Pedalando...

Primeiro Sergipe Adventure
(Paulo Boblitz - set/2008)


Primeiro Sergipe Adventure, um nome sugestivo e nem um pouco modesto... As coisas que se dispõem a ser grandes, já devem nascer grandes; assim, abrevia-se bastante tempo pelo caminho.

O Primeiro Sergipe Adventure contou com atletas de Maceió (Alagoas) e de Salvador (Bahia), além do grande número de atletas daqui de Sergipe. Foi uma prova, segundo os entendidos, ligth (que eu gosto de escrever láite), mas nem por isso deixou de ser difícil.






A subida da Serra de Itabaiana, uma coisa verdadeiramente linda, que em certos trechos nos dá a vontade de abandonar a prova apenas pelo desfrute da Natureza, não fica nem um pouco atrás da subida do famoso El Cebreiro, constante do Caminho de Santiago de Compostela.

A descida da Serra, mais radical ainda, de tão íngreme, pois é curta no sentido longitudinal, nos faz escorregar várias vezes nas milhares de pedras soltas.

Já próximo da largada, cerca de 1 Km depois, o primeiro obstáculo que me fez torcer o nariz, um pequeno córrego onde necessitaríamos submergir nossos tênis para a travessia, pois sei o que significa passar um dia inteiro com os pés molhados.

A prova inteira constou de uma caminhada que nos fez subir a serra (670 metros), acredito que ao seu ponto máximo, a julgar pelo número de antenas que encontramos, passando pelo ponto onde se pratica o rappel (um integrante de nossa equipe ficou lá para pagar este item da prova), enquanto continuávamos a descida para o ponto de transição, onde pegaríamos as bicicletas para um percurso de aproximadamente 40 quilômetros. Da prova ainda constava uma canoagem de 500 metros numa lagoa, e ainda uma pequena prova surpresa. Nossa equipe só não participou destas duas últimas, pelo adiantado da hora em que chegou ao local de chegada.

Durante a subida, precisamos ir até a Cachoeira do Cipó, próxima de uma gruta, com muitas raízes e muito limo; na seqüência, cruzamos com o Poço das Moças, onde deu vontade de mergulhar, de ficar ali sentado, embalado pela água corrente, mas o tempo costuma não esperar... No ponto mais alto, onde começamos a descer, vislumbramos a cidade de Itabaiana no lado oposto da Serra, e caminhamos sobre um pequeno brejo, nascente de algum daqueles riachos. Que Geologia formidável, água brotando do ponto mais elevado...

Cumprimos e passamos por todos os Pontos de Cortes, fossem eles obrigatórios ou opcionais, respondendo corretamente a cada uma das perguntas neles solicitadas. O mais difícil de encontrar, foi o Ponto de Corte Virtual número 5, bastante escondido, que depois nos fez submergir os pés numa lama preta de brejo, aumentando a umidade e permitindo que a própria lama nos incomodasse com suas pequenas partículas sólidas. Nele, descobrimos uma bela piscina natural, com corredeira e tudo.

No Posto de Corte número 6, finalmente pegamos as bicicletas e partimos pelo estradão, onde erosões e subidas não faltaram, cada uma com sua respectiva descida. Erramos e acabamos rodando alguns quilômetros a mais, felizmente poucos, mas produzindo atraso no que já estava atrasado. Nossa equipe tinha a garra necessária, mas não possuía o preparo, peça fundamental quando enfrentamos obstáculos, coisa que não faltou, do início ao fim da prova.

Foram mais de 9 horas de intensivo exercício para nós quatro da Equipe Sul, e ouso dizer, quando hoje me pesei, ter sentido a falta de 2,6 Kg. Ontem bebi cerca de 5,5 litros de água durante o dia, fora o que continuei a beber, depois que cheguei em casa.

Nossa colocação, se tivermos tido alguma, foi a de penúltimo lugar, mas o importante foi que chegamos, e confesso aqui que foi maravilhoso toda a vista que pude apreciar, todo o carinho que os habitantes dos vários povoados nos dispensaram, toda a torcida que recebemos pelo caminho.

De parabéns os Organizadores do evento, pela organização e cuidado, principalmente com o item Segurança. De parabéns todos os Participantes, pela alegria e disposição, inclusive pelo espírito, pois não raro presenciamos equipes ajudando outras equipes, incomum num contexto competitivo.

Outros Sergipes Adventures virão, e todos eles serão bem-vindos, e disputados, principalmente confraternizados...

Isso é que é o bonito de tudo: saúde e participação, envolvendo emoção com a sociedade, com o próprio meio ambiente que não viu lixo nenhum, agressão nenhuma de qualquer que fosse a equipe.

Parabéns a todos nós...

Observação: A foto é da nossa Equipe Sul, cansada e suja, recebendo o flash do fotógrafo amador (meu filho), como consolação...

* * *




As ladeiras do Araujo
(Paulo Boblitz - ago/2008)

Quinta-feira é dia de ladeira, como se o assunto fosse simples, assim como os outros dias que também são de alguma coisa.

