Em bicicleta, como em qualquer vida,
há o tempo bom e o tempo ruim.
Só lembramos do que é bom,
mesmo que ele passe ligeiro...
Santo Estevão - Itaberaba
(Paulo R. Boblitz - 4/jan/2013)
Foi um dia muito bom e gostoso, onde rendemos bem, mesmo com a dita bastante dolorida...
Logo cedo estávamos reunidos no hotel para o café da manhã, em Santo Estevão, e mais um pouco nos arrumávamos para partir. Precisei sair na frente, pois não estava encontrando água mineral com gás, e assim, não
atrasaria o grupo.
Foi um dia de longas retas, por certo de bons ventos que vez ou outra nos ajudavam empurrando, mesmo assim não deixando de ser quente.
Coisa gostosa é quando você estabelece alguma meta, melhor ainda quando ela é visível...
Refiro-me à grande rocha que deu nome à cidade, segundo o Francisco Neto, nosso anfitrião naquela noite, Itaberaba, que os antigos moradores da região, os índios, que a chamavam assim porque ela brilha, sendo por isso, palco de reuniões de todos eles em seus rituais. Isso foi há muito tempo...
Talvez o brilho aconteça em período especial do ano, talvez numa determinada hora quando o sol lhe banhe com seus raios dourados. O fato é que não vi nenhum brilho, mas acompanhei-a desde o momento em que a vi pequenina no meu horizonte, à direita, solitária na imensa planície, como um cuscuz marrom que a cada quilômetro meu, ia crescendo e tomando corpo, dominando a tudo como sentinela isolada.
À minha esquerda, ao longe esfumaçado, as pontas de um mundo de montanhas, antevendo o que seria a grande Chapada Diamantina, terra dos diamantes generosos que encheram de felicidade, e de tristezas, as tantas histórias de bravos que viveram mergulhados em grotas e águas, perigos e doenças, para o patrão enriquecer.
Ali por perto o rio Paraguaçu (água grande), que dá nome ao extenso vale por onde corre. Vez ou outra nos encontrávamos, mas voltávamos a nos distanciar uns dos outros, prevalecendo a dupla Rogério e Tato lá na frente, eu e Aldo cá atrás, afinal estávamos sentados sobre nossas devidas limitações.
Ciclismo tem um monte de coisas interessantes e engraçadas, e essa é mais uma delas, a de podermos perguntar como vai a bunda do parceiro, e ele responder na boa, que vai bem, obrigado... Façamos uma pergunta dessas num outro contexto, de repente pode até rolar facada...
Lembro que nesse dia eu estava andando muito bem, e logo me encontrava com o Tato, descansando num posto de gasolina, rodeado por uns três meninos, cada um deles também com uma bicicleta. Ele já havia almoçado, e eu quase não pegava mais o almoço, pois já o estavam recolhendo.
Almocei gostoso ao sabor de uma jarra de suco de manga, e ali também estendi as pernas. Soprava um vento morno que ia ficando cada vez mais forte, formando nuvens de chuva, trazendo moleza para o corpo que ávido por descanso, começava a entender que a etapa estava terminada.
Mais um pouco chegaram Aldo e Rogério. Eu já estava abrindo a boca de tanto sono, por isso era hora de levantar acampamento. Os dois pediriam alguma coisa, e eu adiantaria o meu lado. Montei e saí devagar, curtindo o bom ventinho e subindo a leve ladeira, esquentando as pernas novamente, procurando posição boa sobre a sela, enfim seguindo em frente, pois que não havia carro de apoio, nem tampouco retorno. Era ir e ir...
Absorto com a linda rocha que ficava cada vez maior, e com as serras ao longe, dentilhadas contra o céu, Tato logo me alcançou e disparou...
Mais um pouco me alcançou o Rogério, e disparou também...
Aldo também chegou e passamos a andar juntos. Itaberaba não estava longe...
Próximos da entrada da cidade, parei diante de um grande cartaz que anunciava o hotel Bela Vista. Mostrei para o Aldo e duvidei que aquela foto daquele quarto não deveria ser real. Ele riu e informou que o Francisco Neto já havia providenciado hospedagem para nós. Dei de ombros e partimos novamente, mas achando que deveríamos conhecer o tal hotel.
O sol já havia se escondido, mas ainda era dia quando chegamos no posto da Polícia Rodoviária Federal, bem no entroncamento da entrada de Itaberaba, onde paramos para pedir informações, e o Aldo ligar para o amigo.
Fiquei desconcertado quando o Policial apontou a cidade para o lado contrário ao que a placa indicava, mas ele logo emendou:
- É porque quem vem de carro, precisa sair da rodovia e fazer o contorno, mas vocês estão de bicicleta, portanto podem entrar direto à esquerda.
Ligamos nossos faróis e nossas lanternas, enveredando pela contramão, afinal já havíamos pedalado bastante naquele dia, e ninguém daria por falta uns 100 ou 150 metros do total.
