Aracaju - Lençóis (Chapada Diamantina) - quinto dia

Se existe uma coisa gostosa,

essa coisa se chama Desafio...

É gostoso quando o aceitamos.

É gostoso enquanto o vamos cumprindo.

É gostoso quando o damos por terminado...

Vira bom passado, boa lição,

mais uma história a ser contada...


Itaberaba - Lençóis
(Paulo R. Boblitz - 5/jan/2013)

Era ainda noite quando saí do hotel. Tato ficara dormindo, mas ele podia, pois pedala muito forte e nos pegaria depois. Rogério e Aldo, saindo do outro hotel, me pegariam também mais adiante.

Ainda escuro, as poucas pessoas que me viam de bicicleta, carregado e piscando, permaneciam com estranheza me olhando. Por certo, isso não é lá muito natural...

Em pouco tempo eu passava por baixo do viaduto da rodovia que nos levaria até Lençóis. As carretas madrugadoras já enchiam de barulho e de fumaça, a pacata madrugada fria e gostosa, bem diferente de quando o sol reina em seu esplendor de assar nossos quengos.

O sol já ia alto quando Rogério e Aldo me alcançaram, escoltados pelos Diretores da Associação dos Ciclistas de Itaberaba, Ivan, Gilvan, Fredson e nosso anfitrião Francisco Neto. Levantaram bem cedo ainda madrugada para nos fazer tal cortesia. Pedalaram conosco por cerca de 25 quilômetros, até o entroncamento que leva até Boa Vista do Tupim, quando paramos debaixo de uma bela sombra e nos despedimos; eram quase 7 da manhã...

Devagar começamos a subir aquilo que só pararia lá pelo km 81, aos 730 metros, aliás, estávamos subindo desde que saíramos de Itaberaba, mas daquele ponto em diante, a subida seria mais valente...

Seria um dia difícil, o mais longo, o que teria mais metros em subidas acumuladas, mas por incrível que pareça, e apresentarei pequena tabela no final, quanto mais exigimos dos nossos corpos, mais ele se condiciona como máquina perfeita e quase perpétua, pois está a se regenerar incansável enquanto trabalhamos e descansamos, perfeição divina...

Meu machucado, aquele belo pedaço escalpelado do braço esquerdo, em cinco dias com o metabolismo acelerado, estava completamente seco e cicatrizado. Pensando bem, até nossas bundas estavam aquietadas, quem sabe calejadas e caladas por saberem que não pararíamos enquanto não chegássemos...

Tato e Rogério, com seus ritmos acelerados, partiram à frente, enquanto eu e o Aldo pedalávamos atrás. Nossos ritmos eram bem diferentes, mas pouco importava, pois sempre chegávamos juntos, sempre estávamos juntos reunidos nalgum lugar, exceção de Santo Estevão, que como bom santo daquela terra, talvez tenha tido algo a nos ensinar...

Repito: o dia não seria fácil. Entre Itaberaba e Lençóis não existem muitas paradas, e a primeira que encontramos, cerca das 11 horas muito quente, foi quase 46 quilômetros distantes de Itaberaba. Estávamos todos com muita fome, pois havíamos acordado bem cedo naquele dia. Encontramos Tato deitado pelo chão, descansando já almoçado, e pedimos alguma coisa para comer. Tomei duas jarras de suco de melão, comi pouco e deixei todos três descansando, não sem antes jogar-me debaixo do chuveiro com capacete e tudo. Era a segunda vez que fazia aquilo, mas a sensação gostosa durava pouco, pois em meia hora no máximo, tudo já estava seco e o mormaço novamente tomava conta de tudo...

Só aos 70 quilômetros percorridos é que encontraríamos outro oásis, onde novamente paramos para abastecimento de sucos e de águas. Descanso? Que nada! Estávamos ainda na metade do caminho daquele dia...

Envernizado, deixei os três para trás e segui, pois se havia alguma coisa a ser cumprida, que ela fosse logo. Cheguei nas Grutas Católicas, parei e fotografei; fiquei triste por não poder visitá-las, porque a hora e o ponto no trajeto não me permitiam...

Montei e comecei a pedalar, e mais um pouco chegava no Bar do Bode, onde apeei diante dos olhares dum baiano pitoresco, moreno escuro, olhos azulados, que sorridente perguntou de onde eu vinha. Pedi uma porção de bode assado, de preferência as costelas, mas estas estavam poucas. Devagar fui me despindo do capacete, das luvas, da balaclava que me protegia as orelhas, da fralda de bebê que me recolhia os suores da cabeça, da testeira que tentava impedir o suor de entrar nos olhos, e sentado a conversar, vi chegar o Tato, mais um pouco o Rogério, e pouquinho tempo depois, o Aldo.

A porção de bode já estava servida, e com farinha foi sendo absorvida por todos, uma delícia... Quando saímos de lá, de novo na estrada, Rogério avistando um jegue, nos mostrou o "bode" que acabáramos de comer, mas não lhe demos atenção, pois bode ou jegue, estava delicioso...

