Fogo amigo...

O homem é um animal interessante e interessado...

O nosso dia é quem nos fornece os interesses, e por eles enveredamos...

Despertamos segundo várias instigantes, e desenvolvemos o que nos agrada, produzindo...

Assim foi com Fogo amigo, uma intervenção necessária...



Fogo amigo...

(Paulo Boblitz - abr/2009)


O fogo deve ter sido descoberto num determinado dia sombrio e bastante molhado, pois que um raio deve ter caído perto de alguma caverna, incendiando alguma generosa árvore.

Daquele dia em diante, o fogo foi guardado como bem precioso, mantido aceso por todos os meios pela própria comunidade, através de largos estoques de objetos inflamáveis, na época, apenas folhas secas e madeiras...

Mas chegou um dia em que o homem descobriu como produzir o fogo, perdendo aquela chama, o valor a ela estipulado, e muitos postos e cargos, detentores do fogo eterno, perderam seu valor. Vai ver que foi a primeira crise trabalhista...

O fogo foi e ainda é muito importante nas nossas vidas.

É ele principalmente quem nos aquece, que nos cozinha os alimentos, que nos transporta em movimento através das reações, para todos os confins do planeta, isso por enquanto, até que descubramos viagens mais longas por aí, além da nossa própria Lua.

Para os que não se comportam bem na vida, enquanto vivos, sempre existirá o fogo do Inferno, onde o penado fica sendo assado para sempre, sem direito a nenhum tempero.

É fogo falar sobre fogo, principalmente quando não temos muitas linhas, pois nossos leitores não conseguem se manter no texto se ele for longo - meu desespero...

Existe o triângulo do fogo, o da segurança industrial, que estipula três causas básicas: Combustível, Comburente e Temperatura. Basta que não exista um desses três, que nada nesse nosso mundo pega fogo, embora duas pessoas possam fazer arder o maior fogaréu dentro de quatro paredes, números que a Física e a Química não explicam...

O fogo mais conhecido pelo homem, um ser normalmente beligerante, é o do que se despeja sobre o inimigo, a fim de que se produzam baixas importantes, para que as batalhas sejam ganhas. Do tempo das cavernas até os dias de hoje, muitos foram os fogos inventados para a morte...

Fogo amigo, portanto, é aquele inferno sobre nossas cabeças despejado, por nossos aliados, por engano ou alguma falha de informação.

Acreditem: ele é tão maléfico, quanto como se fosse o próprio inimigo a nos lançar o fogo dele, causando-nos sérios estragos...

Numa batalha aberta, ele ocorre por conta de coordenadas geográficas alteradas, por diversos motivos que aqui não compete analisar, mas numa campanha verbal, costuma ocorrer por conta dos mal-entendidos, que por sua vez acontecem por conta de uma pontuação mal colocada, significados alterados que produzem entonações diversas àquelas que o autor quis realmente expressar - idéias, minha gente..., isso é o que move o mundo..!

Vírgulas, meus caros, as principais vilãs; pontos-e-vírgulas encerrando e dando continuidade ao mesmo tempo, num parágrafo, mas mantendo-se as mesmas idéias; exclamações!, objetivando sentimentos declarados...; interrogações, que exprimem as dúvidas..., alguém tem dúvida?; e pontos finais, que definem o dito, sem reticências..., aqueles três pontinhos peraltas, que dizem mas sem querer dizer..., deixando vocês livres para imaginar..., sei lá!?, o que vocês quiserem!

Mal-entendidos são fogos amigos..., e tudo por conta de uma simples pontuação..., pois não basta pensar, tem-se que saber passar para o papel, caso contrário, a dubiedade aparece, a confusão pode se estabelecer, baixas em nossas fileiras podem ocorrer, más interpretações começarem a gerar outras más ações..., e o verbo é muito lindo para não ser poético, e muito forte!, para permanecer em inércia...

O verbo veio do Verbo, que nos deu a verve para convivermos...

Se vamos emitir opiniões, perguntemos primeiro: é isso mesmo, o que estamos dizendo?

