Obrando em comunidade...
(Paulo Boblitz - set/2008)
Toda empresa grande, com muitos empregados, tem um banheiro também grande; isso evita qualquer tipo de fila, ou aperto inusitado...
Outro dia eu estava me dirigindo para o respectivo aposento, e coincidentemente fui seguido por um colega; essa é outra vantagem de se contar com um banheiro grande, pois não nos preocupamos em competições, esse negócio de ter que chegar na frente...
Todo banheiro de empresa é uma espécie de grande salão, com três ou quatro portas enfileiradas, uma grande bancada com algumas pias, e uma bateria de mijadouros, onde normalmente a quarta parede não é utilizada.
Cheguei diante da minha portinhola preferida, pois se não prestaram atenção, estabelecemos ao longo das várias labutas, nosso trono predileto. O colega que vinha logo atrás, ligeiro adentrou na porta do lado, talvez pura coincidência, ou de fato, o trono dele preferido.
Passado aquele momento onde nos arrumamos, pois que temos toda uma meticulosa metodologia para sentar, quedamos-nos em silêncio contemplativo aguardando o esperado...
Mais um pouco, o colega do lado deixou escapar um ruidoso vento, com certeza fruto de assuntos misturados... Não me contive, elogiando-lhe a boa saúde; do outro lado ele sorriu e agradeceu, e como estava empolgado, deixou escapar mais algumas locuções numa rouca dicção.
- “Exibido..!” – pensei eu...
Aqui abro uns parênteses, tentando explicar que nessas horas não existem imprecações, pois como o próprio termo deixa explícito, estamos nos aliviando, e todo alívio traduz-se em tranqüilidade, serenidade, mitigação...
Descompromissados, claro que tudo é sempre bem-vindo, e logo entabulamos pequena conversação, desta vez com os verbos corretos, em vozes articuladas e moduladas, ao que o colega lembrando-se de nosso pusilânime presidente Lula, contou uma piada que envolvia imbecilidade.
Outro colega que estava a lavar as mãos, já chegado depois, antecipando-se às minhas gargalhadas, não deixou por menos e começou a contar outra piada com o mesmo presidente poltrão.
Por instantes fugi de mim e alcei vôo, imaginando aquela cena como um observador postado no alto, a ver duas pessoas trancadas e sentadas, e um terceiro em pé, do lado de fora, dirigindo-se à duas portas...; surrealismo, completamente irracional...
A palestra estava indo bem, pois assunto puxa outros assuntos, mas convenhamos que a atmosfera vai começando a se tornar pesada...
Assim, o barulho da descarga nos trouxe de volta à realidade, nos acordou relembrando que fomos ali para coisa mais séria do que simplesmente papear.
Do outro lado, como a não querer ficar para trás, nova descarga pôs um ponto final definitivo em nossa prosa, até porque antes de qualquer descarga, nossa atenção já estar desvirtuada, pois que ninguém consegue deixar de vislumbrar tamanho monumento ali jazendo, cujas formas, volumes, cores e consistências normalmente não se repetirem. Talvez por isso a expressão "obrar"...
Mais barulhos convincentes, tais como assentos sendo movimentados, calças sendo levantadas, um ligeiro pigarro, um ferrolho sendo acionado, e já estamos do lado de fora, numa outra atmosfera, quero dizer, comportamental, pois agora já nos encontramos de novo eretos conforme a evolução, bem vestidos, com nossas poses convencionais, embora desobstruídos e mais leves, a caminho de um bom asseio às mãos.
Convenção é uma coisa séria, portanto agora nossa conversa é mais formal, sem aquela de piadas ou outros sons:
- E aí?!, tudo bem? Como é que vai a família..?
Lembram daquele que estava apenas lavando as mãos? Pois bem..., no outro dia passou lá na sala nos convidando a segui-lo, pois que ia obrar...
Lembrei daqueles convites quando alguém vai ao Banco e agradeci ao colega, pois é como se estivéssemos sem dinheiro...
- Fica para a próxima..! - acabei exclamando...
* * *
O Verde que se vai...
(Paulo Boblitz - ago/2008)
E com ele, os nossos amigos desaparecem...
