Tomando as cabeceiras...

Não são os nossos amigos,

os anjos das horas incertas?

Não são os nossos amigos,

melhores que dinheiro no bolso?


Tomando as cabeceiras...

(Paulo R. Boblitz - out/2005)

- Pode deixar comigo, que eu vou tomar as cabeceiras... - meu amigo, do outro lado da linha, falava lembrando o velho pai que isso já dizia, lá pelas bandas da Bahia...

- Tomar o quê!? - perguntei sem entender direito.

- As cabeceiras..!, a frente do negócio..! Deixa comigo que eu resolvo... - respondia o amigo, sorridente.

Concordei sem muito questionar, pois o que precisava era daquela ajuda, e com cabeceiras ou não, eu seria ajudado.

Terminamos a conversa, fiquei meditando nas cabeceiras que o amigo havia utilizado; mais um termo inusitado, elegante no afirmar da posição, porém simples e contundente na decisão...

Minha cama tem as cabeceiras, onde depositamos, eu e a esposa, nossas cabeças ao fim do dia, cansados.

Minha mesa tem as cabeceiras, onde sentamos, eu e ela, em cada uma das extremidades, quando gerenciamos o que cada filho deve comer, até que eles, crescidos, resolvam comer do jeito deles. De vez em quando, sentam-se em nossos lugares, orgulhosos iguais aos pais - assumem as cabeceiras...


Algum dia estarão a nos repetir, pondo em prática o que aprenderam...

E quantas coisas ensinamos, porque aprendemos algum dia, de vários dias ensinados, um atrás do outro em paciência, em sabedoria ancestral, dos tempos antigos em que o sério era o ideal, em que os homens cultuavam o respeito, por si próprios e descendentes, em esmerado linguajar para bons modos ensinar...

Um dia inventaram esse culto ao mais jovem, esse negócio do mais velho ser coroa, e badalaram na gíria, como badalam os sinos dos fiéis, que achamos legal enquanto ainda jovens, até que precisemos assumir as cabeceiras...

O pai do meu amigo, não o conheci, mas pude sentir o seu ensinamento, no amigo que assumiu, aquilo que com o pai aprendeu, pois que cabeceiras são reservadas aos que comandam, assim como o boiadeiro que rege a boiada, a nascente singela do rio majestoso, e nas igrejas, o espaço do altar-mor...

Tomar as cabeceiras é assumir as rédeas, é comandar a ação, é envolver-se com o próprio espírito, diferente de quem faz apenas o favor.

Tomar as cabeceiras é brigar, é ter resoluto o desejo de resolver.

Sábios os nossos mais antigos, que usavam os termos corretos nas horas certas, muitos deles hoje descansando, a prumo, sob outras cabeceiras, contando suas histórias no branco do mármore, quem sabe das cabeceiras algum dia tomadas...

* * *

Pelos Andes Peruanos, e, Pelo Ladakh, o pequeno Tibete

Se o sentir invejas, é condenável,

despertá-las nos outros, também é, mas,

se puras são as tais invejas,

o despertar de todas elas, é

mais ainda maravilhoso...


Pelos Andes Peruanos, e, Pelo Ladakh, o pequeno Tibete

(Paulo R. Boblitz - jun/2014)

Pelos Andes Peruanos

Elegantes pelo frio, suados pelo esforço, maravilhados pelas vistas, assim seguiram Antonio Olinto e Rafaela Asprino, pelos serrilhados do Peru.

Imagens de Bicicleta pelos Andes Peruanos, esse é o título da aventura que os dois me narraram através de um DVD muito gostoso de se ver, pelas imagens, pelas músicas, pelas curiosidades registradas. Mesmo que você não seja um Cicloturista, ou até mesmo que seja, mas não tem a coragem, a viagem lhe contamina, desperta invejas, faz sonhar, faz pensar em qualquer dia desses, pegar a amiga bicla e cair no mundo das estradinhas, dos povoados, das montanhas lindas, dos sorrisos que sempre nos aguardam.

Comprei suas últimas obras, aliás as tenho todas, e vez ou outra, quando estou desanimado, fujo para meu canto e navego pelas cachoeiras, pelas toscas pontes, pelos cascalhos que conversam conosco, não vendo a hora de um grande feriado, dumas férias em que possa pedalar por aí, sem pressa e compromissos.

Não estou fazendo propaganda; estou, empolgado, prestando meu depoimento. Antonio Olinto e Rafela Asprino, entraram em minha vida quando visitei o sítio deles: www.olinto.com.br, um Projeto de Cicloturismo no Brasil, que já se estende fronteiras afora, pela dinâmica do casal em nos apresentar sempre o melhor.

Conheci-os virtualmente pelo Guia Estrada Real, de Ouro Preto até Paraty, mas um dia ainda nos abraçaremos pessoalmente.