Se vamos escrever para os outros, em nós se parecerem, temos que forçosamente conhecer o mínimo de nossa língua, que é rica, que é pródiga, que nos possibilita um sem número de opções para detalharmos cenários ou contextos...

Escrevemos como falamos - não existe segredo...

O que existe é o não conhecimento de regrinhas tão simples e fáceis, sobre pontuação, aquilo que nos permite respirar e deixar quem nos lê, também respirar; aquilo que nos permite passar para o leitor, nossa entonação, pois que não falamos numa modulação apenas; aquilo que nos permite intensificar, seja a alegria ou a dor, o entusiasmo ou o questionamento, diferenciando a poesia do chulo...

Escrevemos principalmente para quem pensa; por isso, termos necessitam ser bem cuidados, para não termos os mal-entendidos..., e me desculpem a brincadeira com o termântico tema, mas a nossa língua é além de linda, muito instigante...

Somos todos poetas..! O que nos falta, é a boa prática...

* * *

Perdas e ganhos

Enquanto ia hoje para o trabalho, pensava sobre nossas perdas e ganhos...

Quando começo a pensar, sigo devagar pela direita, deixando enfim a via esquerda para os sempre apressados...

E p
ensar na minha cabeça, tem o mesmo significado que escrever, e enquanto não seguro numa pena, vou afugentando as idéias, para não gastar a inspiração...

E lembrei que já havia pensado nisso antes; bastava procurar e achar...



Perdas e ganhos
(Paulo Boblitz – jun/2007)


Outro dia eu estava a escrever para uma rede de supermercados, para que ela parasse de me importunar com ofertas, só porque um dia resolveu me cobrar umas merrecas de juros e multa.

Um amigo, encontrando-se comigo, brincou:

- Essa, você perdeu...

Ele não havia entendido nada...

Só perdemos quando essa palavra faz parte do nosso vocabulário. Embora eu a conheça, não me utilizo dela, mesmo que às vezes ela me ocorra.

Primeiro, porque dinheiro é de papel, portanto pega fogo e se rasga...; depois o ganhamos de novo.

Segundo, porque perda é uma palavra como outra qualquer, e está mais para estado de espírito, do que para o bolso.

Perdi sim, meu pai, minha doce mãe e dois irmãos... Essas são as verdadeiras perdas, pois vão-se pedaços de nós...

Quando viajamos para uma outra cidade, costumamos encontrar subidas e descidas, curvas e várias retas também.

Na estrada, não encaramos nenhuma subida como perda, nem tampouco como obstáculo. Mesmo que viajemos de avião, ele necessitará alçar vôo, para depois pousar.

Quando viajamos, principalmente a passeio, não estamos ganhando ou perdendo – estamos simplesmente nos divertindo... Quem ganha é a nossa família, e ganhamos mais amores.

Nos acostumamos e até gostamos das dualidades: o bem e o mal, o dia e a noite, o quente e o frio, o mais e o menos, o ascendente e o descendente, e tantas contradições que se opõem.

Os antagônicos parecem se atrair... Não é assim com os ímãs? Não é assim com tudo que se contrapõe?, que se anula?

Só não é assim com a gente..., pois só nos ligamos aos semelhantes.

A dualidade mais famosa, não é a dos sexos?

Alguém duvida que não seja gostoso? Alguém acha que se anulam?

Alguém ainda pensa que o outro sexo anda perdendo? Mulheres!, vocês vivem ganhando...

Macho que é macho, tem metade feminina; fêmea que é fêmea, tem metade masculina. Somos metades da vida, que se unem para formar outra vida, também meio a meio – a única divisão que contradiz a matemática.

Perdas e ganhos é invenção do humano, pois no Universo tudo vive interagindo, se transformando, sem a preocupação da perda ou do ganho, ou de quem domina...

Não é nos doando, que conquistamos o amor?

Não é o amor, o maior divisor?

Não é dividindo, que todos ganhamos?

Afinal, ficará para quem, aquilo que pela vida tanto brigamos?