Agora há pouco, uma amiga maravilhada com uma pequena Coruja pousada em seu Limoeiro, mandou-me fotos da coisa rara...
Outro dia também fiquei um bom tempo observando Rolinhas do alto do meu segundo andar, no quintal do vizinho, onde mais de uma centena delas ciscava o mato e voava de volta para uma Goiabeira. Estavam febris e misturavam-se silenciosas à paisagem...
Moro numa pequena Capital, com edifícios me rondando, asfalto me levando e trazendo, cimento para todos os lados, e ainda consigo ver alguns bichinhos, mas até quando?
Não faz muito tempo, neste mesmo quintal deste mesmo vizinho, morava um Gavião nas duas frondosas árvores que ali existiam, uma Mangueira e uma Pitombeira, que todos os anos davam belas cargas.
Na minha antena parabólica, também habitava uma Coruja... De dia o Gavião reinava; de noite a Coruja era a Senhora...
O fato é que depois que ele cortou as árvores, coisa que não cheguei a entender, pois não construiu nada, o Gavião e a Coruja se mudaram. Agora chegaram os Pombos, que antes não davam as caras por temerem o Gavião, e que agora reinam absolutos sujando e distribuindo doenças, algumas muito graves, pois pessoas desavisadas acham bonito jogar milho nas praças...
Bem cedo de manhã e à tardinha, Garças sobrevoam a minha cabeça, branquinhas de bico comprido, passam silenciosas em grupos distintos, todas numa mesma direção... Moram nos Mangues que nos circundam, pois estes ainda são protegidos... Voam em busca de pastos, onde comem pequenos insetos que fogem das bocas vorazes dos cavalos e vacas que pastam de cabeças baixas. Ficam ali de sentinelas, em pé próximas às bocas dos animais que não estão nem aí para elas...
Até aí o verde também está indo embora, dando lugar às pastagens que secam no rigoroso verão... Até no Campo, o verde começa a fazer falta para os mananciais, e tudo devagar vai se acabando..., assim como o cantar dos pássaros, todos presos em gaiolas egoístas...
No final, daqui a muitos e muitos anos à frente, só teremos fogo..., cinzas..., esterilidades...
O Homem, como uma grave doença para o Planeta, vai selecionando apenas o que gosta: ratos e baratas...
* * *
Glossário:
- Coruja-das-torres: Tyto alba (adora roedores)
- Limoeiro: arvoreta espinhosa e aromática, da família das rutáceas (Citrus limonum), originária da Índia.
- Rola: ave pequena columbiforme (Streptopelia turtur), que se alimenta de sementes de gramíneas.
- Goiabeira: arvoreta da família das mirtáceas (Psidium guayava), nativa da América tropical.
- Gavião: ave de rapina (Accipiter nisus).
- Mangueira: árvore da família das anacardiáceas (Mangifera indica), de origem asiática.
- Pitombeira: árvore da família das sapindáceas (Talisia esculenta), comum no Nordeste brasileiro.
- Pombo: pequena ave columbiforme (Columba palumbus).
- Garça: ave branca ciconiforme, da família Ardeidae.
- Rato: mamífero roedor, rathus rathus.
- Barata: ortóptero onívoro, de corpo achatado e oval, de hábitos noturnos.
* * *
Amor não se perde...
(Paulo Boblitz - jul/2008)
Amor não se perde, nem se desperdiça, porque ele não é matéria, nem energia...
O amor se transforma em saudades, ou outras químicas que nossa mente sempre produz em alquimia...
Ele aparece e desaparece, segundo nossos estímulos, da memória ou do ao vivo...
O amor é inexplicável e indestrutível, nos ronda como elétrons em torno do próton; está sempre alerta para nos impressionar quando menos esperamos...
O amor é uma grande nuvem que circunda a Terra, faz chover em todas as pessoas, estejam elas ou não, agasalhadas...; ninguém consegue ficar imune...; não há vacina que o combata...
O amor machuca e incomoda, ou nos leva ao paraíso quando somos correspondidos..., ou nos dá prazer quando nos doamos...
O amor é renúncia, é abrir mão, é reconhecimento, é salvação...; alguns o confundem com a paixão...
É saber esperar, é educar, é fornecer a têmpera, a educação; é garantir o futuro...
É confiar e ser confiado...