Quem não o conhece, escuta mas não raciocina..., afinal tem dia de Distância, tem dia de Velocidade, tem o dia Light... Por que não pode ter um dia de Ladeira?

Ladeira é uma subida do que algum dia foi um morro, hoje pavimentada, com calçadas e transeuntes. Expectadores!

Eles até torcem, ao modo deles, pois que moram ali e somos nós que chegamos para alterar a rotina de uma noite que vai se repetindo a cada semana.

E a torcida começa: "vai Magrinho..!"; "vai Coroa..!", e outros incentivos e comentários menos incentivadores, pois logo aparece a turma do contra que especula...

Tem até um meio bêbado, que explícito bota a boca no trombone para quem quiser ouvir, inclusive a quem sobe, a quem já está com o coração perto da goela: "ezadaí o Coróa num güeenta..."

Se subir ladeira já é difícil, subir transpondo comentários negativos é pior ainda, e com isso também vamos aprendendo que devemos respeitar a opinião contrária, a cultivar a paciência, a guardar o silêncio quando queremos explodir, e de alguma forma a não escutar o que não queremos.

O fato é que vamos subindo e descendo, bufando por assim dizer, na medida em que a Ladeira é mais puxada ou não.

Araujo é um sujeito abnegado, que todas as noites aparece e nos espera, nos ensina e nos cobra muito esforço.

Nossas Forças Armadas se o conhecessem, brigariam para tê-lo como Sargento, aquele que mexe com a tropa, aquele que a deixa pronta para a guerra, aquele que lidera com a própria participação.

Assim começamos, num início que parece tranqüilo, por vias horizontais, subindo algumas pequenas ondulações, esquentando por assim dizer, aprontando a musculatura para o pior que está mais à frente, que logo chega e nos impressiona...

Alguns descem logo da bicicleta e a encaram na naturalidade; outros a tentam ultrapassar e param pela metade, colocando os pés no chão; outros a vencem como se ela não existisse...

Olho para aquela coisa deitada à minha frente, e ela não deve ter menos do que 45 graus. Como é que se constrói uma aberração daquelas? Carroça?, decididamente não sobe; caminhão carregado?, nem pensar...

Subo empurrando a minha bicicleta, não sem antes chegar até à sua metade; a descida é outra afronta a qualquer tipo de freio..., e vou regulando as duas manetes, pois que só o freio traseiro, ela arrastaria o pneu; se apertarmos o dianteiro com força, ela é bem capaz de capotar.

Descemos organizados, devagar, pois logo à frente tem um cruzamento... Seguimos em frente em busca de novas investidas, e enquanto vou rearranjando os casulos dos pulmões, vou pensando que o negócio é subir primeiro, pois assim, enquanto os outros vão subindo, poderei aproveitar para descansar, para retomar o fôlego em desordem.

Araujo lá na frente interrompe o trânsito para passarmos, e logo retoma o ritmo, não sem antes vir fazendo chamadas: "vamo Fulano!", "vamo Sicrano!", "vamo Beltrano!", "vamo Blitz!, força!!"

Com o sangue quente, juro que penso feio...

- Vamo pra onde?, se eu já não tenho pernas..? - vou pensando meio atravessado, enquanto ele vai passando para liderar de novo, e de lá ainda se virar e cobrar um novo "vamo" para mais alguém...

É nossa reação que busca mais energia...; nossa revolta que transforma nossa vontade..., nos fazendo subir como pudermos, pois sempre terminamos agüentando, de uma forma ou de outra, afinal nossos corpos não gostam de conhecer limites, não gostam de se entregar, e reagem dormentes com mais oxigênio e raiva, enquanto o suor escorre abundante corpo abaixo...

As ladeiras vão se alternando, as mais brutais no começo, uma quase impossível pelo meio, e todas as demais intercalando, sendo vencidas, montados ou apeados...

Há poucos instantes passamos pela última ladeira... Paramos numa sorveteria, mas prefiro continuar; junto-me aos que vão para onde vou, despeço-me dos que ficam, agradeço ao Araujo, que amanhã estará lá de novo, para mais um dia de alguma coisa..., mais um dia de Sargento exigente... O sujeito não cansa...

Abro a boca com sono...; é o sangue esfriando..., e essa noite será bem dormida...

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Sem pedal...
(Paulo Boblitz - ago/2008)


Alguém já ficou sem pedal? Quem já ficou, sabe bem do que falo...

Temos o motor, mas marcha nenhuma a ser engatada...

Assim fiquei no meio da rua, apenas com um dos pedais, pois o outro caiu deixando-me aquela sensação de uma perna pesada demais...; é como sem dentes, tentarmos assobiar... Até que sai algum som, mas..., música nenhuma dentro da afinação...

O parafuso do eixo central foi-se para sempre, escafedeu, fugiu e encontra-se foragido escondido em algum lugar por esses caminhos que pedalamos... Ficamos frustrados, impotentes com um dos pés sem poder fazer força..., algo estranho abaixo dos joelhos, sem aquele contato que nos une à terra, que norteia nossos movimentos, nossa impulsão...