Minha Cor, como aquele baiano bem moreno havia me chamado, sorridente informara que agora era só descida, mas que depois teríamos que novamente subir. Estávamos no km 88, quatro e meia da tarde com um sol ainda forte, última parada até quase chegarmos em Lençóis, ainda cerca de 60 quilômetros à frente...

Minha preocupação agora eram meus dois filhos, cada um num carro, que estavam nos buscando, um dirigindo o Picasso Citroën do Rogério, o Paulo Henrique, e o outro dirigindo a minha Saveiro, o Fernando Henrique, que deveriam estar a qualquer momento, passando por ali. Nos apressamos e mais um pouco ouvíamos a buzina nos alertando. Paramos todos e nos livramos de nossas tralhas pesadas, e de repente começamos a voar sem peso, livres como as bicicletas nos informavam como estávamos.

Cinco e meia da tarde, passando pelo entroncamento de Lagedinho, 100 quilômetros percorridos; faltavam ainda, pelo menos, uns 45 quilômetros. O sol já anunciava sua renúncia, quando a noite chega devagar e vai tomando conta...

Sete e meia da noite, passando por uma vila, a última antes de chegarmos em Lençóis, no entroncamento que levava até o aeroporto. Olhei para o GPS e a mensagem que ele me remetia era desalentadora: faltando 20 quilômetros para o final, ele estava disposto a me abandonar. Procurei uma tomada elétrica para pequena carga, mandei todos seguirem à frente, pois depois os alcançaria, e por 15 minutos descansei, tempo suficiente para que meu trajeto fosse concluído.

Meus filhos, emparelhados, aguardavam-me. Que eles seguissem para dar apoio aos que iam na frente, pois logo os pegaria, como os peguei. Na subida forte perto pouco antes de chegar em Lençóis, lá estavam o Fernando e o Rogério me aguardando, lugar de pouco progresso numa bela subida, já bastante cansado, curva à esquerda, outra curva à direita, o céu a mostrar a Via Láctea cheia de estrelas, pedacinho de Deus nos encantando com sua alvura cintilante, estrelas, milhões delas nos informando que vivemos num cantinho especial, nossa Terra pequenina e azul, onde todos os dramas acontecem, onde todos os esforços, como os nossos, representam nada para a vida, que segue impávida semeando vida e morte pela frente, mas que nós, diante das mesmices dela, resolvemos fazer algumas diferenças.

Estava escuro que nem breu. Há algum tempo eu vinha sentindo cheiro de fumaça, e numa das tantas curvas daquela última subida insana, vi o fogo rasteiro e pequenino, afinal era noite e ele procurava se manter às próprias custas para não extinguir-se, pois que tudo nessa vida é para valer, inclusive o fogo que queima, pois uma vez aceso, cumpre o próprio papel que lhe cabe...

Já em casa descansando, vejo a triste notícia que ele arde na Chapada, queimando vidas, a tudo transformando em cinzas, matando tudo, para que tudo renasça na primeira chuva...

Meu filho Fernando, ao longe é o baliza... Suas duas lanternas vermelhas nos indicam o horizonte, subindo ou descendo, quando o conseguimos acompanhar, porque a Gravidade assim nos incentiva. Ele, por certo, nos vê pelo retrovisor, ligando o pisca-alerta quando enxerga ao longe, dois faróis arrogantes, quatro rodas sustentadas por muitos cavalos de potência, a nos chegarem por trás com velocidade, que sem bem entenderem a inusitada figura de duas pequenas lanternas traseiras vermelhas piscando, diminuem a velocidade, passando bem ao largo em segurança para nós.

Loucos..!, deviam exclamar seguros em suas carlingas climatizadas, onde o pé, assim como os nossos, impõem a velocidade. A diferença dos pés reside nos cavalos: enquanto eles tangem os deles empurrando os pés para baixo, nós tangemos os nossos que são extremamente pesados conforme as subidas vão nos cobrando, em ciclos, primeiro um, depois o outro, quando a corrente, em rangidos, vai transformando nossos desejos em metros, nossas forças em lentos avanços, nossas vontades que bem acompanham nossas mentes, senhoras de músculos e metas...

A bela subida enfim terminou, bela porque toda subida é conquistada, e começamos a descer, nada de pedais, somente freios, ventos e paisagens, no nosso caso as riscas no asfalto, que seguíamos à risca, pois elas nos indicavam a direção do bem seguir. Mais um pouco e vislumbrávamos a cidade de Lençóis, bem lá embaixo como se num buraco; o limite estava findando...

Nossa última curva nos fez ultrapassar uma ponte. Em seguida, a cidade nos apresentou nossa última subida, onde duas crianças nos acompanharam, até que no topo nos despedimos. Lençóis em seu esplendor, cidade que de dia dorme, que de noite acorda, pois que de dia todos estão nas trilhas, e de noite todos estão em festa...