É sofrer calado, é dar sem ser notado, é não falar quando não quer calar, é escutar quando não quer ouvir, é cuidar e não ser cuidado, é aceitar e não ser aceito...
O amor é de mãe, esse que dá a vida pela cria...
O amor faz sonhar, faz sofrer, faz vibrar, faz de tudo com quem ama, com quem o toma, com quem o experimenta e não quer mais largar, porque as cores são mais coloridas, os odores mais cheirosos, o dia mais azul embora cinzas sejam as nuvens...
O amor é elixir, é tônico, é vigor, é o novo que se renova embora tenha uma eternidade como idade.
O amor invade, se repleta de nós pessoas, se demonstra por tantos meios, nos fazendo amar, seja lá o que for...
Amar é simplesmente gostar, não importa se gostados somos; é dar importância, não importa se nos dão atenção...
Amar é ser responsável...
Amar é fazer o que se gosta, e cada um bem pode fazê-lo...; é só começar...
* * *
Perguntando a Deus
(Paulo Boblitz - jul/2008)
Todas as vezes em que termino uma crônica, pergunto a meu Deus se essa não será a minha última...
Ele não me Responde, mas sei que me Ouve...
Também não me preocupo, porque sei que deve existir uma burocracia no Céu... Às vezes entro numa fila grande; outras, a fila é curta...
Meu Anjo da Guarda é que não deve muito gostar, pois além de cuidar de mim, ainda tem que me inspirar...
Sustos, alegrias, imagens, um aroma qualquer, um sabor esquecido que volta a brilhar, uma estrela cadente que passa riscando, uma notícia boa chegando, esse Anjo sabe como fazer as coisas, afinal não existem Anjos incompetentes, e o Chefe é do tipo que sabe cobrar...
Vivo a vida e a deixo passar..., na fila a aguardar, a mente ocupada parece brincar..., aceita o desafio e já começa a intimar..., nos obriga a escolher, continuar a fazer ou parar...
A fumaça como vem, segue em frente seu caminhar...; anoto num cantinho a idéia..., logo vem mais outra e os cantinhos começam a encurtar, mas a fumaça não passa sem defumar...
Meu Deus responde em silêncio, lá de cima devendo aprovar, aquilo que eu acho bonito idealizar... Ficamos confortados por momentos, e isso é o que importa; se confortarmos mais outros, estaremos semeando, coisa boa a distribuir - o verbo que ao Verbo pertence...
E novamente eu pergunto, e meu Deus escuta com paciência; mais trabalho para os Anjos, pois algumas vezes eles precisam se juntar...
Uma abelha voa perto de mim, faz zoar o meu olhar...; o vento deita a rama, faz a flor aparecer..., que cor bonita nos desperta!?
Viro cúmplice da pequena zoadenta... ; será que ela também viu?
O vento balança mais um pouco, e a abelha pára por instantes, toca uma trombeta e surgem outras...
- Campo de flores à vista!, ao trabalho suas molengas..! – ela acaba gritando...
Até eu me mexo, mas não tenho balde... Então paro e observo..., o trânsito sincero de todas elas sem cessar, num ir e vir estonteante, o doce do mel a caminho, mais flores para o futuro, pois um milagre acontece, a polinização agradece, a espécie continua, e as abelhinhas terminam mais um dia...
A Natureza mais uma vez se impõe..., e a quantos?, Deus conseguiu satisfazer...
Numa vida, barulho e silêncio se misturam..., produzem lições..., que aprendemos ou ignoramos..., e minha pergunta é só um exemplo...
Quantas coisas deixamos de perguntar?
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O Caminhar...
(Paulo Boblitz – jul/2008)
O Caminhar começa bem cedo, já na primeira decisão que tomamos na vida, soltarmos de qualquer apoio e arrojarmos-nos à frente, como será a nossa vida dali em diante, desafios e ousadias, algumas quedas e acidentes, um novo recomeçar, uma nova valentia...
O Caminhar é simples e complicado, pois as sendas que escolhemos, são sempre elas que nos destinam, os pontos onde queremos chegar...
O Caminhar é compassado, sempre um pé depois do outro, como o nosso coração que pulsa, num bombeio constante, que não podemos parar...
