Trilha Lagarto - Simão Dias (Sergipe)


Não há novidade que não transforme...

Não existem trilhas sem novidades...

Qual vento que nos traz aromas,

leva nossas idéias...



Trilha Lagarto - Simão Dias (Sergipe)
(Paulo R. Boblitz - fev/2010)


Quando pedalava com o Hsu, subindo a montanha de Bonito, ele me fez uma demonstração da sapatilha com clipes, e ali me decidi que quando retornássemos para casa, eu compraria um conjunto - por alguns metros, ele subiu pedalando num pé só.

Para quem não é ciclista, sapatilha tem um clipe que une o pé ao pedal, também especial para agarrar o clipe. Assim, o pedal prende a sapatilha, que prende o pé, que está preso à perna, e você de repente passa a ser uma extensão da bicicleta, pois que você literalmente está aparafusado nela.

Isto significa que seus pés estão devidamente presos, puxando o pedal para cima, enquanto o outro empurra para baixo. Isso melhora a eficiência, pois que com os pedais convencionais, apenas conseguimos empurrar, já que quando levantamos o pé, ele desgruda do pedal sem nenhum efeito positivo à pedalada.

Também significa que você não pode estar clipado e parado ao mesmo tempo, pois a bicicleta, tendo apenas duas rodas, uma à frente e outra atrás, penderá para um lado ou para o outro, carregando você junto.

Assim, todas as vezes em que tivermos que parar, um leve movimento com os calcanhares para o lado de fora, será suficiente para descliparmos o pé livrando-o da prisão, conseqüentemente liberando-o para nosso apoio no chão.

Com esta sapatilha, não dançamos balé, pois que se parecem muito com os tênis; apenas quando andamos, nos denunciamos pelo som metálico do clipe, como se estivéssemos utilizando ferraduras. As sapatilhas também oferecem maior rigidez à planta dos pés, trazendo maior conforto em longas pedaladas.

Seis horas da manhã, acho que com algum atraso, partíamos para Lagarto no ônibus do Caldas, e ainda nele eu mostrei a novidade aos amigos, pois iria inaugurá-la naquela trilha. Choveram conselhos e vaticínios, sendo os mais assustadores, aqueles que enumeravam a quantidade de quedas que devemos levar para nos acostumarmos com esse gesto mecânico: parar versus desclipar - reza a tradição que são necessários três tombos, todos eles bestas..., pois sempre estaremos mais ou menos parados ou parando.

Foi como se eu tivesse iniciado nos pedais naquele dia, as pernas presas, o pé direito necessitando de um leve ajuste, a preocupação com as paradas, clipa, desclipa, erros na clipagem, repete mentalmente feito bobo, clipa, desclipa, perde a concentração, a respiração modifica, o rendimento cai vertiginosamente...

O Sol também não estava ajudando, quente querendo nos secar, como já havia secado a paisagem.

Clipa, desclipa, até aqui tudo estava indo bem, até que a bicicleta começou a escorregar como se estivesse desmaiando, aquela coisa mole no pneu da frente...

Logo eu gritava: pneu!, e freava, e esquecia de todo o treinamento clipa, desclipa, mergulhando frontal lateral para o chão...


Menos mal...; agora só faltavam duas...

"Os joelhos..!" - me avisaram... "São sempre eles que chegam primeiro..." - como os trens de pouso dos aviões...

Fui socorrido, sacudi o orgulho batendo a poeira da bunda, enquanto o sangue vermelho dava o seu show, descendo em filete até às meias... Minha palma da mão esquerda doía ou ardia, nem sei mais, pois foi quem me apoiou sobre as pedras da piçarra solta. Santas luvas protetoras...


Num segundo eu já estava cercado pelo Djalma, pelo Eduardo, pelo Sílvio, pelo Gilton que saiu me pintando com um spray incolor, pelo Raimundão, pelo André Formigão, e perdoem-me se estiver esquecendo ou trocando alguém...

Lavei o ferimento com água e o Gilton tornou a me pintar, dizendo que aquilo matava tudo, até a dor. Num instante, a cena do acidente já estava limpa. Agradeci, montamos na bicicleta
e seguimos em frente, e logo encontramos todos nos aguardando debaixo de uma boa sombra. A Dona de Casa, com uma garrafa de água, logo se prontificou a me arrumar bom gelo, no que lhe declinei de coração, preferindo pedalar a deixar aquilo esfriar...

A trilha não estava dura; era o Sol quem maltratava...


