Aracaju - Praia do Saco - Aracaju

Na sede, bebemos com alegria...

Na fome, comemos com muita vontade...

Na precisão, tudo é saboroso, é alimento...

Até as vistas, fortificantes para a alma...


Aracaju - Praia do Saco - Aracaju
(Paulo R. Boblitz - 29/jul/2012)

O despertador tocou e o desliguei, virando-me para o outro lado, afinal, quem se importaria se eu chegasse atrasado na praia do Saco?

Praia do Saco, em Sergipe, fica defronte a Mangue Seco, que já é Bahia. Entre eles correm os rios Piauí e Real, produzindo um bonito estuário. De uma praia até a outra, só de barco.

Sentado a receber uma brisa gostosa, olhava saudoso para o outro lado, onde por duas vezes estive com minha bicicleta - Mangue Seco e seus frutos do mar...

Praia do Saco estava martelando em minha cabeça, assim como também ecoa a cidade de Capela...

Na verdade eu estava atrasado em uma semana, pois que domingo passado, dia 22, resolvi junto com meu filho Paulo Henrique, encontrarmo-nos com o grupo do Ricardo André, lá em Lagoa Redonda, depois de Pirambu; acabamos nos desencontrando, por questão de minutos. Pirambu nessa época fica mais bonita, pois recebe milhares de tartarugas para a desova, quando o Projeto TAMAR se desdobra. Foram quase 108 km para comermos uma saborosa Pescada, enquanto à nossa frente, deslizavam pequenos pesqueiros entrando e saindo pelo rio Japaratuba.

Mas voltemos à praia do Saco... Peguei a orla e segui até o Mosqueiro, ouvindo aquela fofoca interminável das ondas com as espumas, terminando nas areias, uma faixa bastante larga até o asfalto onde eu estava. Cedo, nenhum movimento ainda no que se transformaria mais tarde, em efervescente mundo de gente. Neném e esposa estavam lá; perguntei pelo Vovô e pedi-lhes um coco bem gelado - Vovô ainda não tinha aparecido, então havia seguido para outro lado...

Seu Vento estava endiabrado, e como sou uma vela grande, cheguei, quando o pegava de frente, a míseros 11 km por hora, na horizontal... Faz mal não!, na volta você me empurra...

Logo chegava na praia da Caueira. Em vez de dobrar no trevo, resolvi arriscar como andaria a maré; ela estava enchendo mas dei sorte, pois calculei que daria para pedalar os 15,5 quilômetros até a praia do Abaís, onde tomaria outra decisão. Quase não consigo chegar, pois a maré cada vez mais me empurrava para a parte fofa da areia. O vento, gostando da idéia de vê-lo a empurrar as ondas, me ajudou; avisavam-me a todo instante que eu deveria me apressar. Até meus pneus estavam gostando, pois zumbiram como moscas em vôo, pelo percurso inteiro. Na praia de Abaís, fui obrigado a retomar o asfalto, porém já descobri que na maré baixa, dá para chegar no Saco. O problema são umas pedras pela altura da praia das Dunas, pouco antes do Saco; por certo, haverá uma nova incursão...

Pelo asfalto, descobri que já estou viciado no meu espelhinho, um Cat Eye instalado logo após o bar end esquerdo, que tive que furar para que ele se encaixasse no interior do tubo do guidão. Ele fica de cabeça para baixo, o que ajuda muito quando um pneu fura, pois não atrapalha na hora em que viramos a bicicleta de ponta-cabeça.

Descobri também uma boa resposta contra o Sol, um sujeito que não gosta muito de mim, pois me maltrata sem nenhum pudor. Trata-se de uma bandana em forma tubular. Imaginem um saco com 2 bocas... Você a enfia pela cabeça e ela vai parar no pescoço, então você a levanta na parte de trás, cobrindo a nuca e as orelhas e todo o nariz, logo abaixo dos óculos escuros. É isso mesmo: você fica parecido com o Máscara, ou com um Ninja, mas sem aquela de ficar passando à toda hora, protetor solar, que derrete e vai embora, às vezes ardendo os olhos. Malha fina, não prejudica a respiração e você mesmo pode confeccionar, encomendando a uma boa costureira. Se você pegar alguma poeira, a malha atuará como um filtro. O diâmetro? fica folgado no pescoço... O comprimento? cerca de 50 cm...

Aportei passando pouca coisa das 11 horas, no Bar do Nil. Encostei a bicicleta num bom local, escolhi uma boa mesa e despojei-me de minha tralha. Enquanto esperava pelo saboroso camarão, notei que estou ficando tricolor... Por baixo das luvas, branco normal; das luvas até chegar nas mangas compridas da camisa, um bracelete com bronzeado forte; por baixo das mangas, bronzeado fraco. Hoje no trabalho, perguntei às amigas se existia algum bronzeador para passar nas mãos, e todas riram ao mesmo tempo; eu ficaria então com as mãos mais escuras do que os braços; é melhor deixar como está...