Tato nos fazia sinais, e lá encostamos. Aldo havia ido até a pousada e junto voltou trazendo Dona Iracy, nossa Hospedeira nos próximos dois dias, que também pedala num grupo só de mulheres, há 10 anos, o Grupo Ciclista Feminino Pedal Brilhante, cerca de 105 integrantes. Suas trilhas sempre são acompanhadas por Bombeiros, um Mecânico, além de um carro de apoio. Por favor, visitem a notícia da última trilha:

http://revistapolicial-deltapapamike.blogspot.com.br/2012/09/cippalencois-faz-caminhada-ecologica.html

Novamente todos juntos, cansados, muita sede, doloridos mas muito, muito mesmo, todos felizes, partimos para a pousada, tomarmos um banho, encostarmos as bicicletas, enfim curtir Lençóis, a começar pelos macarrões, e mesmo assim quase que não pegávamos, porque já estava muito tarde e a casa precisava fechar. Chegamos em Lençóis passando 5 minutos das 9 horas, depois de 15 horas e 57 minutos pedalando...

Ao todo nesse dia foram 145,84 km, em 16 horas e 29 minutos, queimando 10.056 calorias, quando vencemos 2.195 metros em subidas acumuladas. Estava um dia tão abafado, que o Tato parou e em plena rodovia ficou apenas de cuecas para trocar de roupas. Pôs ele a culpa num gelo amarronzado que arrumou numa das paradas que fizemos, utilizando-o como água de banho para refrescar.

Em momento algum tivemos carro de apoio, quando pusemos nossos Anjos da Guarda para trabalhar, nossos únicos apoiadores, além de nós mesmos com nossas brincadeiras, nossas rabugices, nossas teimosias, nossas lideranças, nossos improvisos, enfim, nossa convivência que ao mesmo tempo foi fácil e não muito fácil, pois em grupo existem as divergências, as concordâncias, as preferências, tudo aquilo que encontramos em nossos dias, multiplicado pelo somatório de todas as adrenalinas envolvidas, sempre altas como nossos giros...

Satisfeitos e felizes, agora fartos com comida, voltamos para a pousada. A noite era de bom sono...

Dona Iracy fabrica uns sorvetes caseiros, e já antes do café da manhã, estava eu com a minha colher, sabor de côco, saboroso e cheio da fruta. Acho que nossas despesas com sorvetes, foram maiores do que com as dormidas, pois já na noite anterior, quase acabamos com o estoque dela. Aos interessados, trata-se de uma pousada que nem placa tem, ou seja, bem familiar, instalações simples, porém confortáveis, café da manhã muito colorido da fartura que ele traz, e o melhor de tudo, a simpatia da família que tem o prazer em bem receber. Se forem a Lençóis, procurem por Dona Iracy, telefones (75) 3334-1924, ou (75) 9982-7079.

Meus filhos foram conhecer as grutas e cachoeiras pela região; eu fiquei para me organizar, separar o sujo do que era limpo, arrumar a tralha espalhada. Aldo, Rogério e Tato já haviam descoberto um bar, e para lá me fui chegando, não sem antes comprar um chapéu que me separasse do sol queimador. Cheguei enfim até o bar, mas achei-o meio quente, quando o atendente nos levou até os fundos, local onde corria leve brisa, debaixo de uma gostosa sombra de abacateiros. Nessas horas, qualquer macarrão vira prato nobre, e o austríaco dono do bar, caprichou nas nossas macarronadas, molho branco supimpa, porções fartas para famintos.

Enquanto a comida não chegava, jogávamos conversa fora, ao som baixinho de gente da terra. Enquanto a comida não era servida, ia filando a cerveja do Tato, deliciosa, pesada Heineken, ao mesmo tempo que bicava uma pinga seca, sem cor nenhuma, aroma simples com descida bem suave.

Enquanto o almoço não vinha, mas anunciava-se pelo aroma cativante, íamos nos lembrando de nossos causos, até que resolveram mangar do meu novo chapéu com LEDs na aba dianteira...

Comida na mesa, todos calaram e ficaram sérios, afinal agora era a hora do mastigar. Mais cerveja para mim e Tato, mais sucos para Aldo e Rogério. Terminamos e voltamos para a pousada. Resolvi tirar um cochilo e só acordei no dia seguinte, coisa de 5 e meia da manhã, hora de recolhermos tudo e prepararmos a nossa volta.


Alojamos as bicicletas na Saveiro, os alforjes no Citroën e partimos. Seria um longo dia de estrada...

Gostaria que analisassem a pequena tabela que construí em Excel, pois conforme os dias vão passando, o cansaço acumulando, as dores fazendo-se sentir, o condicionamento interno vai melhorando. Por favor, verifiquem que os dias vão piorando, as calorias queimadas aumentando, mas o coração numa boa, bomba bem calibrada, calmo e tranqüilo cumprindo seu fiel papel.

Essa é a dádiva de qualquer esporte, o de melhorar a saúde sempre sem pestanejar, mas um bom aviso: qualquer exagero é venenoso. Assim, antes de iniciar qualquer atividade, consulte seu médico, verifique seus limites, não importa a idade que você tenha.

