-la, raivosa girou o guidão, acertando-me com o bar end; fomos os dois ao chão...

Eu estava cansado, muito cansado para discutir, afinal a emoção havia sido muito forte, e nem estávamos num globo da morte...

Levantei-a com suavidade, e mesmo cheia de poeira, continuava linda...

Um pouco arranhada, eu também um pouquinho aqui, um pouquinho ali, mas sobreviveríamos. Procurei uma sombra e para ela nos dirigimos. Encostei-a com delicadeza e me sentei, tirando o capacete, as luvas, a balaclava e a bandana. Sofia só observava...

Apontei-lhe a ladeira e ela deu de ombros; já estava acostumada...

- Você precisava ficar sem freio justo no meio? - perguntei...

Novamente deu de ombros...

- Qual é!? Queria me matar!?

Soltou uma sonora gargalhada...

Franzi os olhos, pois bem conhecia aqueles ares. Virei para a ladeira, virei para ela e perguntei:

- Não me diga que tudo isso foi ciúme?

Ouvi outra gostosa gargalhada; riu tanto, que caiu de lado...

- Temperamentais, azoadas, todas vocês não giram bem..! - ia resmungando enquanto a erguia... - e continuei:

- Aquilo lá atrás foi só uma voltinha..! Não viu o amigo pedindo para que eu testasse a bicicleta dele?

- E precisava daquela alegria toda? - perguntou-me com desdém...

Sorri para ela, alisei-lhe a sela, e enquanto lhe passava minha bandana a retirar-lhe o pó, pedi perdão por aqueles sorrisos, explicando que sorria porque estava a imaginar o amigo andando naquele troço...

Sofia virou-se para mim, perdoou, mas exigiu:

- Quero minhas tamancas de volta..!

Fiz que sim e comecei a escalada, vez ou outra dando uma espiada, parecendo-me vê-la sorrindo com meu castigo. Encontrei a primeira um pouco acima, examinei-a e não me pareceu assim tão gasta; encontrei a segunda pouco depois da metade da ladeira, onde um risco profundo informava que ali havia sido a freada mais forte. A borracha também estava boa...

Desci, cheguei-me até ela e mostrei as tamancas com mais de meia vida...

- Mão de vaca, né!?

Agarrei-a com força, virei sua traseira com determinação e montei seu freio, apertando-lhe a manete algumas vezes. A cada vez que a apertava, ela parecia lançar-me um beijo. Peguei o óleo da corrente e pinguei um pouco em cada mola; ficou faceira...

Aproveitando que agora o ofendido era eu, avisei-lhe em bom tom:

- Ainda tem muita descida pela frente, e se você me derrubar de novo, juro que lhe jogo no rio...

Soltando leve sorriso, Sofia estremeceu avisando que estava pronta. Montei e saímos feitos as pazes, mas mulheres, quando querem, são indomáveis...

Vez ou outra um solavanco; olhava para trás e não via buraco algum.

Era ela, mangando de mim...

- Sofiiia...

* * *

Tristezas...

Positivo e negativo se atraem,

assim informa a Natureza...

Da briga que os dois travam,

você é a diferença...


Tristezas...

(Paulo R. Boblitz - maio/2014)

A tristeza é algo de que devemos nos afastar, mas é ela quem nos faz criar as mais belas criações, pois não somos nós, mas sim nossas almas, nosso interior em expressões...

Tristezas assim não são previsíveis, nem tampouco as aguardamos; elas vêm, se acomodam, produzem das suas até um dia em que as suplantamos, pois que a vida nos cobra vida, trabalho e suores...

Mas existem outras tristezas, essas não interligadas com nossos sentimentos, mas com nossos azares, que apenas produzem ânsias e impaciências... É duma dessas, que fui acometido...

Meu último passeio de bicicleta, aquele do Plano B, quando fui parar às portas de Pernambuco, antes mesmo de começar já dava sinais de que me cobraria juros. Com o pulso esquerdo dolorido, parti para um primeiro dia quase completo de costelas de vaca, aquelas ondinhas umas atrás das outras que o vento faz, em estradas de chão. Foi muita trepidação, quase 70 quilômetros com minha amiga gaguejando insistente, praguejando contra todos os meus botões, justo eles que naquele dia não andavam comigo...

De Lagoa Redonda até Brejo Grande, no dia primeiro de 2014, muito sol, muito calor, muita sede, muito sacolejo... Isso iria me cobrar indagações ao longo do meu terceiro dia, e irritações ao longo do meu quarto e último dia, pois quase já não sentia meus dedos, que teimavam em me obedecer...

Túnel do Carpo, esse é o nome do sujeito que não me encurtou caminho algum, pelo contrário, prolongou-o esse tempo todo com exames e fisioterapia, choques e medicações, e já se vão 4 meses inteiros olhando para minha amiga que sempre pronta, lança-me convites, empoeirada, queixosa também por um longo tempo sem ver novidades, sem as pedrinhas que vai lançando pneus acima, sem a poeira que como rastro, sublima o ar até novamente estender-se ao solo agora cheio de marcas...

Outro dia lhe enchi os pneus, untei a corrente, pedalei com as mãos até ouvir-lhe a canção das rodas, que, uivando alegres tiquetaqueiam quando os cachorros das catracas começam a deslizar...

O espelho estava embaçado, a poeira a começar a fazê-la espirrar, e o guidão, este eu via, a cada dia, virado para um lado, virado para o outro lado, como se ela também impaciente, estivesse se mexendo em busca de melhores posições...

Banquinho debaixo a deixar-me confortável, a alisei com meu pequeno trapo manchado de longas graxas, que ela bem conhece por novamente ficar pronta para outras peripécias. Enquanto o esfregava, ela tremia e ameaçava sair do cavalete, como o puro sangue que bufa e chuta o chão, antes da corrida...

Como o crepúsculo nos enfraquece a luz, lentamente fui enfraquecendo a força do pequeno pano, e ela entendendo, foi adormecendo e mais um dia passamos distantes, e mais outro, e tantos mais até que o punho volte a ser normal, desconfiado estou que já nos próximos dias, devagar a testá-lo, a informá-lo de que ainda dispõe de bom tempo para sua recuperação total, ou o mandarei para o inferno, como um dia mandei o joelho enquanto caminhava pelo Caminho de Santiago de Compostela, e no dia seguinte ele amanhecer bom...

A tristeza é tudo aquilo que nos inibe, até mesmo impede nossas felicidades, que vamos contornando sem deixar dos sorrisos, pois são estes que no final, nunca terão nos abandonado, nunca terão fraquejado, porque são eles os precursores de qualquer alegria, de quaisquer outros maiores sorrisos, conquistas d'alma que nos fortalecem, nos enchem de vida, nos fazem brilhar nossas meninas dos olhos, quando voltamos no Tempo, esse velho sempre rabugento e enferrujado, oxidado por ele mesmo...

Trate sua dor, dê a ela o que ela necessita para ir embora, e se mesmo assim ela insistir em permanecer, não canse, mande-a para os ares, para outros quintos longe de você, novamente assumindo o timão que só pertence a nós, e a felicidade encarregar-se-á de tudo novamente.

É só uma questão de vigília...

* * *