Quando esperamos, calmos sem nada a nos roubar a atenção, notamos tudo aquilo que a alma vê, e o que eu via, duas forças em choque formidável, enchia-me de prazer: mar e rio em queda de braço, todos dois em alternância, perdendo e ganhando...

O mar em arrebentação, no meio dele mesmo... A ilha da Sogra bastante diminuída pelo subir da maré, um belo banco de areia que mar e rio construíram, e que certos barcos nela atracam, instalando mesinhas e cadeiras, como se num paraíso...

Do outro lado, Mangue Seco, população que não chega aos 200 habitantes, famoso por conta de Tieta, lugar lindo com certeza, peixes e camarões deliciosos...

Almocei gostoso e cheguei na hora triste, aquela em que nos levantamos preguiçosos e frios, para tudo novamente começar. Sabem aquele vento forte que mais acima relatei? Pois ele me deu uma rasteira; amainou e não quis saber de me ajudar, mas o perdoei, porque a sensação dele me empurrando pelas praias, foi muita boa. Ainda cheguei a ir até a praia do Abaís novamente, para ver se dava para chegar na Caueira, mas a maré ainda estava cheia; tentei, mas os pneus afundaram...

Saí de casa pouco mais das 6 e meia; cheguei em casa pouco antes das 5 e meia. Foram 152,3 km de pedal, 8 horas e 36 minutos sobre a sela, velocidade média de 17,7 km por hora, 853 metros em subidas acumuladas, 5970 calorias para o espaço; domingo que vem tem mais: Capela com suas subidas?, Pirambu para novamente uma Pescada?, ou Mangue Seco para sentir os respingos da travessia..?

Na hora, eu resolvo...

* * *

Agradecendo aos Amigos

1 Ten. Gabriela Hollenbach,

Cristiane Hammes,

Hila Rocha,

Henrique Wendhausen,

Caminhos do Sertão,

Valnério Assing,

Carlos Beppler,

Antonio Olinto,

Antonio Celso.

Agradecendo aos Amigos
(Paulo R. Boblitz - jul/2012)

Amigos, não existe coisa mais gostosa do que sonhar, digo daqueles sonhos que controlamos, porque sonhar, enquanto dormimos, é tão natural quanto respirarmos...

São os sonhos acordados que nos impingem metas, e por elas trabalhamos, e construímos, lapidamos aquilo que chamamos de planejamento...

E planejar não é algo tão natural, pois existem muitas variantes, e acidentes, pelo meio do caminho...

Terminada a Estrada Real, mente e pernas queriam mais...

Serra do Rio do Rastro, foi a primeira visão do sonho que obrigou a mente a procurar... Achei a encantadora serpente que sobe e volteia em ziguezagues, por longos 30 quilômetros, mil e cem metros para cima, isso eu dormindo em Guatá, caso contrário, seriam mil e quatrocentos metros, e mais alguns quilômetros...

A bicicleta sobe, porque o ciclista soca nos pedais, e eles gemem, a corrente estala, o guidão flete, as rodas vencem, palmo a palmo, cada metro de quilômetro...

Concentração e paciência, um pé primeiro, o outro pé depois, sem esse negócio de clipagem...

A coroa vai forçando a catraca, cada metro sendo vencido, mais um pouco num ponto seguro parando, enxugando o suor, bebendo alguns goles d'água, descansando o corpo pelos 5 minutos necessários, recompondo a boa circulação nas pernas, o fôlego, a força que vem admirando as paisagens de Deus...

Estou treinando, é fato... Estou solitário, porque estarei solitário, eu e meus pensamentos, que são tantos, que fervilham em buliçosa criação...

Ao Antonio Olinto e Rafela Asprino, meu obrigado pela mensagem que me indica a direção correta, nela em que estou, só eu e meus botões, onde a vulnerabilidade aumenta, é certo, mas proporcionalmente as conquistas também se fazem maiores...

Fiz dois passeios acompanhado; duas experiências ruins...

A primeira vez, porque não temos nenhuma experiência; a segunda, porque somos otimistas...

Estou treinando, solitário, como solitário farei o meu percurso pelas terras altas de Santa Catarina...

Não vejo a hora de apertar as mãos da Primeiro Tenente Gabriela Hollenbach, quem sabe pedalar ao lado dela em terreno militar, que tanta força se esforçou, pois que a bicicleta também lhe modificou a vida... Graças a ela, poderei visitar o sul da ilha, ao longe vislumbrando o continente alto a ser vencido, meus primeiro e segundo dias em Santa Catarina, a bela...