* * *

Aracaju - Lençóis (Chapada Diamantina) - quarto dia

Em bicicleta, como em qualquer vida,

há o tempo bom e o tempo ruim.

Só lembramos do que é bom,

mesmo que ele passe ligeiro...


Santo Estevão - Itaberaba
(Paulo R. Boblitz - 4/jan/2013)

Foi um dia muito bom e gostoso, onde rendemos bem, mesmo com a dita bastante dolorida...

Logo cedo estávamos reunidos no hotel para o café da manhã, em Santo Estevão, e mais um pouco nos arrumávamos para partir. Precisei sair na frente, pois não estava encontrando água mineral com gás, e assim, não
atrasaria o grupo.

Foi um dia de longas retas, por certo de bons ventos que vez ou outra nos ajudavam empurrando, mesmo assim não deixando de ser quente.

Coisa gostosa é quando você estabelece alguma meta, melhor ainda quando ela é visível...

Refiro-me à grande rocha que deu nome à cidade, segundo o Francisco Neto, nosso anfitrião naquela noite, Itaberaba, que os antigos moradores da região, os índios, que a chamavam assim porque ela brilha, sendo por isso, palco de reuniões de todos eles em seus rituais. Isso foi há muito tempo...

Talvez o brilho aconteça em período especial do ano, talvez numa determinada hora quando o sol lhe banhe com seus raios dourados. O fato é que não vi nenhum brilho, mas acompanhei-a desde o momento em que a vi pequenina no meu horizonte, à direita, solitária na imensa planície, como um cuscuz marrom que a cada quilômetro meu, ia crescendo e tomando corpo, dominando a tudo como sentinela isolada.

À minha esquerda, ao longe esfumaçado, as pontas de um mundo de montanhas, antevendo o que seria a grande Chapada Diamantina, terra dos diamantes generosos que encheram de felicidade, e de tristezas, as tantas histórias de bravos que viveram mergulhados em grotas e águas, perigos e doenças, para o patrão enriquecer.

Ali por perto o rio Paraguaçu (água grande), que dá nome ao extenso vale por onde corre. Vez ou outra nos encontrávamos, mas voltávamos a nos distanciar uns dos outros, prevalecendo a dupla Rogério e Tato lá na frente, eu e Aldo cá atrás, afinal estávamos sentados sobre nossas devidas limitações.

Ciclismo tem um monte de coisas interessantes e engraçadas, e essa é mais uma delas, a de podermos perguntar como vai a bunda do parceiro, e ele responder na boa, que vai bem, obrigado... Façamos uma pergunta dessas num outro contexto, de repente pode até rolar facada...

Lembro que nesse dia eu estava andando muito bem, e logo me encontrava com o Tato, descansando num posto de gasolina, rodeado por uns três meninos, cada um deles também com uma bicicleta. Ele já havia almoçado, e eu quase não pegava mais o almoço, pois já o estavam recolhendo.

Almocei gostoso ao sabor de uma jarra de suco de manga, e ali também estendi as pernas. Soprava um vento morno que ia ficando cada vez mais forte, formando nuvens de chuva, trazendo moleza para o corpo que ávido por descanso, começava a entender que a etapa estava terminada.

Mais um pouco chegaram Aldo e Rogério. Eu já estava abrindo a boca de tanto sono, por isso era hora de levantar acampamento. Os dois pediriam alguma coisa, e eu adiantaria o meu lado. Montei e saí devagar, curtindo o bom ventinho e subindo a leve ladeira, esquentando as pernas novamente, procurando posição boa sobre a sela, enfim seguindo em frente, pois que não havia carro de apoio, nem tampouco retorno. Era ir e ir...

Absorto com a linda rocha que ficava cada vez maior, e com as serras ao longe, dentilhadas contra o céu, Tato logo me alcançou e disparou...

Mais um pouco me alcançou o Rogério, e disparou também...

Aldo também chegou e passamos a andar juntos. Itaberaba não estava longe...

Próximos da entrada da cidade, parei diante de um grande cartaz que anunciava o hotel Bela Vista. Mostrei para o Aldo e duvidei que aquela foto daquele quarto não deveria ser real. Ele riu e informou que o Francisco Neto já havia providenciado hospedagem para nós. Dei de ombros e partimos novamente, mas achando que deveríamos conhecer o tal hotel.

O sol já havia se escondido, mas ainda era dia quando chegamos no posto da Polícia Rodoviária Federal, bem no entroncamento da entrada de Itaberaba, onde paramos para pedir informações, e o Aldo ligar para o amigo.

Fiquei desconcertado quando o Policial apontou a cidade para o lado contrário ao que a placa indicava, mas ele logo emendou:

- É porque quem vem de carro, precisa sair da rodovia e fazer o contorno, mas vocês estão de bicicleta, portanto podem entrar direto à esquerda.

Ligamos nossos faróis e nossas lanternas, enveredando pela contramão, afinal já havíamos pedalado bastante naquele dia, e ninguém daria por falta uns 100 ou 150 metros do total.