* * *
Competição em alto mar
(Paulo Boblitz - dez/2005)


Natal de 1984? 1985? Não lembro mais, pois já faz muito tempo...

Estávamos embarcados em pleno natal e ano novo, e alguma coisa haveria de ser feita. Morávamos em contêineres à bordo da Balsa de Serviços 3 da Petrobrás, balsa grande por sinal, que ficara ancorada ao lado da Plataforma de Curimã 2, irmã menor da Plataforma de Curimã 1.

Era gostoso sentar no último cabeço das amarras, e ficar observando as ondulações daquele convés comprido, ao sabor das ondas que nos passavam por baixo. Que construção maravilhosa, viva acompanhando o ritmo da dança ondulatória, em flexões ventrais... Quantas forças não estariam conversando naqueles momentos?

Estávamos montando as facilidades de produção da grande PCR-1, e tudo aquilo parecia com um estranho formigueiro, espécie de mistura de formigas com cupins, e mais abelhas, todos interagindo sem confusão, pelo menos, sem grandes confusões...

Trabalhávamos ali as turmas da Perfuração da Sonda Modulada 4, a da Operação, que seria a herdeira de todo o sistema, e todos nós da Engenharia. O maior contingente era o da Engenharia, entre Fiscalização e Empresas de montagem contratadas.

Quando a Perfuração resolvia lavar o convés superior, os serviços de solda eram interrompidos, e boas cachoeiras começavam a jorrar lá de cima.

Quando ligávamos os geradores extras, acordávamos o pessoal da Operação. Quando necessitávamos embarcar material, a sonda estava recebendo lama, cimento, água e outras coisas mais.

Nunca chegamos de fato às vias de fato, mas tivemos boas discussões, pois cada um tinha em mente somente o próprio serviço em questão. Não há nada como dificuldades, para exercerem fascínio sobre os homens, nascendo soluções. Quem mais atenazava, era o Segurança Industrial, pois em tudo ele tinha que dar o pitaco, dizer se podia ou não podia, e do jeito que tinha que ser. Pior, era quando não podíamos nem usar os rádios de telecomunicação, quando estavam a perfilar um poço, quanto mais produzir alguma vibração...

Ficávamos então, todos absolutamente sem fazer absolutamente nada. Somente esperando.

São as horas de ócio, que produzem as mais vibrantes imaginações.

Num dado instante, arrumamos tinta amarela, vários pincéis, várias vassouras, um monte de rolos de fita crepe, e outro tanto de trapos, e distribuímos equipes para tudo: a da pintura, a da varrição, a da medição, a da administração, e a da confecção.

Afastamos os guindastes para os extremos, e logo entrou a turma da varrição, e em paralelo a turma da medição, pois nossos trabalhos sempre foram precedidos de bom planejamento. Sem muita discussão, que uns bons nomes feios não resolvessem, demarcamos todos os quadrantes, e a turma da pintura logo atrás, pintando ver, tudo de amarelo...

Reservadas à sombra, as equipes da administração e da confecção, trabalharam também acelerado. Em pouco tempo estávamos com as regras definidas, as várias bolas de reposição, e um magnífico campo de Futebol de Balsão.

As regras eram simples, definindo data e horário das partidas. Seria permitido o jogo com as botas de serviço, até porque o Segurança não permitiria o contrário, e logo foi designado um juiz que não fosse ladrão.

Bolas na água seriam bolas perdidas, pois gandula não seria permitido. Foram construídas umas dez bolas de uma vez, sinal de boa precaução. As equipes teriam de se apresentar até dez minutos antes de qualquer partida. As seleções seriam as das empresas envolvidas, incluindo-se a própria Petrobrás. Os torneios seriam dois, um no natal, e o outro no ano novo, pois estes eram os dois únicos dias do ano em que se trabalhava apenas meio expediente.

Chegado o dia certo, dia de natal, equipes distintamente uniformizadas, se é que podíamos chamar aquilo de uniformes, mas o fato é que havia clara distinção, apresentaram-se para a contenda. Foi a tarde inteira de peleja, não com o trabalho, mas com a bola, e equipes foram sendo selecionadas, umas por derrota, e outras por sagração, até que restou somente o último jogo do dia, o de campeão e vice...