Na verdade aqui me refiro ao pedivela, aquele pequeno braço, um para cima e outro para baixo, que movimenta a coroa dentada, que põe a corrente a girar a roda traseira; o pedal é apenas a terminação, o estribo como se estivéssemos montados num cavalo... Sem ele, parecemos uma biruta sem vento..., uma fita adesiva sem cola..., um nó cego bem apertado...

Pedal e pedivela na mão, algo ainda mais estranho, pois normalmente os utilizamos com os pés, saímos à custa dos pés, desta feita a pé, empurrando um monte de alumínio que gira, que deixa de ser bicicleta para ser uma carga qualquer.

Alguém já empurrou uma bicicleta? É mais ou menos como carregar a mala sem a alça... As pessoas olham e continuam olhando, pois os pneus estão lá, cheios locupletados de vento comprimido, as rodas girando, a corrente no lugar, nenhum defeito aparente...

Alguém já tentou pedalar com um só pedal? É como tomar sopa com garfo... A gente até consegue, mas é ridículo..., muita energia despendida, sem nenhum resultado, mesmo que pífio...

E dizer que apenas um parafuso segura toda a nossa barra..., um mísero parafuso cheio de rosca, bastante apertado...

E toda uma tecnologia, e uma sofisticação, sejam elas quais forem, deixam de funcionar por causa de um simples parafuso.

É certo que ele é robusto, mas pode significar uma derrota, um passeio interrompido, um longo caminho a pé..., uma volta inglória..., um acidente sério...

Parafusos..., do mesmo jeito que apertam, acabam se soltando...

* * *




















Os pedais das terças à noite...
(Paulo Boblitz - ago/2008)


Aracaju pode ser uma cidade pequena, mas pensa grande que nem as grandes. Pacata e organizada, plana e hospitaleira, reúne todas as semanas, um grupo grande de ciclistas que sai a pedalar pelas ruas, cada semana uma diferente, onde as pessoas que nos vêem param e pensam: “bem poderiam ali estar também...”

Em fila dupla, por mais de 300 metros de comprimento, saímos piscando noite adentro, conversando e rindo, pedalando queimando excessos, revigorando um monte de coisas, da cabeça aos pés, visitando bairros, dando exemplos, praticando saúde pelo simples prazer de praticá-la. No último passeio, fomos 154 ciclistas...

O percurso é sempre secreto, e vamos descobrindo-o na medida em que vamos avançando, escutando os avisos que são passados como ecos, da frente para trás, aos gritos de quem primeiro avista: "buraco à direita!"; "buraco ao meio!"; "carro parado!"; "ciclista na contramão!"; "lombada adiante!", até um "ôôô!!!" quando a fila vai parando sem aviso prévio, para que os de trás não atropelem os da frente...

O Departamento de Trânsito nos escolta e abre alas, fechando sinais ou interrompendo vias, tornando nosso grupo mais visível, oficial, algo a mais na segurança, pois via de regra somos respeitados e até recebemos buzinadas em cumprimentos, saudações encorpadas de empolgação, aprovação explícita para nossa boa pedalada...

É a sociedade que participa no social, prazer para nós, cumplicidade deles que não estão participando, mas aprovando com admiração, quem sabe mais um conquistado para a próxima semana, mais um a engrossar a fila dos que se mexem e não se entregam...

Os Monitores e Instrutores nos alertam, nos mandam subir ou baixar uma marcha, nos aconselham a prestar mais atenção, nos repreendem se não nos comportamos bem, nos rebocam se ficamos para trás, se revezam nas posições, sinalizam o bom pedal, nos socorrem diante de um acidente de uma corrente solta, um pneu furado, e assim vamos, crianças e jovens, meias-idades e bem mais velhos, em ziguezague pedalando, fazendo a roda girar, aprendendo e exercitando... São incansáveis, pois acabam pedalando o dobro do que pedalamos, num vai e vem da frente para trás, de trás para a frente, estando em todos os lugares como anjos não alados, sempre de prontidão.

A todos eles a nossa gratidão..., pois que garantem a nossa segurança o tempo inteiro.

Esse é também o dia em que todas as rivalidades coexistem, apesar delas não existirem, pois os vários grupos se unem num só, no Aracaju Pedal Livre, onde os vários estilos se tornam únicos, e os que não formam grupos também, numa tremenda minhoca que serpenteia sobre rodas, que pisca em vermelho e branco pelo asfalto: Pedal Suado, Zuandeiros, e Pedal do Zé, numa mistura de camisas e uniformes, e de outras roupas informais, abrilhantando a festa que três lojas patrocinam: A Bimocar Bike, Magazine Bike Show, e Pedalando Bicicletas.

Duas horas de bom exercício, uma parada obrigatória onde a água de coco repõe os sais, mata a sede e torna a reunir, desta feita em alongamentos, em pernas estiradas, gente sentada a descansar, quem sabe uma paquera acontecendo, novas amizades se consolidando, outras apenas iniciando. Vale a pena de longe enxergarmos tamanho grupo não coeso, nenhuma regra ter que seguir, a não ser a de bem pedalar, sempre em fila de dois, de capacete e boa disposição...

Duas horas por semana, uma boa academia ao ar livre, um bom motivo para relaxar, muitas conversas a por em dia, planos de alguma trilha, algum asfalto a pegar...

