Trilha no circuito Costa Verde e Mar (parte ii de ii)

Pernas, para que te quero..?

Pernas! Não me faltem nas subidas...

Pernas..., umas doces de olhar, outras difíceis de conquistar...

São elas que nos movem, que comandam nossas decisões...



Trilha no circuito Costa Verde e Mar (parte ii de ii) - Santa Catarina
(Paulo R. Boblitz - nov/2010)


Não via a hora das 2 e meia chegar, e quando apontaram, interrompi meu encontro, me despedi dos amigos e parti, deixando a palestra pela metade. Mais 1 hora e meia, chegava em Balneário Camboriú, com a bicicleta já montada, pronta para os trancos.

Havíamos combinado uma confraternização numa pizzaria, onde além das incontáveis fatias, cantamos ainda os Parabéns pra Você, para alguém que nem conhecíamos, pois alegrias são contagiantes, e contra elas não somos vacinados...

Dia 14 de novembro, 8 e meia da manhã, domingo de sol radiante, começava, depois de receber minha credencial e meu mapa roteiro, o caminho com a amiga que já rangia e estalava, minha Caloi azul e preta.

A brisa marinha soprava suave, abraçando a tantos que corriam, andavam, ou apenas sentados nos bancos do calçadão, olhavam areia e água brincando de fazer arrebentação... No meio daquilo tudo, pedalávamos devagar, esquentando, desviando, conversando, apenas pensando ou sonhando...

A primeira ladeira já aparecia empinada, e resolvi apear; ainda estava frio... Seguimos beirando o mar, azul vibrante e cintilante, turquesa a embelezar a jóia de uma terra bonita e hospitaleira. Atravessamos o rio Itajaí em pequena balsa e adentramos em mais praias convidativas, preguiçosas a estenderem o sol que pinta, a espuma que refresca, a areia onde as conversas sempre falam de amor.

Pequenos barcos e seus pescadores em descanso, sonos embalados pelas sombras derramadas das amendoeiras, o nada fazer senão curtir, fosse o que fosse num domingo especial. O nosso havia começado muito bonito, e logo parei no topo de uma ladeira... Ali, à minha frente, uma curva especial, como tantas seriam ao longo do caminho, por esconderem o futuro, os destinos, os caminhos que tantos de nós percorremos.

Uma curva é fascinante, é misteriosa, encerra segredos até que se complete, e novamente torna a nos esconder o que sonhamos encontrar...

Ao longe, meus amigos vão desaparecendo um a um, como se num horizonte vertical, como o dia que se deita, para um novo alvorecer...

A vida é uma grande curva... Não enxergamos além dela para o futuro; não esquecemos o que ficou como passado... Em meu presente, ali parado via o tempo à frente se movendo, e meu passado ali cansado, aguardando eu me mexer...

O coração volta ao normal, das pressões e dos ricochetes que a mente faz pensar, piso forte e embalo as rodas que fritam peixes na areia grossa, e o perfume do mato surge, o vôo do pássaro cruza, o canto ao longe se mistura com meu próprio canto, meus olhos que se comunicam com meu ser...

Deixo a bicicleta me levar, me fazer cortar o vento frio que me rouba o calor, enxuga suores e leva humores. O piano percute em cada elo da corrente, numa nota só, até que o passador entoa outro tom, o da subida com sabor...

Subir... Subir também é belo, é conquistar, é chegar ao topo e tomar posse, soltar o suspiro do até que enfim, amainar e só mirar. Brinco com a inércia, vou decrescendo o ciclo, deixando a força de lado, como atingindo o pico de um gráfico para tornar a descer bem devagar, tangenciando o céu que se dobra até nós... Como a pedra jogada para cima, interrompo o esforço da Gravidade, entro no estol e começo a cair, ganhando velocidade à medida em que vou me unindo à Terra...

Durante seis dias e seis noites, dormimos e acordamos em lugares diferentes, paisagens deslumbrantes, verdes, marrons, vivas, mortas, molhadas, sorridentes, simpáticas, quentes, suaves, ou agressivas como a pedra que lasca. Por dois dias a chuva nos castigou, nos molhou testando os brios, nos emporcalhou, nos segurou ao chão enlameado; não fomos feitos para os freios...