Já havíamos cruzado o povoado Olhos d'Água e mais um pouco, Os Zuandeiros paravam no povoado Piabas, para uma pequena distribuição de alimentos, quando aproveitei e fui av
ante devagar, pois aquele dia estava difícil de pedalar.

Em Salobra, já percorr
idos 25 km, o Raimundo pediu que esperássemos por todo mundo, pois a partir daquele ponto poderíamos errar. Aproveitei a magnífica sombra de um esplêndido Tamburi (Enterobium timbouva) para comer uma barrinha de cereais, que descobri estar meio derretida. Se aquela estava assim, as outras duas deveriam estar também...

Vi um menino dos olhos trocados e ofereci para ele; a outra eu dei para o outro menino que estava a olhar; devolveram-me sorrisos, os melhores agradecimentos que recebemos, e logo, num instante, os dois as devoravam com prazer.


Descansamos um pouco e partimos para o povoado Jaqueira, e em seguida chegamos n
a Rua do Fogo, onde mais alimentos foram distribuídos. Só faltavam 5 km para chegarmos ao topo da Serra do Cruzeiro, a 424 metros de altitude, onde almoçaríamos.

Enquanto entregavam os mantimentos, seguimos em frente e acabamos pegando outro caminho, mais longo; Silvio fez a mesma coisa, mas por outro meandro, pedalando ainda mais do que nós.

Ao pé da ladeira, toda ela em paralelepípedos, suspiramos e a enfrentamos, mas logo eu e o Omar descíamos das bicicletas, pois ela estava muito empinada. Num ponto bonito, virei par
a o Omar e lhe disse que ficasse bem ali no lugar indicado, pois eu iria bater uma foto.

Omar posicionado mas bem sério, fez com que eu retirasse a câmera da posição, enquanto dizia:

- Sorria..!


- Eu não!, sorria você..! - e apontou-me para o que ele estava vendo às minhas costas...

Me virei e vi uma tripa enorme que ziguezagueava até o topo do Cruzeiro, e os dois demo
s boas risadas, pois estávamos devidamente "lascados", como se diz no Nordeste, lá mais para cima...

Enfim chegamos onde a vista nos recompensava. No caminho encontramos Dôra, Zelito
e mais um ciclista de Lagarto, sentados à sombra de uma arbustiva. Levantaram e seguimos todos juntos...

Olhei o hodômetro e verifiquei que havíamos pedalado cerca de 40 km; creio que almoçamos por volta das 13 horas, não sem antes nos hidratarmos com bastante isotônico espumante e gelado, uma delícia de sabor especial, muito parecido com a cerveja...

Depois de muitas conversas fora, isotônicos e o almoço, descemos todos para a cidade de Simão Dias, quase fronteira com a Bahia, assim chamada em homenagem ao vaqueiro Simão Dias, que com a devida competência, soube esconder ali naquela região, o gado de um fazendeiro de Itabaiana, quando da invasão dos holandeses em 1637.

Nos reunimos na praça Fausto Cardoso, em frente à sede da Prefeitura, numa tarde domingueira quente e deserta, e ficamos aguardando o Caldas chegar. Alguém deu a idéia de descermos até um posto de gasolina, onde existiam banheiros para um bom banho.

Mais alguns isotônicos, uma boa conversa enquanto embarcavam as bicicletas, e por volta das 4 da tarde, já estávamos novamente em casa, cansados e felizes...

Agora é aguardar a próxim
a trilha, mas já lhes adianto que fui convidado para, neste 6 e 7/março, pedalar até a praia do Saco, cerca de 95 km. Ficaremos em Mangue Seco, no outro lado do Rio Real, já na Bahia, onde filmaram Tieta, baseada na obra de Jorge Amado.

Tiraremos um bom domingo de folga, sem pedais, somente sombra, água de coco fresca, e isotônico gelado...

* * *

* Mais fotos no sítio d'Os Zuandeiros: http://www.zuandeiros.com.br/

Camocim de São Félix - Aracaju

Saudades...

Porque sentimos a falta; porque queremos de novo...

Saudades...

Porque um dia vimos ou sentimos...

Saudades..., coisas gostosas que o amor inventou...



Camocim de São Félix - Aracaju
(Paulo R. Boblitz - fev/2010)


Este será um carnaval por muitos anos lembrado, onde suamos não por pulá-lo, mas sim por trilhá-lo nos caminhos que Deus fez para alegrar o homem.