Tato já estava fazia tempo na cidade, e até já havia visto algum hotel, mas eu estava com o Bela Vista na cabeça, afinal, meu grande prêmio sempre será uma boa cama, um bom sossego...

E o Bela Vista apareceu bem de esquina, iluminado e novo. Paramos e fui perguntar o valor da diária: R$ 95,00, cama box, ar condicionado, chuveiro quente, café da manhã a partir das três da manhã. Noventa reais, acabou fechando o Gerente. Estava um preço salgado com sal grosso, mas o quarto era como o mostrado naquele cartaz da estrada. Desci e dei a não boa notícia para o grupo. Francisco Neto, o amigo do Aldo, já havia chegado. Ele conseguira negociar um quarto para nós quatro, pois a pousada estava cheia.

Pensei muito pouco para decidir: o dia seguinte seria o nosso último e o nosso pior, em quilometragem e em subidas. Agradeci e fiquei por ali; Tato também ficou. Rogério e Aldo seguiram para a pousada, mas todos combinamos em sair mais tarde para uma pizza, afinal era sexta-feira e a grande praça estava com seus acessos fechados ao trânsito, onde a criançada andava com suas pequenas bicicletas pela larga avenida, cheia de mesas e cadeiras, cada recanto com seus sabores...

Soprava uma brisa forte refrescante que trazia o burburinho de tantas vozes misturadas aos perfumes das noites; era dia de todas as casas cheias. Pedimos nossas pizzas, conversamos muita conversa fora e demos por encerrada a jornada. Era intenção de todos, sair ainda escuro, pois a última etapa não seria fácil, mas isso ficaria para o dia seguinte.

No hoje, o que eu queria mesmo era dormir...

De Santo Estevão até Itaberaba foram 127,63 km, em 10 horas e 23 minutos, queimando 6.190 calorias, vencendo 1.329 metros em subidas acumuladas.

* * *

Aracaju - Lençóis (Chapada Diamantina) - terceiro dia

Pedalar é exercitar, fazer girar cada pedal,

subir ladeiras e suar,

visitar lugares já visitados,

parar cansado e descansar, afinal,

no dia seguinte, é tudo outra vez...


Alagoinhas - Santo Estevão
(Paulo R. Boblitz - 3/jan/2013)


Foi um dia muito difícil, porque já começamos a pedalar com a bunda doendo. Não sei o que doía mais, se a levantarmos do selim, ou se mantê-la sentada nele. O fato é que desse dia em diante, as coisas só piorariam, claro falando mais sobre mim, mas também dos outros, pois que não estava fácil para ninguém.

Assim, comecemos pelos números: foram 125,05 km pedalados, em 12 horas e 44 minutos, queimando 9.094 calorias, e subindo acumulados 1.578 metros, no que achei o dia mais quente até ali.

Até então estávamos dando sorte, pois a nebulosidade vinha nos acompanhando desde o primeiro dia, meio escondendo o sol, o que minimizava de certa forma, o calor, mas nesse dia estava um mormaço forte, daqueles de nos deixar tontos quando paramos.

A rodovia mais parecia com uma avenida, tamanho movimento indo e vindo, aumentando o desconforto, pois não só os motores fazem barulho, mas os pneus também. Vez ou outra, indistintamente se automóvel, ônibus ou caminhão, nos lançavam seus cumprimentos em buzinadas, como se nos reconhecendo os esforços, num lugar que, segundo um daqueles moradores, cágado anda nas pontas das unhas, para não esquentar a barriga...

Viajando em grupo, sinceramente não me preocupo com a liderança, pois sei que ela é desenvolvida ao longo das várias jornadas, não por um único líder, mas em rodízio por todos, às vezes até em paralelo, quando o grupo se divide ao longo do dia. O que quero dizer é que nenhum grupo tem chefe, pois o bom senso sempre prevalece entre os que querem apenas se divertir.

Almoçamos num posto de gasolina bem grande, quase defronte da entrada para Conceição do Jacuípe, desses que têm vários serviços a oferecer. Parar para almoçar nem sempre é bom, mas nesse dia estava como obrigatório, pois que a preguiça se insinua através de nossas barrigas cheias, enchendo-nos de uma grande moleza. Terminado o almoço, saímos eu e o Aldo, deixando para trás o Tato e o Rogério, que haviam resolvido tirar uma soneca. Dali até Feira de Santana, seriam cerca de 24 km, e quando já estávamos chegando próximos, Tato e Rogério nos alcançaram, e pedalando mesmo, resolvemos seguir por fora, por um anel de contorno, o que descobrimos, na prática, ter sido uma decisão infeliz, pela quantidade de veículos, e pior ainda pela falta de acostamentos em diversos pontos, o que só fazia aumentar ainda mais o estresse que o dia vinha causando.