Tato já estava fazia tempo na cidade, e até já havia visto algum hotel, mas eu estava com o Bela Vista na cabeça, afinal, meu grande prêmio sempre será uma boa cama, um bom sossego...
E o Bela Vista apareceu bem de esquina, iluminado e novo. Paramos e fui perguntar o valor da diária: R$ 95,00, cama box, ar condicionado, chuveiro quente, café da manhã a partir das três da manhã. Noventa reais, acabou fechando o Gerente. Estava um preço salgado com sal grosso, mas o quarto era como o mostrado naquele cartaz da estrada. Desci e dei a não boa notícia para o grupo. Francisco Neto, o amigo do Aldo, já havia chegado. Ele conseguira negociar um quarto para nós quatro, pois a pousada estava cheia.
Pensei muito pouco para decidir: o dia seguinte seria o nosso último e o nosso pior, em quilometragem e em subidas. Agradeci e fiquei por ali; Tato também ficou. Rogério e Aldo seguiram para a pousada, mas todos combinamos em sair mais tarde para uma pizza, afinal era sexta-feira e a grande praça estava com seus acessos fechados ao trânsito, onde a criançada andava com suas pequenas bicicletas pela larga avenida, cheia de mesas e cadeiras, cada recanto com seus sabores...
Soprava uma brisa forte refrescante que trazia o burburinho de tantas vozes misturadas aos perfumes das noites; era dia de todas as casas cheias. Pedimos nossas pizzas, conversamos muita conversa fora e demos por encerrada a jornada. Era intenção de todos, sair ainda escuro, pois a última etapa não seria fácil, mas isso ficaria para o dia seguinte.
No hoje, o que eu queria mesmo era dormir...
De Santo Estevão até Itaberaba foram 127,63 km, em 10 horas e 23 minutos, queimando 6.190 calorias, vencendo 1.329 metros em subidas acumuladas.
* * *
há o tempo bom e o tempo ruim.
Só lembramos do que é bom,
mesmo que ele passe ligeiro...
Santo Estevão - Itaberaba
(Paulo R. Boblitz - 4/jan/2013)
Foi um dia muito bom e gostoso, onde rendemos bem, mesmo com a dita bastante dolorida...
Logo cedo estávamos reunidos no hotel para o café da manhã, em Santo Estevão, e mais um pouco nos arrumávamos para partir. Precisei sair na frente, pois não estava encontrando água mineral com gás, e assim, não
atrasaria o grupo.
Foi um dia de longas retas, por certo de bons ventos que vez ou outra nos ajudavam empurrando, mesmo assim não deixando de ser quente.
Coisa gostosa é quando você estabelece alguma meta, melhor ainda quando ela é visível...
Refiro-me à grande rocha que deu nome à cidade, segundo o Francisco Neto, nosso anfitrião naquela noite, Itaberaba, que os antigos moradores da região, os índios, que a chamavam assim porque ela brilha, sendo por isso, palco de reuniões de todos eles em seus rituais. Isso foi há muito tempo...
Talvez o brilho aconteça em período especial do ano, talvez numa determinada hora quando o sol lhe banhe com seus raios dourados. O fato é que não vi nenhum brilho, mas acompanhei-a desde o momento em que a vi pequenina no meu horizonte, à direita, solitária na imensa planície, como um cuscuz marrom que a cada quilômetro meu, ia crescendo e tomando corpo, dominando a tudo como sentinela isolada.
À minha esquerda, ao longe esfumaçado, as pontas de um mundo de montanhas, antevendo o que seria a grande Chapada Diamantina, terra dos diamantes generosos que encheram de felicidade, e de tristezas, as tantas histórias de bravos que viveram mergulhados em grotas e águas, perigos e doenças, para o patrão enriquecer.
Ali por perto o rio Paraguaçu (água grande), que dá nome ao extenso vale por onde corre. Vez ou outra nos encontrávamos, mas voltávamos a nos distanciar uns dos outros, prevalecendo a dupla Rogério e Tato lá na frente, eu e Aldo cá atrás, afinal estávamos sentados sobre nossas devidas limitações.
Ciclismo tem um monte de coisas interessantes e engraçadas, e essa é mais uma delas, a de podermos perguntar como vai a bunda do parceiro, e ele responder na boa, que vai bem, obrigado... Façamos uma pergunta dessas num outro contexto, de repente pode até rolar facada...
Lembro que nesse dia eu estava andando muito bem, e logo me encontrava com o Tato, descansando num posto de gasolina, rodeado por uns três meninos, cada um deles também com uma bicicleta. Ele já havia almoçado, e eu quase não pegava mais o almoço, pois já o estavam recolhendo.
Almocei gostoso ao sabor de uma jarra de suco de manga, e ali também estendi as pernas. Soprava um vento morno que ia ficando cada vez mais forte, formando nuvens de chuva, trazendo moleza para o corpo que ávido por descanso, começava a entender que a etapa estava terminada.