Subi, desci, me extasiei uma porção de vezes, sempre que parava e mirava ao longe, onde as cores e os elementos se misturam; sorri muito, essencialmente, pois andei com pessoas alegres e boas, saudáveis e amigas, unidas, principalmente.

Por falar em saúde, sentimos muito a falta do nosso amigo Agnelson Araújo, o Capitão, que empurra, reboca, incentiva, dá carão, reclama, faz zoada, enfim, não nos deixa em paz quando pedalamos; estou devendo a ele uma visita, apertar-lhe a mão, verificar como anda sua saúde...

Tudo isso teve início no dia 13 de fevereiro, um belo sábado gordo, quando passamos o dia inteiro viajando pelos Estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco. No domingo e na segunda-feira, duas trilhas sensacionais, literalmente de tirar o fôlego, pelos esforços e pelas vistas magníficas...

Agora precisávamos voltar; mais um dia de viagem, que prometia ser movimentado como o nosso primeiro dia também o fora.

A noite anterior havia sido gostosa pelos tantos sorrisos na entrega dos troféus, quando um troféu necessitou de pelo menos umas cinco votações para ser definido; tantas eleições assim, creio só para a escolha dos Papas...

O troféu Morgado foi disputado intensamente pelo Fabio e pelo Kanídia, onde cada um chegou a fazer a própria campanha, cada um fez as impugnações que podia, e também discursos morgados..., até que finalmente o Kanídia convenceu a maioria.

Foi lá na frente e recebeu o troféu das mãos do próprio Fabio, e as palmas de merecimento também...

O segundo troféu entregue foi para mim, que tive a honra de recebê-lo das mãos do Ricardo Hsu, um campeão que já se prepara para as corridas de março próximo. Estaremos torcendo por ele, como ele torceu por todos nós.

Meu troféu foi o de Maior Biguzeiro, pois em Pernambuco, Bigu é aquele que pega carona, embora a minha não tenha sido assim tão longa, apenas uns 5 km de ladeira íngreme, para cima...

Turma exagerada...

O terceiro troféu foi o Sentou e Chorou, entregue para o Juarez que, de volta do almoço no Camping do Mágico, não chorou mas sentou bem confortável no banco do carro de apoio, enquanto a gente penava para subir.

O que ninguém sabe é que tudo foi por causa da comida saborosa, tornando-o muito mais pesado do que realmente é, desequilibrando o conjunto, obrigando-o a abandonar a peleja...

O quarto troféu foi o Carniça da Carniça, entregue ao Max por ele ter andado atrás de mim...

Também achei um exagero, só porque ele comeu demais no belo café da manhã, misturando tudo, preocupado em armazenar energia e fazer bonito em Bonito, abrilhantando a equipe.

Dos quatro troféus, apenas o Morgado foi acirradamente disputado; os outros, foram conquistados por unanimidade, sem discussões.

Querem saber de uma coisa? Os troféus estavam tão bonitos que, se possível, adoraria tê-los conquistado todos. Na próxima vez, arrastarei mais um, para exibi-lo com orgulho aos meus amigos.

Amanhecemos muito dispostos, talvez por sabermos que não enfrentaríamos nenhuma ladeira, pois eu já estava me sentindo um cabrito, ou melhor, um velho bode.

Enquanto o cheirinho gostoso das coisas do café se iam nos achegando, amarrávamos as bicicletas, cada um cuidando a seu modo, daquelas meninas alegres e magrinhas.

Como as que eu amarrava eram as mais complicadas (iam soltas), todos terminaram e se juntaram ao meu redor, para me verem dar nós e voltas em torno de cada uma, e concordando com o Raimundão, quando ele disse que me ver amarrando bicicletas era uma terapia...

Tomamos o nosso café, nos despedimos da família do Jonas e partimos em paz, mas alguma coisa naquele café iria fermentar para nos atormentar o caminho. Do Sebastião e esposa não sabemos nada, pois aproveitaram para seguir até Caruaru, escapulindo do nosso comboio.

Primeira parada no primeiro banheiro decente de estrada. Visitaram-no, no Eles e no Elas, alguns de nós.

A especulação corria solta...

- a culpa foi do iogurte da Lu, disse um...

- a culpa foi dos ovos, disse outro...

- a culpa foi do cuscuz, disse mais alguém...

Apenas uma coisa eu sei: foi alguma coisa que eu não comi, e naquela manhã deixei de comer muitas coisas. Como não tínhamos tempo para as exclusões, depois de muita gente já desapeada, seguimos em frente vencendo asfaltos...