Em Luís Alves não existem galos...; os pássaros nos acordam ainda noite, em meio à neblina úmida que nos caça... Pego minhas roupas no varal, todas molhadas como se acabasse de lavá-las há pouco tempo. Meus tênis estão encharcados, pingando... Seria outro dia bem aguado...

De Ilhotas para Camboriú, o amor me aparece de repente... Estava um dia quente, acho que por volta do meio-dia... Ali estava ela, uma cadela mãe, marrom, parada e cansada, e pela língua, também com sede igual a mim. Parei por instantes ao ouvir os filhotes que choravam, descobrindo que todos precisavam de ajuda. Parti e mais um pouco encontrei o Carlos Beppler, que me mandou seguir e voltou no carro de apoio, descobrindo seis filhotes famintos, sob a sombra de pequena moita que a mãe guardava. Meu Anjo da Guarda me deixou só por instantes e foi confabular com o do Carlos, e os dois arrumaram uma nobre senhora, que prometeu providenciar água, comida e um bom lugar para todos eles. Ficamos mais contentes quando nossos Anjos retornam; ganhamos mais ânimo, mais cor...

De amor é feito aquela terra toda, casas simples de madeira, flores de outras mães que cuidam, trabalho que salta em campos cultivados, arrozais nas tantas várzeas alagadas, rios que nos falam em corredeiras, vida que se vive, família que se cuida, educação e cultura a sobrar. Lembro que em dada manhã, rezando para encontrar algum lugar onde pudesse comprar algo para matar a fome que me matava, pedalei quase 30 quilômetros para ter sucesso, uma triste constatação, ali lugar apenas para a vida em trabalho, aqui bares sobre bares, onde a bebida escraviza e promove o ócio.

Eu passava onde há 2 anos, novembro de 2008, a Natureza havia feito rugir a fúria, destruindo com enchentes, deslizando encostas, quando muitas vidas foram ceifadas. Em dois anos, tudo havia sido reconstruído; não fomos feitos para perder - o povo é de luta, e não se perde onde se reconstrói, nem a Fé é material...

Em meio a um arrozal, qual espantalho a clamar pela vida, a velha árvore, braços erguidos, a suplicar. O gavião de vigília, apenas observa, as garças pouco se importam, e as marrecas cuidam da própria vida... Já estávamos em nosso quarto dia; os dois restantes seriam mais puxados. Paciência, informava o nome da pequena cidade...

Paciência era tudo o que nos sobrava, em meio a tantas coisas belas, devagar, para não logo acabar...

O dragão já estava próximo, assim nos informava a grande arma, toda de aço, a semear e combater. Estava além, por trás de tantas montanhas...

Quinto dia; começamos a subir. Pensávamos ser ele, mas tratava-se apenas de um pobre cão, a buscar emoções mais fortes, covarde a um contra-ataque... Ainda não foi naquele dia, pois Zimbros a tudo espantava com sua formosura, um istmo que haveríamos de vencer, como ponte, guarnecido pelas águas e gaivotas, pelos pequenos barcos sentinelas, pelas pousadas tranqüilas onde só o vento trazia novas...

Último dia; tinha que ser naquele... Nos reunimos antes da partida e resolvemos seguir todos juntos. Formaríamos uma cunha rija, flancos fortes, determinação resolvida. Que viesse, finalmente o dragão...

Em pouco tempo o avistamos a contrastar contra o verde, reparamos em suas baforadas, seu tamanho que subia empinado. Por um momento estacamos em respeito, nos armamos, levantamos os escudos e com os guidões em lança, partimos para a primeira escaramuça, lançando pedras sob os pneus, estalando correntes e bufando. O dragão era forte e nos jogava ao chão, mas novamente voltávamos à carga, para cima a cada metro. Enfim, submisso deitou-se calmo e permitiu nossa passagem, numa subida em ziguezague por seu costado, como seus irmãos valentes do Caminho da Fé. Mais um pouco estávamos no topo, felizes e sorridentes, mais uma fera amansada. Ao longe, a conquista espreguiçada em tanto azul a flertar com o verde, musgo encrustado em tantos outros dragões, deitados à espera de mais guerreiros com suas bicis...