Mais um pouco chegaram Aldo e Rogério. Eu já estava abrindo a boca de tanto sono, por isso era hora de levantar acampamento. Os dois pediriam alguma coisa, e eu adiantaria o meu lado. Montei e saí devagar, curtindo o bom ventinho e subindo a leve ladeira, esquentando as pernas novamente, procurando posição boa sobre a sela, enfim seguindo em frente, pois que não havia carro de apoio, nem tampouco retorno. Era ir e ir...
Absorto com a linda rocha que ficava cada vez maior, e com as serras ao longe, dentilhadas contra o céu, Tato logo me alcançou e disparou...
Mais um pouco me alcançou o Rogério, e disparou também...
Aldo também chegou e passamos a andar juntos. Itaberaba não estava longe...
Próximos da entrada da cidade, parei diante de um grande cartaz que anunciava o hotel Bela Vista. Mostrei para o Aldo e duvidei que aquela foto daquele quarto não deveria ser real. Ele riu e informou que o Francisco Neto já havia providenciado hospedagem para nós. Dei de ombros e partimos novamente, mas achando que deveríamos conhecer o tal hotel.
O sol já havia se escondido, mas ainda era dia quando chegamos no posto da Polícia Rodoviária Federal, bem no entroncamento da entrada de Itaberaba, onde paramos para pedir informações, e o Aldo ligar para o amigo.
Fiquei desconcertado quando o Policial apontou a cidade para o lado contrário ao que a placa indicava, mas ele logo emendou:
- É porque quem vem de carro, precisa sair da rodovia e fazer o contorno, mas vocês estão de bicicleta, portanto podem entrar direto à esquerda.
Ligamos nossos faróis e nossas lanternas, enveredando pela contramão, afinal já havíamos pedalado bastante naquele dia, e ninguém daria por falta uns 100 ou 150 metros do total.
Tato já estava fazia tempo na cidade, e até já havia visto algum hotel, mas eu estava com o Bela Vista na cabeça, afinal, meu grande prêmio sempre será uma boa cama, um bom sossego...
E o Bela Vista apareceu bem de esquina, iluminado e novo. Paramos e fui perguntar o valor da diária: R$ 95,00, cama box, ar condicionado, chuveiro quente, café da manhã a partir das três da manhã. Noventa reais, acabou fechando o Gerente. Estava um preço salgado com sal grosso, mas o quarto era como o mostrado naquele cartaz da estrada. Desci e dei a não boa notícia para o grupo. Francisco Neto, o amigo do Aldo, já havia chegado. Ele conseguira negociar um quarto para nós quatro, pois a pousada estava cheia.
Pensei muito pouco para decidir: o dia seguinte seria o nosso último e o nosso pior, em quilometragem e em subidas. Agradeci e fiquei por ali; Tato também ficou. Rogério e Aldo seguiram para a pousada, mas todos combinamos em sair mais tarde para uma pizza, afinal era sexta-feira e a grande praça estava com seus acessos fechados ao trânsito, onde a criançada andava com suas pequenas bicicletas pela larga avenida, cheia de mesas e cadeiras, cada recanto com seus sabores...
Soprava uma brisa forte refrescante que trazia o burburinho de tantas vozes misturadas aos perfumes das noites; era dia de todas as casas cheias. Pedimos nossas pizzas, conversamos muita conversa fora e demos por encerrada a jornada. Era intenção de todos, sair ainda escuro, pois a última etapa não seria fácil, mas isso ficaria para o dia seguinte.
No hoje, o que eu queria mesmo era dormir...
De Santo Estevão até Itaberaba foram 127,63 km, em 10 horas e 23 minutos, queimando 6.190 calorias, vencendo 1.329 metros em subidas acumuladas.
* * *
Excelente viagem!
ResponderExcluirMe reconheci no "Ciclismo tem um monte de coisas interessantes e engraçadas" Lembrei-me de uma vez no trabalho anterior, após um forte pedal no domingo um colega chama minha atenção aos berros no corredor... "Você acabou com minha bunda"... Só o pedal para fazer um homem falar isso para outro homem [risos]
ResponderExcluirUma satisfação, publicar o comentário do amigo Paulo Nóbrega, bem como sua homenagem a mim:
ResponderExcluirAmigo,
Não o conheço pessoalmente, mas admiro muito suas "andanças" com poesias trilhadas ou vice-versa.
Vai anexo uma singela homenagem a quem tanto sabe viver a vida como gosta.
A minha praia é outra, CAVALOS,(de vaquejada), mas sei respeitar e curtir o gosto dos outros.
Um abraço,
Paulo Nóbrega
PS: Não corro mais, só cavalgo, o ofício, passei para o filho mais novo.
HOMENAGEM A BOBLITZ
A vida sob controle
Seja a pé ou a cavalo
De ônibus ou caminhão
Vamos levando essa vida
Sorvendo com lentidão
Pra que pressa ou aperreio
Se tá veloz, uso o freio.
Pedalo na imensidão.