O apito nos traz de volta, nos sinaliza a retomada, o chega de festas e todos em posição!, pois a grande minhoca quer andar, quer pedalar...

Assim, mais um pouco chegamos no nosso ponto inicial, onde o grupo se desfaz, onde cada um volta cansado para casa, uma boa noite trabalhada, uma reunião gigante sem bebidas, sem tira-gostos e frituras, onde bafômetro nenhum mete medo.

O envolvimento acaba contagiando, e quando menos esperamos, estamos participando de outros pedais, pois cada grupo tem um estilo próprio, uma modalidade diferente, e cada pedal acaba se transformando em instrução. Descobrimos que bicicleta é coisa séria, tem técnica apurada e jeito certo de ser conduzida, seja no asfalto ou na trilha...

Se você não pedala, por que não experimenta? É um bom investimento...

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Cruzando com um Calango
(Paulo Boblitz - jul/2008)


De pé, no alto da colina, um pé displicente apoiado no pedal à frente, vejo ao longe o Sol aparecendo... Sou um dos primeiros nesse dia, a ser banhado por seus raios...

Uma leve brisa escorre meus pensamentos, leva consigo minhas saudades, enquanto quieto apenas contemplo, o vale abaixo completo de nuvens, cheio de sombras, cheio de frio da noite que ainda não foi embora...

O céu acima já está azul, algumas manchas brancas devagar, em desfile seguindo o caminho, todo dia um dia incerto, todo dia ficando maiores até que resolvam chorar, dar vida à terra, que nos dá o gosto do dia-a-dia...

À minha direita a trilha continua, pedras soltas aguardando movimento, que pneus e pés imprimirão, as tirarão por segundos dos marasmos, quem sabe depositando algumas aos pés de alguma planta, um bom lugar à sombra para um descanso, a ver tantos passando.

Mais abaixo, a primeira curva a nos oferecer o mistério...; não deixa ver o que vem, não deixa ver o que guarda...

Uma curva é sempre uma surpresa, uma cortina que se abre, um espetáculo que se mostra, ou tudo igual como era antes...

Toda curva é suave, mesmo aquelas mais agudas...; depende apenas da velocidade, assim como costumamos olhar as coisas, demorado ou de relance, degustando ou engolindo...

Um calango aparece e nos dá bom dia, balança a cabeça em cumprimento: tudo bem com ele..!, e com a gente?

A mochila alfineta as costas, avisa que também está por ali, quer também ver um pouco dessa beleza que nos encanta, ver o mundo de cima, de cima donde viemos...

Solto as fivelas e as amarras se afrouxam, retiro-a recostando-a com suavidade numa pedra, enfim ela está lá de frente e não vê nada. Eram minhas costas reclamando, oferecendo uma coceira em troca de um descanso...

Bebo um gole d'água e aproveito, lavo a garganta seca, umedeço a alma e me hidrato.

O Sol agora já mais alto, posso sentir o suave morno; mais um pouco, será intenso o calor, implacável raio que queima, que resseca e envelhece, nos rouba a cor...

Respiro fundo e sinto o cheiro da terra, cheiro molhado que sobe, de plantas e orvalho, de suores de tantas coisas vivas que à noite em descanso transpiram... Não há cheiro igual ao da Natureza, que de tudo um pouco mistura, utilizando-se de todas as energias...

Desmonto e subo numa pedra, fico mais alto ainda, domino mais visões ao meu redor, mas o que quero é apenas recostar, receber as gotas de nossa grande estrela, aquecer o corpo como o calango mais abaixo faz, agora assustado com meu movimento.

A bicicleta está imunda, a mochila empoeirada, as botas cheias de carepas secas, as meias manchadas de lama, a pele em escamas, o corpo dolorido e cansado, um arranhão ali, outro mais embaixo.

Fecho os olhos e cochilo, sonho com meus sonhos escondidos, recupero a esperança que a pausa oferece, enquanto o sangue arrefece, desfazendo-se das energias que se concentraram... O tempo passa e a calma aborrece, sento-me olhando ao longe, viro-me para donde vim, uma longa subida estreita e torta, como se um bêbado a tivesse riscado...

Levanto e me espreguiço, miro as curvas que se seguem, imagino meu futuro descendo, pedrinhas soltas estalando e voando, a corrente rangendo entre tantos dentes, a suspensão bufando com os solavancos, músculos tensos amortecendo, freios em eterno castigo, pneus em constantes escorregões, o chão passando firme e ligeiro, como firme é quando nos recebe, nos descontando em dores a ousadia, nos arranhando e sangrando em desafio, nos perguntando se nos levantamos ou desistimos...

Melhor descer devagar...

Visto a mochila, coloco o capacete, verifico os pneus e num pulo já estou pedalando. Olho para trás e dou adeus para o calango; ele balança a cabeça e educado me cumprimenta: comigo vai tudo bem..., e com você?

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Glossário:

- Calango: pequeno lagarto cinzento, comum no Nordeste brasileiro, que vem ao Sol para aquecer o corpo, cujo balançar da cabeça, como se estivesse sempre concordando, é característico.