Tato e Rogério se adiantaram, e eu e Aldo resolvemos parar num restaurante, comprar água, tomar um suco, chupar um sorvete, ir no banheiro, enfim, descansar. Foi o suficiente para nos desencontrarmos até chegarmos em Santo Estevão, que ainda estava bastante longe... Rogério e Tato postaram-se embaixo de um viaduto, e nos esperaram por longo tempo, segundo eles, mas segundo meu GPS, desprezando aqui os segundos, apeamos às 15 h 57 min, e novamente montamos às 16 h e 25 min, exatos 28 minutos.

Esse é o perigo dos que se adiantam, não saber o que aconteceu para trás. Notem que interessante essa Teoria da Relatividade: para nós, num ambiente tranqüilo, apenas 28 minutos; para os dois aguardando sob um viaduto super movimentado e barulhento, mais de uma hora.

Chegar em Santo Estevão não foi fácil, o que só aconteceria próximo das 20 horas e 30 minutos. Enquanto entrávamos para a cidade, decidimos logo procurar um bom hotel, ou um bom restaurante, o que acontecesse primeiro, e um motociclista emparelhou e começou a conversar, guiando-nos até o Hotel LM, o melhor da cidade, onde um sergipano todo feliz nos atendeu, entregando-nos os dois últimos quartos disponíveis. Enquanto eu negociava, Aldo ligava para o Rogério e o Tato, que estavam acabando de jantar, e ainda precisavam ver hotel.

Nessa noite, o grupo dormiu em hotéis diferentes, mas desse dia em diante, ninguém mais se adiantou tanto. Jantamos eu e o Aldo, no próprio hotel, que guardou nossas bicicletas num quarto bem trancado. O chuveiro elétrico esquentava, o ar condicionado esfriava, e a cama tinha um colchão formidável, segredo de todo e qualquer bom pedal: uma boa noite de sono...

Dia seguinte, tomaríamos o café da manhã todos juntos...

* * *

Aracaju - Lençóis (Chapada Diamantina) - segundo dia

Pedalar é como pescar, correr, jogar tênis...

Pedalar é montar e sair por aí,

sem muita conversa, mas com boas pernas,

sentir o vento, o sol, o sorriso das pessoas...


Cristinápolis - Alagoinhas
(Paulo R. Boblitz - 2/jan/2013)


O sol amanhecera bonito para quem gosta de ir à praia, mas eu o preferia o mais nublado possível, o que nossos Anjos da Guarda providenciariam somente um pouco mais tarde, quando o vento começasse a soprar...

Na frente do hotel Sergipe havia uma pracinha, quando resolvemos levar de recordação. Precisávamos apenas de uma quinta pessoa para nos tirar a foto, e ela, como num passe de mágica, acabara de estacionar sua moto bem diante de nós. Parecia que esperava por alguém. Virei para ele e perguntei se ele poderia tirar uma foto. Ele fez que sim e pediu um pouquinho de tempo.

Fiz que sim com a cabeça e devagar arrumou-se, levantou da moto e foi para a calçada, meio sem jeito, ali parado em pose, esperando alguma coisa acontecer...

Da mesma forma eu estava, já com a máquina pronta a lhe entregar, sem bem entender aquela situação, até que me estalou que ele poderia ter entendido que queríamos uma foto dele. Dei uma gostosa gargalhada e expliquei que não era a foto dele que queríamos, mas sim que ele nos batesse uma foto.

Descansado e aliviado, ele também sorriu e aproximou-se, quando expliquei sobre como operar a máquina. Tato e Aldo se esbaldavam de tanto rir do mal entendido, peças que a comunicação vive a nos pregar. Arrependo-me de não ter pensado em arrumar uma sexta pessoa, para que aquele cidadão também aparecesse em nossa foto. Nossa terra é assim; gente simples sem maldades.

Enfim saímos em busca de nosso café da manhã, e mais um pouco estávamos no caminho novamente. O primeiro dia havia sido muito bom, asfalto liso, mas ao entrarmos na Bahia, o acostamento transformou-se em caroçudo, transferindo para nós, toda a trepidação que os pneus iam encontrando.

Havia aceitado a sugestão do Rogério, trocando meus pneus balões com cravos, por lisos e mais duros, em nome do maior rendimento. Confesso que não gostei, mas até então nunca havia feito uma viagem com pneus lisos; estava, então, na hora de experimentar.

A exemplo do primeiro dia, Tato sumiu no horizonte, e mais um pouco, Rogério também. Para trás, restavam apenas eu e o Cara-Pálida do Aldo, pois ele constantemente passava Hipoglós na face, literalmente pintando-a de branco. Numa das vezes em que ele se pintava para a guerra, lembrei:

- Aldo! Isso foi feito para passar na bunda..! - e ele deu uma sonora gargalhada.

Falando em bunda, as nossas já se mostravam indignadas, pois não há selas que produzam conforto quando o pedal é longo, e pele não é couro...

Para ser mais exato, bunda, no nosso caso, mereceria um capítulo à parte, pois que todos reclamamos dela durante os cinco longos dias...