Agora era descer, passar por Porto Belo, escutar o aviso do lobo de aço sobre mais dois filhotes a serem domados, dragõezinhos ainda crianças, embora grandinhos, e chegar em Balneário Camboriú, nosso início, nosso fim, destino a ser alcançado por todos vocês, que sonham, que pedalam, que não conseguem ficar parados como toda a paisagem que nos cerca, enquanto somos movimento...

Foram seis dias em que nos revezamos, como pontas de lança, como carniças, unidos principalmente, onde o lema era o sorriso, a conversa franca, o pedalar. Participamos, em ordem alfabética, Artur Berberian, Boblitz, Carlos Beppler, Carlos Neckel, Carolina Furtado, Charles Berberian, Eliana Garcia, Fábio Fes, Guilherme Florence, Henrique Wendhausen, Luciano Duarte, Manoel Lyrio, Mônica Panetta, Rodrigo Telles.

É triste acabar, cada um para o seu lado, seus afazeres; é gostoso sonhar que novamente um dia nos encontraremos, em outras trilhas, em outros ares...

O Velotour Costa Verde e Mar, como o caleidoscópio que não se repete, foi mais um grande momento, desses tantos formidáveis que resolvemos ter, dessas tantas curvas que completamos, apenas para saber o que existe além...

* * *

Trilha no circuito Costa Verde e Mar (parte i de ii)

Acordamos, nos arrumamos...

A batalha, como todos os dias, já vai começar...

Cavaleiros diferentes, num diferente cavalgar,

não importa aonde cheguemos, vencemos...


Aviso: como a música, a Natureza também é universal. Como a trilha ainda não aconteceu, as imagens foram aproveitadas do meu Caminho da Fé.

Trilha no circuito Costa Verde e Mar (parte i de ii)
(Paulo R. Boblitz - nov/2010)


O que nos leva a passar cerca de 8 horas sobre uma bicicleta?

O que nos motiva ficar sob um Sol escaldante, sobre uma sela minúscula e desconfortável, à mercê dos ventos ou chuvas?

O que nos impele a fazer força para o deslocar, subir montanhas, receber a lama dos pneus?

As razões devem ser muitas, como muitas são as razões de cada um... Desejos de solidão, desejos de se estar em grupo, desejos do afastar do burburinho, desejos pelo ar puro, pela Natureza, pela saúde física, ou apenas pela mental...

Não importa qual a razão principal que move o ciclista a pedalar, ainda mais pelas trilhas que somente exigem de cada um.
Importa que o tempo, esse mesmo que não toma conhecimento da gente, da bicicleta se vê diferente.

Experimentei com uma mochila às costas, durante 30 dias, carregar minha própria casa comigo. Descobri certa vez, que não necessitamos de muito...

Depois do Caminho de Santiago, a bicicleta demonstrou a mesma coisa. Fiz o Caminho da Fé e acabei levando coisas em demasia.

Na verdade, o que mais necessitamos é da vontade, e essa não pesa nada.

Depois nos utilizamos do espírito, pois é ele quem nos carrega, se une a Deus para nos dar a coragem.

E começamos a nos embebedar com as vistas, os horizontes, os sons, os elementos nos tocando devagar conforme o tempo que passamos a dominar, pois deixamos de existir para os sistemas, sejam eles quais forem.

Ali, em meio à terra, cercados das vegetações, somos só nós com a própria vida. Oramos em sintonia, pelo silêncio dos olhos que sorvem do belo ao puro..., e descobrimos matizes diferentes, detalhes nunca vistos, conjunções nunca pensadas...

Descobrimos que somos diferentes, pois que diferentes observamos o que pouca gente vê.

Adrenalina? É, ela sempre anda junto, mas não é tão importante. Endorfinas? São criadas mas logo se vão. Então o que é?

Liberdade...

Essa é a principal razão... Simplesmente montamos e partimos, e saboreamos cada momento à frente.

Parar no alto de um cume, olhar à volta o quanto é grande o que nos cerca, reconhecer o quanto é belo onde habitamos... - eis nossas recompensas...

Pedalar pela Natureza é se movimentar pela Terra, de forma plena e poética, o que nenhum outro esporte alcança. É conquistar o dia sem vencê-lo, é dormir o sono justo para outra peleja, é ser Senhor sem dominar...

É conversar com Deus em particular...

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