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Pedalando...
(Paulo Boblitz - jul/2008)


Se andar faz bem, pedalar ainda faz melhor...

Eu pensava que chegaria com pernas resistentes, depois de caminhar os quase 800 quilômetros do Caminho de Santiago, mas na primeira pedalada forte, as coxas reclamaram e descobri que os músculos trabalham diferentes.

De fato, meus mocotós ficaram mais grossos; minhas batatas das pernas também, mas as coxas nem quiseram saber...

Isso não quer dizer que eu não tenha conquistado mais resistências, pois caminhando e subindo montanhas com uma mochila nas costas, acabamos trabalhando até os pulmões.

Caminhar só é gostoso se estivermos a trilhar alguma coisa, num caminho qualquer, com um objetivo bem distinto, participando da Natureza. Andar numa calçada, não deixa de ajudar, mas não é a mesma coisa - falta o tempero da ação, o sabor da visão, a música da audição, os aromas diversos que a terra nos lança, sobrando apenas as esquisitices de transeuntes em cima da moda, com celulares e musiquetas nos ouvidos.

Pedalar é pegar uma estrada, seguir um rumo decidido, comportar-se com segurança, usando os equipamentos de proteção e sinalização que todo ciclista deve usar.

Pedalar é sentir o vento contrário, ou o vento de lado que faz a gente andar torto a compensar; é andar na banguela aproveitando a descida, é esconjurar a ladeira e passar as marchas que puder, e se ela não te der chances, não te envergonhes em saltar e terminar a subida empurrando a magrinha...

Pedalar é sentir o corpo molhado de tanto suor, como se tivéssemos saído de um banho naquele instante, gotas marejando testa abaixo querendo arder nos olhos, tentando penetrar nos lábios, fazendo o gosto do sal se pronunciar.

Pedalar é respirar mais fundo e ir buscar no baú dos pulmões, aquele último restinho de ar, que o faz vencer o obstáculo, um pouco mais devagar é bem verdade, dando-lhe um certo prazer quando você dá uma pequena parada e olha para trás.

Pedalar é calejar a bunda, pois não há acolchoamento bom que dê resultado, nem selim que promova aquele conforto que sonhamos, seja ele de que gel for construído, onde só o costume resolverá. Sobre os calos, não serão propriamente calos, e sim uma pele um pouco mais grossa. Além do mais, trata-se de uma região anatômica que nunca será bonita...

A atividade física tem uma coisa muito gostosa: quando paramos exaustos e suados, com a cor diferente esperando o sangue esfriar, parece que todo o nosso corpo está se renovando. Sentimos uma outra fluidez, um outro pulsar, e não raro, nos quedamos a olhar para o horizonte em reflexões...; nos sentimos parte da paisagem...

Vencemos a nós mesmos mais uma vez, nos superamos em alegrias, e tudo isso sem competir...

Equipamento guardado, depois do banho a paz começa a reinar; a respiração é mais plena; entramos de fato, num relaxamento..., o sono é gostoso e reparador...; o corpo agradece como se recebido um prêmio...

Pedale, faça a roda girar, escolha um rumo apenas com o olhar, e siga em frente vendo a vida passar...

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Crônicas

Obrando em comunidade...

(Paulo Boblitz - set/2008)


Toda empresa grande, com muitos empregados, tem um banheiro também grande; isso evita qualquer tipo de fila, ou aperto inusitado...

Outro dia eu estava me dirigindo para o respectivo aposento, e coincidentemente fui seguido por um colega; essa é outra vantagem de se contar com um banheiro grande, pois não nos preocupamos em competições, esse negócio de ter que chegar na frente...

Todo banheiro de empresa é uma espécie de grande salão, com três ou quatro portas enfileiradas, uma grande bancada com algumas pias, e uma bateria de mijadouros, onde normalmente a quarta parede não é utilizada.

Cheguei diante da minha portinhola preferida, pois se não prestaram atenção, estabelecemos ao longo das várias labutas, nosso trono predileto. O colega que vinha logo atrás, ligeiro adentrou na porta do lado, talvez pura coincidência, ou de fato, o trono dele preferido.

Passado aquele momento onde nos arrumamos, pois que temos toda uma meticulosa metodologia para sentar, quedamos-nos em silêncio contemplativo aguardando o esperado...

Mais um pouco, o colega do lado deixou escapar um ruidoso vento, com certeza fruto de assuntos misturados... Não me contive, elogiando-lhe a boa saúde; do outro lado ele sorriu e agradeceu, e como estava empolgado, deixou escapar mais algumas locuções numa rouca dicção.

- “Exibido..!” – pensei eu...

Aqui abro uns parênteses, tentando explicar que nessas horas não existem imprecações, pois como o próprio termo deixa explícito, estamos nos aliviando, e todo alívio traduz-se em tranqüilidade, serenidade, mitigação...

Descompromissados, claro que tudo é sempre bem-vindo, e logo entabulamos pequena conversação, desta vez com os verbos corretos, em vozes articuladas e moduladas, ao que o colega lembrando-se de nosso pusilânime presidente Lula, contou uma piada que envolvia imbecilidade.