O Caminhar nem sempre é reto, pois pende para o lado da perna da força, que todo destro ou canhoto conhece, assim como qualquer vida, que experimenta de tudo um pouco, e segue em frente do jeito que pode e consegue...
O Caminhar é silencioso, faz barulho como pode, a depender sobre o que se pisa...
Nos embala em certos instantes, pois cadencia com o pêndulo, como relógio a passar o tempo, tempo que se usa, tempo que se avança, pois só andamos para a frente...
Nos conforta quando estamos sós, pois nos indica que estamos vivos e em movimento, em frente até os horizontes que só prometem, que nós pequenos de longe escolhemos...
Nos leva onde queremos, nos encaminha até o próximo, nos encurta as distâncias, tem a ver com a nossa vontade, se sim ou se não, se praticamos ou não o belo do amor...
Nos traz também, a nós e a quem amamos, pois reconhecemos e aceitamos...
Caminhar significa confiar, pois o apoio se firma único, trocando valores com o outro apoio que por instantes assume, devolvendo a confiança quando da vez dele, e assim nos projetamos, a cada impulso para onde elegemos chegar.
Caminhamos em círculos, onde o amor aliado à música, nos transporta para todos os lugares; navegamos enquanto a magia ressoa, enquanto dura a harmonia, enquanto o abraço nos cadencia os pés. Dançar é caminhar, é ensaiar alçar as nuvens, por momentos mais leves que o ar, onde o espírito se entrega e se solta, caminha só para ele, de mãos dadas com o do outro do par.
Caminhar é semear, é distribuir, é povoar... Assim o Homem tomou posse da Terra, a cada horizonte vencendo, descortinando um novo paraíso...
O Caminhar é longo e não importa o ritmo de cada um; todos chegamos, mais cedo ou mais tarde, no mesmo limiar...
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O Doce do Sal...
(Paulo Boblitz - jul/2008)
O doce suaviza; o sal somente avisa e destaca, nos lembra que é dia, que o sol nos reclama, do dia o labor, da vida o esforço...
O doce fica para a noite..., para o momento de paz, de sossego e descanso, da mente que pensa e relembra, dos olhos que no tempo distante conseguem ver, coisas certas, coisas erradas, coisas belas e estranhas...
O doce é materno; o salgado é paterno...
O doce é regaço; o salino, responsável...
O doce é do momento...; o sal é uma grande tristeza, numa lágrima que sai...
Lembranças costumam misturar os dois, num templo harmonioso, ou em destempero quando um se sobrepõe ao outro...
O doce é a suave brisa que refresca; o sal é a tempestade que a tudo revolve...
Somos todos nós, ávidos por um e por outro, pois que só tendo um, buscamos sempre o outro; é da nossa natureza...
Cansamos do bom, cansamos do mau, buscamos o que não podemos, a liberdade que quando tivermos, nada mais quereremos...
Assim somos nós, incompreensíveis seres dos sabores, pois os sentimos com os olhos, com os ouvidos, com a boca, com o nariz, com os dedos, com a alma que apenas pensa...
Uma tristeza é uma descida, daquela felicidade que nos fez subir, e pouco caminhamos horizontais; estamos sempre em curvas, em voltas, pois que cada busca é um desafio, doce ou salgado, só no fim é que conhecemos...
O amargo não é nenhum dos dois, pois que tenta ser mas não consegue, estranho sabor que nada imprime de saudades, a tudo estraga com seu acre, a tudo corrói com seu ácido.
O doce e o salgado, alternam-se em confiança, como o dia depois da noite. O amargo sempre é solitário, pois não quer outros sabores, como a água que cai, que nunca mais volta.
O sal é picante..., é gratificante, pois ele traz o doce do doce, o suave do suave, veludos que só o espírito consegue sentir, e embalar em papéis bonitos no coração.
Ambos dão sede, pedem a água preciosa que sacia, que nos enche de vida, que brota de nossas emoções quando sorrimos e choramos...
Ambos aglutinam a água que nos rodeia, que nos constrói, que nos batiza, que nos alimenta, enfim que representa nossos humores, pois que sem água não temos sal nem doce...
Meu sal e meu doce, deles eu necessito, deles eu desejo, pois deles eu sempre sou o que quero...
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