Esse negócio de banheiros renderia até chegarmos em Garanhuns, onde almoçamos, mas isso não significa que as coisas estavam torrenciais, pelo contrário, tudo comedido, tudo com tempo calmo e assim por diante.

Se a coisa estava apertada, apertou um pouco mais quando numa das partidas, o carro do Gilton resolveu também desarranjar. Ao virar a chave na ignição, nada... Empurramos e ele pegou, mas o painel estava se comportando como se um disco voador estivesse pairando sobre ele, pois os ponteiros estavam loucos e agitados. Alguma coisa estava em curto, logo ali, quando longo era o que faltava para chegarmos em casa.

Depois do almoço pegamos a estrada novamente, não sem antes empurrarmos o Gilton. Resolveram parar na Praça do Relógio das Flores, onde ele todo é feito de flores de cores diferentes, exceto os ponteiros.

Quando consegui estacionar, notei a ausência do Gilton; me informaram que ele, temeroso com o carro apagar de vez, havia adiantado seguindo em frente. Eu e a esposa pulamos no carro e saímos no encalço dele, pois se ele parasse por um problema, não estaria só.

Acontece que peguei a estrada errada, seguindo para Palmares, enquanto Gilton seguia para Bom Conselho. Acho que bom conselho me foi soprado pelo meu Anjo da Guarda, que me fez perguntar se Bom Conselho era por ali, descobrindo o engano.

Enquanto voltávamos, liguei para o Gilton para que ele diminuísse a marcha, e assim eu pudesse alcançá-lo. Quando já estava na estrada correta, Gilton me ligou dizendo que todos estavam me aguardando, enquanto ele seguia novamente em frente, com a noiva, o filho e minha filha.

Mais um pouco, alcancei o comboio e seguimos em frente, mas àquela marcha, pensei que não alcançaríamos o Gilton, e apertei o pé novamente, deixando todos para trás. Lá bem adiante, avistamos o Gilton e seguimos juntos tranqüilos. Quando estávamos descendo a Serra das Pias, onde na ida compramos pinhas e mangas, Hsu, Kanídia, Max e Marcelo nos alcançavam.

Paramos todos para uma nova compra, mas o Gilton novamente saiu apressado; comprei, paguei e saí atrás dele novamente, deixando o comboio para trás, onde as compras, pelo número de compradores, prometia demorar.

Quando chegamos em Palmeiras dos Índios, Gilton passou direto, quando deveria dobrar para Arapiraca. Fizemos um retorno mais à frente e nos ajeitamos, tempo em que o comboio passou sem que o víssemos.

Estávamos parecendo gato e rato...

Quando chegamos na BR, encontramos o comboio já partindo, mas teríamos que dar uma parada; era o mesmo posto em que havíamos parado na nossa vinda, para comermos algo.

Lá eu conheci o Pingo, um pequeno vira-lata bem gordo, velho e bastante cansado, que me olhava sem muito interesse. O dono do restaurante, reconhecendo-me e notando o meu interesse no Pingo, falou todo orgulhoso:

- 14 anos e 2 meses...

Em seguida, virando-se para o Pingo, perguntou pelo nome do filho dele, e o Pingo, numa espécie de canto com choro, ganiu algumas vezes bem alto, demonstrando sua honesta saudade. Nossa conversa foi interrompida com os chamados do Gilton e precisamos partir.

Dei adeus para o Pingo que, novamente deitado, apenas me olhou e novamente fechou os olhos; acho que ele já viu muita gente passar...

Seguimos em frente, atravessamos o Velho Chico, chegando em casa com segurança, tranqüilidade e saúde, graças a Deus.

Acho também que naquela noite todos fomos dormir felizes, já sonhando num outro caminho, numa outra nova trilha, mais suores e dores, mais sabores e odores, das coisas lindas e simples, ali, no estender das mãos, onde o vento faz roçar as ramas quando passamos, nos tocando em avisos em nossos corpos, que somos bem-vindos...

* * *

Trilha de Camocim de São Félix - Serra Negra (iii de iv)

Quando a gente quer,

no íntimo já venceu...

Quando a gente quer,

ninguém consegue querer por nós...

Só não nos esqueçamos de respeitar os limites...



Trilha de Camocim de São Félix - Serra Negra (iii de iv)
(Paulo R. Boblitz - fev/2010)


Terceiro dia, segunda trilha...

A esposa me olhava com aquele olhar que já conheço, e lhe respondi: Vou pedalar...

Tomei um banho e me vesti, mas naquele dia ninguém tinha pressa para começar qualquer que fosse a trilha. Um a um foi aparecendo com cara de sono e de doído, um espreguiçar, um bocejo, muita preguiça no ar...