Outro colega que estava a lavar as mãos, já chegado depois, antecipando-se às minhas gargalhadas, não deixou por menos e começou a contar outra piada com o mesmo presidente poltrão.

Por instantes fugi de mim e alcei vôo, imaginando aquela cena como um observador postado no alto, a ver duas pessoas trancadas e sentadas, e um terceiro em pé, do lado de fora, dirigindo-se à duas portas...; surrealismo, completamente irracional...

A palestra estava indo bem, pois assunto puxa outros assuntos, mas convenhamos que a atmosfera vai começando a se tornar pesada...

Assim, o barulho da descarga nos trouxe de volta à realidade, nos acordou relembrando que fomos ali para coisa mais séria do que simplesmente papear.

Do outro lado, como a não querer ficar para trás, nova descarga pôs um ponto final definitivo em nossa prosa, até porque antes de qualquer descarga, nossa atenção já estar desvirtuada, pois que ninguém consegue deixar de vislumbrar tamanho monumento ali jazendo, cujas formas, volumes, cores e consistências normalmente não se repetirem. Talvez por isso a expressão "obrar"...

Mais barulhos convincentes, tais como assentos sendo movimentados, calças sendo levantadas, um ligeiro pigarro, um ferrolho sendo acionado, e já estamos do lado de fora, numa outra atmosfera, quero dizer, comportamental, pois agora já nos encontramos de novo eretos conforme a evolução, bem vestidos, com nossas poses convencionais, embora desobstruídos e mais leves, a caminho de um bom asseio às mãos.

Convenção é uma coisa séria, portanto agora nossa conversa é mais formal, sem aquela de piadas ou outros sons:

- E aí?!, tudo bem? Como é que vai a família..?


Lembram daquele que estava apenas lavando as mãos? Pois bem..., no outro dia passou lá na sala nos convidando a segui-lo, pois que ia obrar...

Lembrei daqueles convites quando alguém vai ao Banco e agradeci ao colega, pois é como se estivéssemos sem dinheiro...

- Fica para a próxima..! - acabei exclamando...

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O Verde que se vai...
(Paulo Boblitz - ago/2008)


E com ele, os nossos amigos desaparecem...

Agora há pouco, uma amiga maravilhada com uma pequena Coruja pousada em seu Limoeiro, mandou-me fotos da coisa rara...

Outro dia também fiquei um bom tempo observando Rolinhas do alto do meu segundo andar, no quintal do vizinho, onde mais de uma centena delas ciscava o mato e voava de volta para uma Goiabeira. Estavam febris e misturavam-se silenciosas à paisagem...

Moro numa pequena Capital, com edifícios me rondando, asfalto me levando e trazendo, cimento para todos os lados, e ainda consigo ver alguns bichinhos, mas até quando?

Não faz muito tempo, neste mesmo quintal deste mesmo vizinho, morava um Gavião nas duas frondosas árvores que ali existiam, uma Mangueira e uma Pitombeira, que todos os anos davam belas cargas.

Na minha antena parabólica, também habitava uma Coruja... De dia o Gavião reinava; de noite a Coruja era a Senhora...

O fato é que depois que ele cortou as árvores, coisa que não cheguei a entender, pois não construiu nada, o Gavião e a Coruja se mudaram. Agora chegaram os Pombos, que antes não davam as caras por temerem o Gavião, e que agora reinam absolutos sujando e distribuindo doenças, algumas muito graves, pois pessoas desavisadas acham bonito jogar milho nas praças...

Bem cedo de manhã e à tardinha, Garças sobrevoam a minha cabeça, branquinhas de bico comprido, passam silenciosas em grupos distintos, todas numa mesma direção... Moram nos Mangues que nos circundam, pois estes ainda são protegidos... Voam em busca de pastos, onde comem pequenos insetos que fogem das bocas vorazes dos cavalos e vacas que pastam de cabeças baixas. Ficam ali de sentinelas, em pé próximas às bocas dos animais que não estão nem aí para elas...

Até aí o verde também está indo embora, dando lugar às pastagens que secam no rigoroso verão... Até no Campo, o verde começa a fazer falta para os mananciais, e tudo devagar vai se acabando..., assim como o cantar dos pássaros, todos presos em gaiolas egoístas...

No final, daqui a muitos e muitos anos à frente, só teremos fogo..., cinzas..., esterilidades...

O Homem, como uma grave doença para o Planeta, vai selecionando apenas o que gosta: ratos e baratas...

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Glossário:
- Coruja-das-torres: Tyto alba (adora roedores)
- Limoeiro: arvoreta espinhosa e aromática, da família das rutáceas (Citrus limonum), originária da Índia.
- Rola: ave pequena columbiforme (Streptopelia turtur), que se alimenta de sementes de gramíneas.
- Goiabeira: arvoreta da família das mirtáceas (Psidium guayava), nativa da América tropical.
- Gavião: ave de rapina (Accipiter nisus).
- Mangueira: árvore da família das anacardiáceas (Mangifera indica), de origem asiática.
- Pitombeira: árvore da família das sapindáceas (Talisia esculenta), comum no Nordeste brasileiro.
- Pombo: pequena ave columbiforme (Columba palumbus).
- Garça: ave branca ciconiforme, da família Ardeidae.
- Rato: mamífero roedor, rathus rathus.
- Barata: ortóptero onívoro, de corpo achatado e oval, de hábitos noturnos.

