Pedalar requer apenas coragem e prazer.
Assim, pouco importa a direção...
Aracaju - Cristinápolis
(Paulo R. Boblitz - 1/jan/2013)
Eu disse para minha Esposa:
- Esse grupo é Banda Voou...
Ela sorriu e respondeu:
- Você só faça o que puder..!
Despedimo-nos, desci as escadas e lá de baixo lhe dei um até logo; Rogério acabava de chegar, logo informando:
- Aldo e Tato estão esperando no posto da Saneamento, e eu preciso correr até o Banco para tirar dinheiro...
Olhei novamente para cima e sorri; ia ser um passeio formidável...
Seriam cinco dias de somente pedal, sem vistas, paisagens deslumbrantes, atrativos pelos caminhos etc., porém extremamente desafiadores, uma espécie de treinamento com cicloturismo, algo a nos mostrar como vamos de pernas, como vamos de paciências, como vamos daquilo que consideramos riscos, porque era pegar uma rodovia insana e enfrentá-la, algo que eu nunca havia feito, e se não havia experimentado, estava na hora da boa loucura...
Os cinco dias estão representados cada um com cor diferente, como diferentes foram as cores dos nossos comportamentos, algumas vezes carrancudos durante os períodos mais quentes, mais severos exigindo de nós, mas nada que não fosse superado aos finais dos dias, quando o fogo baixava, adrenalina indo embora com as mijadas...
Banho tomado, roupas trocadas, barrigas em satisfação, sorrisos de brincadeiras e gozações, até que o sono carregasse cada um para sua própria cama, bom remédio quando é boa, horrível para o dia seguinte, quando afunda e nos encosta no estrado...
Nos dias anteriores, pelo telefone, Tato havia dito que nos encontraria em Alagoinhas, e pelo Rogério, que Aldo nos encontraria em Umbaúba, pois viria direto de Paripiranga, Bahia, divisa com Sergipe. Montei e segui com calma para o posto determinado. Chegamos juntos eu e Rogério; Aldo já estava lá, mas faltava o Tato, que mais um pouco chegava com o pneu traseiro meio murcho, pito fino, sem bomba, sem farol, sem lanterna...
O grupo podia ser Banda Voou, mas daqui para frente, cada um cuidaria do outro. Já conhecia o Rogério, mas Aldo e Tato, os estava conhecendo naquela hora. Apertamo-nos as mãos, aguardamos o Tato encher o pneu e partimos para o que seria uma bela aventura, principalmente de desafios, média prevista de 125 km por dia, por interiores bem quentes e agressivos...
Uma coisa muito séria num Cicloturista, é o ritmo, pois é ele quem determina a jornada.
Num grupo formado, principalmente próximo da viagem, e quando os integrantes pouco se conhecem, o ritmo torna-se uma incógnita, porque andando juntos, acabamos por nos influenciarmos todos, e isso pode prejudicar o mais lento, não necessariamente porque ele seja o menos preparado.
Pedalar é como falar, andar, dirigir, e tantas outras atividades, pois existem os calmos, os apressados, os afoitos, e uma série de outras qualidades individuais envolvidas.
Assim, esforçar-se para acompanhar um outro ritmo que não o próprio, deixa de ser cicloturismo, transformando-se em competição. Nesses casos, alguém irá perder, quando o objetivo não é exatamente esse, onde todos devem ganhar.
Além dos ritmos diferentes, também existem os equipamentos e recursos diversos, tais como sapatilhas e tacos, pedais convencionais, peso do conjunto, idade dos cicloturistas e uma gama variada de outras complicações, pois uns levam mais água, outros mais comida, e assim por diante.
Rogério havia comentado esse passeio comigo, pouco antes de minha partida para minha cicloviagem Pelas terras de Santa Catarina, ali em meado de agosto de 2012, pois o irmão dele, de Porto Alegre, estaria por aqui de férias. Janeiro ainda estava longe, e dentro de mim algo já falava que esse passeio seria meio louco, em pleno verão nordestino, adentrando para o interior, portanto tornando-se mais quente ainda, com uma quilometragem diária de tirar o fôlego... Por certo eu pensaria muito, antes de tomar alguma decisão...
O tempo foi passando e faltando menos de 20 dias, novamente fui abordado. Peguei as informações e fui checar no Google Earth, mas esse programa é extremamente infeliz com a nossa região, enchendo-a de nuvens, escondendo suas belezas e detalhes. Eu estava parado desde que chegara de Santa Catarina, e também havia o fato de ter operado o olho direito, implantando-lhe uma lente.
Aguardei os dias de repouso necessários e parti para a minha primeira trilha, com o Grupo Aracaju Pedal Livre, ali pelo Labirinto, onde eles adentraram por um outro labirinto mais apertado ainda, quando um toco me jogou ao chão, e outro toco escalpelou-me o braço esquerdo, produzindo um machucado muito feio. Havia mergulhado de cabeça sobre as folhas secas, produzindo um som oco entre uma orelha e outra. A operação havia sido um sucesso, porque levantei, pisquei duas ou três vezes e continuei enxergando como já vinha enxergando antes; estava pronto para a viagem...
Rogério e Tato logo se distanciaram, ficando eu e o Aldo para trás. Era o que chamamos de ritmo, onde cada um tem o seu, e ninguém força ninguém. Vez ou outra aqueles dois nos aguardavam numa sombra, e novamente partíamos.
Chegamos em Estância e paramos para o almoço, onde descansamos e repusemos as energias, partindo tão logo quanto a disposição assim determinou.
Viajar pelo acostamento numa rodovia, é de certa forma desconfortável, pois os barulhos dos motores não cessam e nem dão trégua. A paisagem é sempre a mesma, terra seca de um lado, terra seca de outro, uma tripa quente de asfalto a estender-se até que a curva a esconda.
Assim, chegamos em Umbaúba e mais um pouco em Cristinápolis, onde a bonita mocinha que abastecia os carros no posto, nos ensinou uma pousada mais à frente...
A pousada era cor de rosa! O preço da diária também era estranho: oitenta reais por cabeça...
Saímos dali e retornamos para a cidade, porque aquilo não era uma pousada, mas sim um motel... Descobrimos um outro pequeno hotel, por onde entrávamos pela garagem, e não gostamos do que vimos. Por fim, nos hospedamos num hotel sobre um bar, um quarto para cada um de nós, pernilongos à vontade para que ninguém reclamasse.
A noite já havia chegado e procuramos por uma pizzaria, onde nos fartamos com duas pizzas gigantes e várias jarras de suco de mangaba, aquele que nos deixa com os lábios grudando, por conta do leite da fruta, similar ao leite da jaca.
A primeira etapa havia sido bem cumprida: 120,86 km pedalados, em 9 horas e 14 minutos, 6.042 calorias queimadas, 1.288 metros em subidas acumuladas.
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Muito bacana, parabéns!
ResponderExcluirlegal te ver de novo na estrada, guerreiro dos pedais, manoplas e selim -os cinco pontos de contato com esta máquina de realizar sonhos.
ResponderExcluirabração