Agora acabei de acompanhá-los pelas montanhas do Peru, e novamente atacado pela doença que faz coçar nossas mentes, faz inquietar nossos corações, faz vibrar nossas ondas sonhadoras...

Falta ainda assistir Ladakh, o Pequeno Tibete, uma viagem de bicicleta pelos himalaias indianos, e, No Guidão da Liberdade, quando o Olinto deu a volta ao mundo de bicicleta. Depois conhecerei o Guia  Estrada Real - Caminho dos Diamantes, agora mesmo a convidar-me pela capa, uma estradinha de chão em zê, marrom aprisionada pelo verde, como se um rio seco a nos levar pelas lindas montanhas mineiras, cujas entranhas sorveram pedras preciosas e muito ouro, ainda hoje produzindo minérios e outras riquezas...

Se você quer viajar diferente, de carro, bicicleta ou a pé, visite o sítio deles e compre as saborosas obras, portas e janelas abertas para um mundo inigualável, onde só você e o terreno, farão barulho. Nada é caro por ali, e eles ainda ensinam como poupar durante as viagens, dão dicas e bons conselhos.

Se essa inveja for pecado, então que me perdoem todos vocês, por fazê-los também invejosos das coisas e qualidades boas.

* * *

Pelo Ladakh, o pequeno Tibete

Eu ia falar desse casal em duas crônicas, mas o DVD sobre o pequeno Tibete, não me permitiu; ele é bonito demais, muito bem trabalhado e narrado. O porquê do meu depoimento: porque eles estão construindo, não um Projeto, mas um grande sonho para tanta juventude que os observa.

Antonio Olinto e Rafaela, parece-me, conquistaram alguma coisa que os fez diferentes nesse vídeo; estão mais soltos, mais alegres e divertidos, talvez pelo clima, talvez pelos mistérios das montanhas coloridas do Tibete.

A paisagem é lunar, linda e agressiva ao mesmo tempo, de encher a alma de qualquer um, pela grandiosidade a nos cercar, ainda mais se ajudada pela nossa falta de ar; é muito alto...

Numa pequena entrevista com Cicloturistas que encontraram pelo caminho, simplesmente resumem toda a magia de se pedalar numa viagem, você e sua bicicleta numa interação formidável, em constantes negociações um com o outro, onde os dois, ciclista e bicicleta, enfrentam as mesmas condições em pé de igualdade...

Corajosos, de casa e cuia, tem o mundo inteiro, e todas as estrelas do mundo, só para eles... As tomadas cênicas não ficam em nada a dever aos melhores de Hollywood, porém eles não buscam nenhuma estatueta, mas sim pedalar e nos mostrar por onde pedalar com prazer e emoções.

Subidas fortes, de tirar o fôlego, de quem já está quase sem ele numa atmosfera rarefeita... Obrigado Rafa, pela emoção e pela Oração no ponto mais alto da mais alta estrada do mundo.

Pedalam em bicicletas simples, quero dizer, nenhuma delas é sofisticada, levíssima ou de marca glamourosa; são Cicloturistas, e isso basta...

No topo do mundo, onde um dia as montanhas se rebelaram e quiseram subir aos céus, não conseguiram e foram contidas, ainda hoje as marcas daquela rebeldia estão presentes como testemunhas, da luta grande travada entre o quente e o frio, quando as cores estabeleceram as veias de tantas forças, retorcidas como as estradas em ziguezagues, nos estonteando em delícias...

Um dia tudo aquilo rugiu, em explosões subiu, e acalmou, como a gente acalma quando diante daquilo que nos enche, nos transborda, nos enobrece por estarmos ali, apreciando as coisas do Paraíso, e não em shoppings do consumismo...

Milhões de pixels ficaram gravados para sempre, e os acompanharão por onde andarem, tamanhas lições que a Natureza ensina, calma sem repetição, amorosa e contemplativa. Como cabras montanhesas, seguiram por trilhas, trilhinhas e trilhões, num mundo em que a Terra reclama em pó, a ousadia em que um dia, aqueles monstros petrificados resolveram crescer...

Atravessaram pontes e singelas pinguelas, esquisitas passagens, pontes nenhumas. Desmontaram as bicicletas transformando-se em Ciclopedestres, sem pressa num mundo de pedras, onde os solados e os cascos vêm esculpindo caminhos há muito tempo..., e chegaram onde todos chegamos..., naquele fim que não dá mais para pedalar, pois que nesse mundo, tudo tem começo, meio e fim...

Viajei com eles, com os olhos deles, com as emoções que me fizeram também sorrir, e a inveja não diminuiu...