Nove bolas já tinham sido perdidas...

Daí, alguém mais preocupado, lembrou logo da reposição. O sujeito da Qualidade fez que não, pois não haveria fita crepe para o dia seguinte, dia de trabalho sim senhor. Foi respeitada a voz do dono das fitas, afinal ele é quem sabia onde mais doía, e assim, dada a largada com o apito inicial, começou o jogo mais insosso de um final de campeonato, sem bola alta, sem chute forte e sem grandes divididas, pois a bola era frágil, e sendo a última, todo o cuidado ainda era pouco...

Mas o que era tão temido aconteceu..., a bola na água mergulhou..., e todos em uníssono fizeram Ohhh..., e todos olharam para mim, pois a regra da bola perdida era de minha autoria. Hoje eu posso contar, pois já se passaram vinte anos, e nesse tempo, qualquer crime já prescreveu...

Uma decisão rápida precisava ser tomada, pois a correnteza já carregava a bola. Eu não ficaria com aquela responsabilidade, de que por minha causa, um campeonato não teria sido concluído. Rápido gritei:

- Quem já foi pescador?

E logo uns vinte braços se ergueram. Ia ter pescador assim na Cochinchina...

E tornei a insistir:

- Eu quero saber quem foi pescador de verdade...

Aí, apenas um braço levantou, bem sério ele me olhou, e entendi no brilho daquele olhar, que ele sabia mesmo nadar...

E balancei a cabeça fazendo sim, e ele que nem um moleque saiu correndo, lançou-se no ar como torpedo, fechou os braços sobre a cabeça em submissão, e espetacularmente fez um Tchibummm!, saindo mais além tomando ar, e com três braçadas chegou na bola...

E gritei novamente:

- Rápido, uma bóia salva-vidas!

E apareceram mais de dez. Se fosse um exercício, talvez não tivesse aparecido nenhuma...

E foi nomeado um gandula, e nomeada uma equipe de resgate. A coisa evoluía...

A bola de trapos e fita crepe já não tinha mais aquela personalidade que toda bola oficial tem. Ora adotava forma oval, ora saía molhando todo mundo, e um mais abusado chutou para fora...

O gandula mais ágil que um gato caiu na água, logo retornando. Mais um pouco, bola fora de novo, e o gandula adorando ser o festival...

Outra bola fora, e mergulha o gandula e mais um ajudante de gandula. Aí já era demais, pois até a bola não era mais bola, parecendo aquelas múmias soltando tiras...

Puxei ligeiro o encarregado de manutenção da balsa, e pedi a antecipação do grande banho, surpresa do final. Ele entendeu e fez sinal para um ajudante, e logo um jato da mangueira de incêndio aparecia, molhando todo mundo com água salgada, tornando o campo impróprio para um futebol.

Houve invasão de campo, e jogadores e torcida começaram um belo banho, logo esquecendo-se da bola, que saiu rolando junto com a correnteza para o mar.

Naquele dia não houve perdedores, pois estavam, na hora da interrupção, devidamente empatados, e como o jogo havia sido paralisado por motivos alheios às duas equipes, as duas sentiam-se vitoriosas. Sempre há uma primeira vez, e daquela vez, tivemos dois campeões, resultado digno de uma peleja, balançando no meio do mar...

Ceamos cansados naquela noite especial, devidamente confraternizados, sem trocas de presentes, apenas o gargalhar, o tira-teima do lance, o chute bem colocado, o artilheiro do certame, o goleiro mais frangado, e outras tantas troças que cada um gosta de fazer com o outro. Mais ao fundo, o pescador calado, de vez em quando um cumprimento, o salvador do campeonato...

Dia seguinte desembarcaram quatro, houve fila para banhos de luz, compressas e bandagens, gente mancando à beça, fruto de um jogo com botas...

O que não se faz embarcado..?


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