Arranhões na Gostosinha...

Gibão de couro,

galhada pela caatinga,

mandacaru furou o pneu...

Desse jeito, o boi sempre foge...


Arranhões na Gostosinha...
(Paulo R. Boblitz - jun/2012)

Arranhões são cicatrizes que não sangraram.

Uma queda, outra queda, uma ferramenta, um encostar, outros encostos dos tantos em que já a deixamos, e cada marca vai ficando; algumas até têm história...

Os Tênis já ralaram os pedivelas, a corrente às coroas, e cada parede já deu seu ar da graça nos bar ends.

No canote somos nós quem arranhamos de propósito, pois ali se encontra a nossa altura do selim.

O guidão já viu suporte de bolsa de guidão, já teve suportes outros que ali marcaram algum dia.

Os punhos estão manchados, e o nome do selim já começa a apagar...

Os aros são os mais sofridos, e as fitas que antigamente os enfeitavam, já voaram todas...

O bagageiro já viu alforjes, pesados a roçarem nos tantos dias pelos mundos...

Cada marca nos lembra algo, fora aquelas que aparecem e já nem ligamos, pois que a Gostosinha está sempre ali - pronta, limpinha ou suja, mas impecável nas partes móveis.

Quando a oficina me devolve, vem brilhando e cheirosa, perfumes de solventes e de óleos, e confesso que dá pena sair com ela...

Minha Gostosinha vem engordando: pára-lamas, bagageiro, alforjes, bolsa de guidão, porta-mapas, minhas coisas conforme os tantos dias, GPS, bomba da suspensão, bomba dos pneus, ferramentas, pneu e câmaras sobressalentes, máquina fotográfica, 2 caramanholas mais três garrafinhas de reserva, o mala-bike bem dobrado, elástico, e eu próprio em cima dela, mas falta ainda o espelho retrovisor...

Cavaleiro, tralha e Gostosinha, 130 a 135 kg em deslocamento; é muita, e muito massa...

Como Vovô Djalma bem ensina, não importa quanto pesem nossas Gostosinhas, mas sim as pernas que lhes impõem nos pedais, e elas todas, pesadas e charmosas, nos carreguem airosas pelos tempos, faça sol, frio ou chuva, porque o calor existe num e noutra, pelos movimentos em esforços...

Uma vez em Ilhota, lá em Santa Catarina, quando do Costa Verde & Mar, um raio traseiro quebrou tão bem quebrado, que ninguém notava. Mexi na roda, mexi no freio, e o kic-kic-kic não parava. Era começar a andar, e ela feito bêbada a soluçar. Virei para minha Gostosinha e a informei:

- Você vai gritando, até a gente gastar essa droga de tamanca...

E gastamos, e rodamos mais três dias daquele jeito, porque se você tiver uma Gostosinha confiável, nunca será largada a sua mão...

Ela também não liga para os arranhões; inteligente, gosta de estar justinha, oleada e toda redonda. Se capricharmos na manutenção, seremos felizes para sempre...

Mas não exagere; ela é apenas uma boa amiga...

* * *

Contar histórias...

Andava eu com minha sombra,

enrolada a não saber,

se atrás, de lado ou à frente...

Interrompia o meu diálogo, o tempo inteiro...

Sombra maluca descompassada,

a cada poste, tinha três jeitos...



Contar histórias...
(Paulo R. Boblitz - jun/2012)

Contar histórias é participar também do sonho, é fazer navegar a outra mente que nos ouve ou lê, que também sonha, imagina e participa...

Peguei muitas vezes no sono, contando histórias para meus filhos, quando eles gostavam de ouvi-las...

Escrever também é contar, dizer como foi ou como será...

Histórias, reais ou fictícias, nos movimentam e fazem pensar, também querer...

E tem história para todo gosto, de bangue-bangue, de muitas mentiras, do futuro pelas estrelas, pelo fundo do mar...

Tem gente que se emociona, que muito ri, que acredita, que faz questão de chorar...

Dolorida é a própria história quando é sofrida; venturosa quando todas as lutas terminam em sorrisos...

Escrever é gostoso, nos faz airar, sair do próprio corpo para entrar no papel, convidando qualquer um a também se achegar...

Compomos junto com nossos antepassados, que nos legaram, nos ensinaram, que também suas histórias amigas se fizeram sentir, o mundo inteiro se somando cheio de palavras, experiências, construções e invenções, línguas que falam com penas e tintas...

As palavras são como estrelas, infindáveis no infinito de tantas páginas guardadas, que já se perderam no passado, que crescerão pelo futuro, quando não mais estivermos por aqui...

Contar histórias é ligar a mente ao coração, um fiozinho só, nem grosso nem fino, suficiente para as mãos dedilharem a escrever...

Como energizar esse fio!? Existem vários interruptores: ouvidos, olhos, nariz, a boca, o tato, o próprio coração...

É só parar, e prestar-lhes atenção...

* * *