Não lembro onde paramos para almoçar, mas lembro que paramos bem no trevo da entrada para Alagoinhas, já noite, para esperarmos o Tato, que adiantado, havia se adiantado demais. Se fôssemos jantar onde ele queria, teríamos ainda muito chão para chegarmos no nosso hotel, o Avenida, diga-se de passagem, um bom hotel, pois que hotel para mim, é cama boa. É ela quem nos levanta no dia seguinte, por incrível que pareça, pois quando ela é ruim, passa a noite inteira nos levantando...

Tato chegou e partimos. Alagoinhas estava a poucos quilômetros, e buscávamos, segundo idéia minha, algum lugar que nos fornecesse o já famoso Macarrão ao Vivo, boa fonte de energias para quem as esbanjou durante o dia, mas meu pneu traseiro furou e tivemos que parar. Rogério e Aldo se encarregaram da borracharia, não que eu não desse conta, mas não na velocidade que eles necessitavam...

Pneu novo, partimos enfim chegando numa bela praça bem iluminada, e lá estava o nosso premio maior, o que nos forneceria comida para matar a grande fome que residia em cada um de nós. Encostamos as bicicletas, a mocinha nos olhou meio assustada, logo nos ajudando em nossas escolhas, macarrão com tudo..! O suco, esse foi de manga...

Estávamos esperando pelo pedido quando um jovem se aproximou, coisas que só acontecem quando se é ciclista. O rapaz estava a serviço, acho que de nome Wagner, logo estabelecendo uma boa conversa, citando os grupos de pedais de Alagoinhas.

Se você não é ciclista, bem pode não entender, mas temos nossas vestimentas que nos denunciam, nossas bicicletas equipadas, nossas faces esfogueadas, nosso cansaço que diz que a gente vem de longe, e longe é muito mais longe quando as pessoas descobrem que viemos pedalando...

Nosso pedido chegou meio misturado, mas a fome pouco se importou com o pequeno deslize da Atendente, afinal, era Macarrão com Tudo para todo mundo, menos para o Tato, que havia pedido almôndegas pelo meio.

A praça é a Rui Barbosa, e a macarroneira é a Bela Pasta.

Quase terminando, um rapaz que estava com a esposa, levantou-se e interessou-se pelo camelbak do Tato, que informou que o utilizava apenas como mochila. O rapaz se chamava Leonardo e disse ser primo do Alan Santos, colega nosso de Petrobrás, também ciclista.

Comemos por necessidade, mas naquela noite eu acrescentei a felicidade, porque a fome, por si só, não nos submete a qualquer coisa, e agradeci a Deus por ali ter chegado, por ter encontrado pessoas desconhecidas conhecidas, enfim, por estar inteiro para a etapa seguinte, nosso terceiro dia...

No hotel, lavei minha roupa e fui dormir, um bom sono merecido, um bom cansaço procurado, calorias que não me farão falta no futuro...

Nesse dia foram 116,65 km, em 12 horas e 32 minutos, 7.685 calorias derretidas, 1.430 metros em subidas acumuladas. O calor também mais apertou...

* * *

Aracaju - Lençóis (Chapada Diamantina) - primeiro dia

Pedalar não requer condição.

Pedalar requer apenas coragem e prazer.

Assim, pouco importa a direção...


Aracaju - Cristinápolis
(Paulo R. Boblitz - 1/jan/2013)


Eu disse para minha Esposa:

- Esse grupo é Banda Voou...

Ela sorriu e respondeu:

- Você só faça o que puder..!

Despedimo-nos, desci as escadas e lá de baixo lhe dei um até logo; Rogério acabava de chegar, logo informando:

- Aldo e Tato estão esperando no posto da Saneamento, e eu preciso correr até o Banco para tirar dinheiro...

Olhei novamente para cima e sorri; ia ser um passeio formidável...

Seriam cinco dias de somente pedal, sem vistas, paisagens deslumbrantes, atrativos pelos caminhos etc., porém extremamente desafiadores, uma espécie de treinamento com cicloturismo, algo a nos mostrar como vamos de pernas, como vamos de paciências, como vamos daquilo que consideramos riscos, porque era pegar uma rodovia insana e enfrentá-la, algo que eu nunca havia feito, e se não havia experimentado, estava na hora da boa loucura...

Os cinco dias estão representados cada um com cor diferente, como diferentes foram as cores dos nossos comportamentos, algumas vezes carrancudos durante os períodos mais quentes, mais severos exigindo de nós, mas nada que não fosse superado aos finais dos dias, quando o fogo baixava, adrenalina indo embora com as mijadas...

Banho tomado, roupas trocadas, barrigas em satisfação, sorrisos de brincadeiras e gozações, até que o sono carregasse cada um para sua própria cama, bom remédio quando é boa, horrível para o dia seguinte, quando afunda e nos encosta no estrado...