Havia planejado trinta dias, mas trinta dias é muita coisa, algo parecido com promessa, com sofrimento, coisa que não combina com bicicleta... Mudei meus planos: serão apenas 16 dias, de muita força, porque as ladeiras serão tantas, que se eu morrer numa delas, roubando ou utilizando aquilo que o Bepller já escreveu, continuarei pedalando até o Céu, pois que São Pedro haverá de gostar de Cicloturistas...

Também não vejo a hora de apertar as mãos da Cristiane Hammes, quem me atendeu ao telefone, procurou e conseguiu um Pescador que me transportasse para o continente, idéia depois abandonada, por modificações de trajetos. Não pegarei o barco, mas almoçarei em seu restaurante, Porto do Contrato, ostras e camarões...

Em meu segundo dia, quem sabe eu possa apertar as mãos da Hila Rocha, ela que me ensinou roteiros maravilhosos, modificando, em muito, minha idéia inicial. Se o dia for da sorte grande, pedalaremos juntos por algum bom trecho de Florianópolis, território que ela bem conhece e domina. A ela eu devo o fato de já sair pedalando do Aeroporto, e devo também São Bonifácio, São Martinho, Laguna, Angelina e São Pedro de Alcântara...

Oxalá eu também possa apertar as mãos ou pedalar com o Henrique Wendhausen, revendo o amigo que um dia foi em minha busca, preocupado com a minha demora, quando do Velotour Costa Verde & Mar. Eu estava apenas andando devagar, cansado de tanta molhação, da água e da lama que nos caía e subia, e que sujava a minha amiga azul, e me enrugava a pele com tanta umidade; eu já pedalava molhado há uns três dias... Ele fez uma crítica, bela crítica ao meu passeio, que já reconheci no Google Earth. Prometo degustar o recomendado filé de linguado com a porção de camarão à milanesa.

Talvez seja possível pedalar e apertar as mãos do pessoal do Caminhos do Sertão, que me deu boas e valiosas dicas sobre Urubici, Anitápolis e Santa Rosa de Lima. Seria uma feliz coincidência...

Com certeza, apertarei as mãos do Seu Valnério Assing, da Pousada Doce Encanto, que me atendeu tarde da noite, muito calmo e educado, pois eu havia esquecido do tal horário de verão, ensinando-me como enfronhar-me pela estradinha estreita e montanhosa, para chegar em sua pousada, e eu com o Google Earth aberto, seguindo-lhe as pistas... Quando o Caminhos do Sertão mandou sua sugestão, o caminho por mim traçado batia certinho com o deles...

Por certo, dessa vez não terei como dar um abraço no Carlos Beppler e sua esposa Malu, bem como um beijo em suas duas lindas filhas, porque a distância será muita. Eles moram em Camboriú. Beppler foi quem me municiou com os tantos belos recantos, experiente Cicloturista e Presidente da Associação de Ciclismo de Camboriú e Balneário Camboriú. Foi ele também quem me apresentou à Hila Rocha e ao Caminhos do Sertão, bem como teve a preocupação se eu necessitaria ou não, de permissão para atravessar o Parque Nacional de São Joaquim. Nos conhecemos quando de meu Velotour Costa Verde & Mar, onde ele, junto com o Henrique, prestou apoio ao grupo inteiro.

Quanto ao Antônio Celso, que já mandou o telefone dele, caso alguma avaria aconteça em minha bicicleta, o desejo de só conhecê-lo no meu segundo dia, pedalando, sinal de que tudo foi bem e de que não necessitei de nenhuma peça de reposição.

Voltarei, e novamente voltarei, e mais uma vez voltarei, tantas vezes necessárias, porque a beleza da Terra se concentra lá, nos cumes e cânions das terras altas de Santa Catarina, exuberante nos verdes, nas águas e tradições...

Serão 16 dias de uma gostosa mistura de frios, nevoeiros, calores e, como sempre, água caindo de céu abaixo. Descobrirei os encantos dos vinhos locais, dos queijos e cervejas artesanais, um pé de lareira com labaredas vibrantes...

O Cicloturismo, que vou aprendendo e praticando, tem dessas maravilhas: gente, pássaros, flores, rios e encantos...

Com nossas bicicletas, não maculamos nenhum pedaço, não invadimos nenhum território, pelo contrário, passamos a fazer parte da paisagem...

Aos meus amigos, novos e antigos, o meu bem querer, o meu agradecimento em bem receber, todas as boas vontades de vocês a torcerem por mim, a desejarem-me o mais bonito, apenas pela idéia do bom pedalar, uma coisa que só depende de nós, de nossa força e garra, valentia, desprendimento e amor, de nossa busca principalmente, dos sons das águas, do vento que corta ou assopra, das sombras que dançando com o Sol, nos refrescam, dos pássaros que nos brindam em vôos e gorjeios, das flores que nos lançam seus perfumes e suas cores, de Deus, que Conversa conosco...

A todos vocês, muito obrigado, e um grande abraço com afeto...

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