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Amor não se perde...
(Paulo Boblitz - jul/2008)


Amor não se perde, nem se desperdiça, porque ele não é matéria, nem energia...

O amor se transforma em saudades, ou outras químicas que nossa mente sempre produz em alquimia...

Ele aparece e desaparece, segundo nossos estímulos, da memória ou do ao vivo...

O amor é inexplicável e indestrutível, nos ronda como elétrons em torno do próton; está sempre alerta para nos impressionar quando menos esperamos...

O amor é uma grande nuvem que circunda a Terra, faz chover em todas as pessoas, estejam elas ou não, agasalhadas...; ninguém consegue ficar imune...; não há vacina que o combata...

O amor machuca e incomoda, ou nos leva ao paraíso quando somos correspondidos..., ou nos dá prazer quando nos doamos...

O amor é renúncia, é abrir mão, é reconhecimento, é salvação...; alguns o confundem com a paixão...

É saber esperar, é educar, é fornecer a têmpera, a educação; é garantir o futuro...

É confiar e ser confiado...

É sofrer calado, é dar sem ser notado, é não falar quando não quer calar, é escutar quando não quer ouvir, é cuidar e não ser cuidado, é aceitar e não ser aceito...

O amor é de mãe, esse que dá a vida pela cria...

O amor faz sonhar, faz sofrer, faz vibrar, faz de tudo com quem ama, com quem o toma, com quem o experimenta e não quer mais largar, porque as cores são mais coloridas, os odores mais cheirosos, o dia mais azul embora cinzas sejam as nuvens...

O amor é elixir, é tônico, é vigor, é o novo que se renova embora tenha uma eternidade como idade.

O amor invade, se repleta de nós pessoas, se demonstra por tantos meios, nos fazendo amar, seja lá o que for...

Amar é simplesmente gostar, não importa se gostados somos; é dar importância, não importa se nos dão atenção...

Amar é ser responsável...

Amar é fazer o que se gosta, e cada um bem pode fazê-lo...; é só começar...

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Perguntando a Deus
(Paulo Boblitz - jul/2008)


Todas as vezes em que termino uma crônica, pergunto a meu Deus se essa não será a minha última...

Ele não me Responde, mas sei que me Ouve...

Também não me preocupo, porque sei que deve existir uma burocracia no Céu... Às vezes entro numa fila grande; outras, a fila é curta...

Meu Anjo da Guarda é que não deve muito gostar, pois além de cuidar de mim, ainda tem que me inspirar...

Sustos, alegrias, imagens, um aroma qualquer, um sabor esquecido que volta a brilhar, uma estrela cadente que passa riscando, uma notícia boa chegando, esse Anjo sabe como fazer as coisas, afinal não existem Anjos incompetentes, e o Chefe é do tipo que sabe cobrar...

Vivo a vida e a deixo passar..., na fila a aguardar, a mente ocupada parece brincar..., aceita o desafio e já começa a intimar..., nos obriga a escolher, continuar a fazer ou parar...

A fumaça como vem, segue em frente seu caminhar...; anoto num cantinho a idéia..., logo vem mais outra e os cantinhos começam a encurtar, mas a fumaça não passa sem defumar...

Meu Deus responde em silêncio, lá de cima devendo aprovar, aquilo que eu acho bonito idealizar... Ficamos confortados por momentos, e isso é o que importa; se confortarmos mais outros, estaremos semeando, coisa boa a distribuir - o verbo que ao Verbo pertence...

E novamente eu pergunto, e meu Deus escuta com paciência; mais trabalho para os Anjos, pois algumas vezes eles precisam se juntar...

Uma abelha voa perto de mim, faz zoar o meu olhar...; o vento deita a rama, faz a flor aparecer..., que cor bonita nos desperta!?

Viro cúmplice da pequena zoadenta... ; será que ela também viu?

O vento balança mais um pouco, e a abelha pára por instantes, toca uma trombeta e surgem outras...

- Campo de flores à vista!, ao trabalho suas molengas..! – ela acaba gritando...

Até eu me mexo, mas não tenho balde... Então paro e observo..., o trânsito sincero de todas elas sem cessar, num ir e vir estonteante, o doce do mel a caminho, mais flores para o futuro, pois um milagre acontece, a polinização agradece, a espécie continua, e as abelhinhas terminam mais um dia...

A Natureza mais uma vez se impõe..., e a quantos?, Deus conseguiu satisfazer...

Numa vida, barulho e silêncio se misturam..., produzem lições..., que aprendemos ou ignoramos..., e minha pergunta é só um exemplo...

Quantas coisas deixamos de perguntar?

* * *

O Caminhar...