Nos dias anteriores, pelo telefone, Tato havia dito que nos encontraria em Alagoinhas, e pelo Rogério, que Aldo nos encontraria em Umbaúba, pois viria direto de Paripiranga, Bahia, divisa com Sergipe. Montei e segui com calma para o posto determinado. Chegamos juntos eu e Rogério; Aldo já estava lá, mas faltava o Tato, que mais um pouco chegava com o pneu traseiro meio murcho, pito fino, sem bomba, sem farol, sem lanterna...

O grupo podia ser Banda Voou, mas daqui para frente, cada um cuidaria do outro. Já conhecia o Rogério, mas Aldo e Tato, os estava conhecendo naquela hora. Apertamo-nos as mãos, aguardamos o Tato encher o pneu e partimos para o que seria uma bela aventura, principalmente de desafios, média prevista de 125 km por dia, por interiores bem quentes e agressivos...

Uma coisa muito séria num Cicloturista, é o ritmo, pois é ele quem determina a jornada.

Num grupo formado, principalmente próximo da viagem, e quando os integrantes pouco se conhecem, o ritmo torna-se uma incógnita, porque andando juntos, acabamos por nos influenciarmos todos, e isso pode prejudicar o mais lento, não necessariamente porque ele seja o menos preparado.

Pedalar é como falar, andar, dirigir, e tantas outras atividades, pois existem os calmos, os apressados, os afoitos, e uma série de outras qualidades individuais envolvidas.

Assim, esforçar-se para acompanhar um outro ritmo que não o próprio, deixa de ser cicloturismo, transformando-se em competição. Nesses casos, alguém irá perder, quando o objetivo não é exatamente esse, onde todos devem ganhar.

Além dos ritmos diferentes, também existem os equipamentos e recursos diversos, tais como sapatilhas e tacos, pedais convencionais, peso do conjunto, idade dos cicloturistas e uma gama variada de outras complicações, pois uns levam mais água, outros mais comida, e assim por diante.

Rogério havia comentado esse passeio comigo, pouco antes de minha partida para minha cicloviagem Pelas terras de Santa Catarina, ali em meado de agosto de 2012, pois o irmão dele, de Porto Alegre, estaria por aqui de férias. Janeiro ainda estava longe, e dentro de mim algo já falava que esse passeio seria meio louco, em pleno verão nordestino, adentrando para o interior, portanto tornando-se mais quente ainda, com uma quilometragem diária de tirar o fôlego... Por certo eu pensaria muito, antes de tomar alguma decisão...

O tempo foi passando e faltando menos de 20 dias, novamente fui abordado. Peguei as informações e fui checar no Google Earth, mas esse programa é extremamente infeliz com a nossa região, enchendo-a de nuvens, escondendo suas belezas e detalhes. Eu estava parado desde que chegara de Santa Catarina, e também havia o fato de ter operado o olho direito, implantando-lhe uma lente.

Aguardei os dias de repouso necessários e parti para a minha primeira trilha, com o Grupo Aracaju Pedal Livre, ali pelo Labirinto, onde eles adentraram por um outro labirinto mais apertado ainda, quando um toco me jogou ao chão, e outro toco escalpelou-me o braço esquerdo, produzindo um machucado muito feio. Havia mergulhado de cabeça sobre as folhas secas, produzindo um som oco entre uma orelha e outra. A operação havia sido um sucesso, porque levantei, pisquei duas ou três vezes e continuei enxergando como já vinha enxergando antes; estava pronto para a viagem...

Rogério e Tato logo se distanciaram, ficando eu e o Aldo para trás. Era o que chamamos de ritmo, onde cada um tem o seu, e ninguém força ninguém. Vez ou outra aqueles dois nos aguardavam numa sombra, e novamente partíamos.

Chegamos em Estância e paramos para o almoço, onde descansamos e repusemos as energias, partindo tão logo quanto a disposição assim determinou.

Viajar pelo acostamento numa rodovia, é de certa forma desconfortável, pois os barulhos dos motores não cessam e nem dão trégua. A paisagem é sempre a mesma, terra seca de um lado, terra seca de outro, uma tripa quente de asfalto a estender-se até que a curva a esconda.

Assim, chegamos em Umbaúba e mais um pouco em Cristinápolis, onde a bonita mocinha que abastecia os carros no posto, nos ensinou uma pousada mais à frente...

A pousada era cor de rosa! O preço da diária também era estranho: oitenta reais por cabeça...

Saímos dali e retornamos para a cidade, porque aquilo não era uma pousada, mas sim um  motel... Descobrimos um outro pequeno hotel, por onde entrávamos pela garagem, e não gostamos do que vimos. Por fim, nos hospedamos num hotel sobre um bar, um quarto para cada um de nós, pernilongos à vontade para que ninguém reclamasse.

A noite já havia chegado e procuramos por uma pizzaria, onde nos fartamos com duas pizzas gigantes e várias jarras de suco de mangaba, aquele que nos deixa com os lábios grudando, por conta do leite da fruta, similar ao leite da jaca.

A primeira etapa havia sido bem cumprida: 120,86 km pedalados, em 9 horas e 14 minutos, 6.042 calorias queimadas, 1.288 metros em subidas acumuladas.

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