* * *

Ergonomia e sobrepeso

Não era para ser uma crônica,

mas foi saindo, evaporando, e

antes que virasse fumaça, escrevi...



Ergonomia e sobrepeso
(Paulo R. Boblitz - mai/2014)

Pode até ser que os assuntos não se entrelacem, mas vou arriscar...

Se você está pesado, consequentemente está consumindo mais combustível, além do seu monobloco (sua coluna vertebral), correr sério risco de algum empeno.

Pense nisso: somos iguais a um bom automóvel, sem os acessórios, é claro.

Temos quatro rodas, mas só gostamos de andar sobre duas, isso mesmo, empinados, perigosamente em equilíbrio.

Temos uma carenagem, nossas roupas, simples ou estilosas.

Às vezes andamos de forma conversível, sem capota; outras, com ela protegendo, com nossos bonés ou chapéus.

Trafegamos em qualquer terreno, traçados ou não, e ainda podemos reduzir, momentos difíceis em que galgamos penhascos ou arvoredos.

Temos, além disso, um giro formidável, tanto para a esquerda quanto para a direita, freios independentes, e engatamos qualquer das marchas sem embreagem e nenhum arranhão. Além disso, mudamos de direção bruscamente, à frente ou à ré, sem possibilidade de quebra de qualquer peça móvel do sistema de tração.

Somos impermeáveis, andamos dentro d'água, completamente submersos, na lama, e mesmo assim não atolamos, nem apagamos o motor.

Temos dois faróis que dificilmente queimam, a não ser bem lá no fim de suas vidas úteis, mas logo corremos para o médico de olhos, e implantamos novas micas.

Necessariamente não utilizamos setas, e às vezes até trombamos uns com os outros, mas, sem maiores acidentes ou consequências, a não ser quando tais trombadas são mais profundas, referindo-me aqui aos nove meses...

Temos um molejo infernal, inigualável; basta qualquer música contagiante...

Mas reparem: isso tudo só conseguimos, se formos ágeis, portanto, se estivermos pesados, além do alto consumo, também sobrecarregaremos outras partes da suspensão, como joelhos, quadris, tornozelos etc.

Sim, mas onde entra a tal Ergonomia? Já entrou! Está envolvida nisso tudo aí em cima; ela é inversamente proporcional ao que você consome, e aqui, permitam-me citar uma contradição: quanto mais redondos somos, menos aerodinâmicos...

A propósito: somos Flex e ninguém se compara com nossa gama de combustíveis, embora alguns, a longo prazo, acabem produzindo mazelas aos nossos motores principais, porque não temos apenas um, cheio de cavalos, mas vários num cavalo só. Calma!, foi só uma representação, uma facilidade de interpretação, afinal, nossos pulmões, coração, cérebro, rins e tantos outros, funcionam sem você dar nenhuma partida na chave de ignição, por isso mesmo que não temos bateria...

Escolha bem seu combustível, alguns que não produzam poluições internas, que costumam ficar armazenadas. Poluição sadia é aquela que expelimos todos os dias, principalmente o suor.

Não precisamos ser um Mercedes Benz (qualquer modelo), nem por isso, precisamos parecer um Fiat 1 ponto zero...

Que tal uma bicicleta? Põe você em forma, rapidinho...

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Metamorfose...

Se você tem medo,

medo é palavra que não existe...

Medo é você quem inventa,

quando a coragem está com preguiça...


Metamorfose...
(Paulo R. Boblitz - mai/2014)

Tudo era luz, e de repente a escuridão...

Tudo eram ares, e de repente a opressão...

Tudo era afável, e de repente o frio inundou...

Fiquei assim por longos dois dias, e no terceiro vi a luz...

Dourado sempre fui, do Sol amigo, irmão; agora muito pálido, encarava a transformação...

Força era algo que não conhecia; agora a tudo abria caminho...

Braços que antes não tinha, agora braceavam no ar...

Por instantes fico ofuscado, tudo é novo à minha volta, até o mundo...

Inflo o peito e tomo ar; agora sou outro ser...

Olho para cima, azul cintilante. Olho em volta, verdejante...

A brisa passa num cumprimento; uma gotinha de orvalho rola...

Meus abraços alongam, desenrolam amores...

Faço força e me estiro, enfim liberto, enfim novamente nascido...

Cresço comendo e bebendo forte, sadio para muitas alegrias...

Até que um dia, dedos me correm pelo corpo; sentem meus pelos veludo...

Nesse dia sou batizado, Milho Bonito chamado, a todos apresentado; só orgulho, nenhum gorgulho...

Vi a festa do sertão, bebi do maná que caiu em água, alegrei a mesa da família, do matuto engordei a bicharada...

Imitei o som de preciosas pedrinhas; sequei guardado que nem ouro...

Hoje, pelo ciclo, espero semente...

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