(Paulo Boblitz – jul/2008)

O Caminhar começa bem cedo, já na primeira decisão que tomamos na vida, soltarmos de qualquer apoio e arrojarmos-nos à frente, como será a nossa vida dali em diante, desafios e ousadias, algumas quedas e acidentes, um novo recomeçar, uma nova valentia...

O Caminhar é simples e complicado, pois as sendas que escolhemos, são sempre elas que nos destinam, os pontos onde queremos chegar...

O Caminhar é compassado, sempre um pé depois do outro, como o nosso coração que pulsa, num bombeio constante, que não podemos parar...

O Caminhar nem sempre é reto, pois pende para o lado da perna da força, que todo destro ou canhoto conhece, assim como qualquer vida, que experimenta de tudo um pouco, e segue em frente do jeito que pode e consegue...

O Caminhar é silencioso, faz barulho como pode, a depender sobre o que se pisa...

Nos embala em certos instantes, pois cadencia com o pêndulo, como relógio a passar o tempo, tempo que se usa, tempo que se avança, pois só andamos para a frente...

Nos conforta quando estamos sós, pois nos indica que estamos vivos e em movimento, em frente até os horizontes que só prometem, que nós pequenos de longe escolhemos...

Nos leva onde queremos, nos encaminha até o próximo, nos encurta as distâncias, tem a ver com a nossa vontade, se sim ou se não, se praticamos ou não o belo do amor...

Nos traz também, a nós e a quem amamos, pois reconhecemos e aceitamos...

Caminhar significa confiar, pois o apoio se firma único, trocando valores com o outro apoio que por instantes assume, devolvendo a confiança quando da vez dele, e assim nos projetamos, a cada impulso para onde elegemos chegar.

Caminhamos em círculos, onde o amor aliado à música, nos transporta para todos os lugares; navegamos enquanto a magia ressoa, enquanto dura a harmonia, enquanto o abraço nos cadencia os pés. Dançar é caminhar, é ensaiar alçar as nuvens, por momentos mais leves que o ar, onde o espírito se entrega e se solta, caminha só para ele, de mãos dadas com o do outro do par.

Caminhar é semear, é distribuir, é povoar... Assim o Homem tomou posse da Terra, a cada horizonte vencendo, descortinando um novo paraíso...

O Caminhar é longo e não importa o ritmo de cada um; todos chegamos, mais cedo ou mais tarde, no mesmo limiar...

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O Doce do Sal...
(Paulo Boblitz - jul/2008)


O doce suaviza; o sal somente avisa e destaca, nos lembra que é dia, que o sol nos reclama, do dia o labor, da vida o esforço...

O doce fica para a noite..., para o momento de paz, de sossego e descanso, da mente que pensa e relembra, dos olhos que no tempo distante conseguem ver, coisas certas, coisas erradas, coisas belas e estranhas...

O doce é materno; o salgado é paterno...

O doce é regaço; o salino, responsável...

O doce é do momento...; o sal é uma grande tristeza, numa lágrima que sai...

Lembranças costumam misturar os dois, num templo harmonioso, ou em destempero quando um se sobrepõe ao outro...

O doce é a suave brisa que refresca; o sal é a tempestade que a tudo revolve...

Somos todos nós, ávidos por um e por outro, pois que só tendo um, buscamos sempre o outro; é da nossa natureza...

Cansamos do bom, cansamos do mau, buscamos o que não podemos, a liberdade que quando tivermos, nada mais quereremos...

Assim somos nós, incompreensíveis seres dos sabores, pois os sentimos com os olhos, com os ouvidos, com a boca, com o nariz, com os dedos, com a alma que apenas pensa...

Uma tristeza é uma descida, daquela felicidade que nos fez subir, e pouco caminhamos horizontais; estamos sempre em curvas, em voltas, pois que cada busca é um desafio, doce ou salgado, só no fim é que conhecemos...

O amargo não é nenhum dos dois, pois que tenta ser mas não consegue, estranho sabor que nada imprime de saudades, a tudo estraga com seu acre, a tudo corrói com seu ácido.

O doce e o salgado, alternam-se em confiança, como o dia depois da noite. O amargo sempre é solitário, pois não quer outros sabores, como a água que cai, que nunca mais volta.

O sal é picante..., é gratificante, pois ele traz o doce do doce, o suave do suave, veludos que só o espírito consegue sentir, e embalar em papéis bonitos no coração.

Ambos dão sede, pedem a água preciosa que sacia, que nos enche de vida, que brota de nossas emoções quando sorrimos e choramos...

Ambos aglutinam a água que nos rodeia, que nos constrói, que nos batiza, que nos alimenta, enfim que representa nossos humores, pois que sem água não temos sal nem doce...

Meu sal e meu doce, deles eu necessito, deles eu desejo, pois deles eu sempre sou o que quero...

* * *

Caminho de Santiago (em construção)

Chegada em Roncesvalles - 19/mai/2008, 21:32 h de um dia que teimava em não terminar, as nuvens baixas dos Pirineus, prenunciavam o frio que se seguiria...















A noite desce silenciosa, e com seu manto recobre tudo... É a pausa para o dia seguinte, um novo dia a amanhecer...



Enfim o dia se apresenta, e com ele o desafio, muito chão a ser trilhado...