Tomamos o nosso belo café da manhã e cada um já pegava a própria bicicleta; não houve alongamentos, nem avisos, e até a oração foi meio rápida - estávamos enfadados...

Hsu finalmente quebrou o marasmo e começou a pedalar; Lu, no carro de apoio seguiu atrás, depois eu também e em seguida um a um formando o grupo.

Hsu logo me apontou a direção, uma descida, e lá fui eu sem fazer força, até que começássemos a subir novamente... Mais um pouco passou o Hsu, depois mais outro, depois mais outro, e de repente não havia mais ninguém atrás de mim, a não ser a minha bela escudeira com nossa filha...

Estávamos indo em direção a Bezerros, cerca de 14 km, sempre descendo, de vez em quando uma leve subida, até que chegamos numa réplica de um castelo. Posei para uma foto ligeira com a esposa e filha e segui em frente, pois uma coisa ruim é atrasar os outros.

Do castelo em diante era uma leve subida, talvez de 1 km ou pouco menos, até que cheguei numa curva e de lá descortinei o mundo inteiro lá embaixo... Meus olhos brilharam, pois era uma bela e bem looonga descida (em casa eu pesquisei e encontrei 7,3 km, dos 700 metros aos 468 metros), sem curvas, sem tráfego, sem buracos, onde eu poderia deixar rolar sem dó..., só eu, a bicicleta e o vento...

Logo procurei a relação de maior velocidade e pedalei sem pena, mas aquele não era o meu dia de boa descida, pois quase no meio, uma coisa voadora se alojou em meu ouvido direito, indecisa sem saber se entrava ou ia embora, produzindo um fragoroso bater de asas, preocupante.

Perdi a concentração, preocupei-me com uma possível ferroada, e com o dedo indicador tentei tirá-lo de lá, justo a mão do bom freio, pois a da esquerda era do dianteiro, e quanto mais eu cutucava, mais o barulho aumentava; revezei nos freios e nos cutucões, até que o bicho foi embora, levando minha bela descida com ele... - minha marca não passou dos 60,5, e dali segui sem o mesmo ímpeto, parando lá embaixo sem saber para onde ir...

Aos poucos, começaram a chegar os outros, primeiro o Max, depois o Sebastião, depois o Gilton, mais um pouco o Fábio que havia voado baixo, mas sem hodômetro, não teve como estimar... O restante ainda demoraria um pouco, e nesse pouco eu fui esfriando, no que já estava frio... Eram as ladeiras do dia anterior, lá atrás vencidas, agora rindo por último...

Com todo mundo reunido, pedais e carros de apoio, partimos para o que seria mais radical que o dia anterior, a subida da Serra Negra, praticamente 10 km de ladeira...

Pesquisando no Google Earth, descobri uma outra Serra Negra, desta feita uma reserva biológica, a meio caminho entre Ibimirim e Floresta, muito longe da que nós subiríamos. Seja como for, aquela era a nossa Serra Negra, como o povoado de Bezerros, terra do Papangu, conhece, com seu pico mais alto a 960 metros de altitude, na gruta do Deda, onde se pode encontrar uma temperatura de 9 graus no meio do sertão, uma das maravilhas de Pernambuco, em festa com o carnaval cheio de Papangus, escondidos sob belas máscaras trabalhadas em papel machê, coloridas e vistosas, em nada a dever com as tão famosas de Veneza.

Quando passamos, o centro de Bezerros estava tomado de muitas barracas que vendiam comidas e bebidas enquanto os foliões deviam brincar ali pelo meio. O trânsito interditado para os automóveis, obrigou nossos carros de apoio a darem uma volta, enquanto passávamos pelo que foi palco na noite e madrugada anterior, de uma festa bem animada, agora sendo lavada por caminhões pipa, com cada barraca tratando de se abastecer para nova peleja.

Bezerros tem sua origem datada em 1740, quando naturalmente serviu para um grande comércio de gado, iniciando-se o povoamento. As versões sobre a origem de seu nome parecem conflitantes, pois duas se relacionam com uma família Bezerra, e a outra, por ter servido o local para grande queima de bezerros. Sua altitude é de 470 metros.

Nosso destino era o Mirante onde existe um bom restaurante e uma hospitaleira Casa do Pólo Cultural Serra Negra, onde fotografei duas adoráveis jovens muito bonitas e simpáticas, trajadas representando as duas escravas que um dia ali se esconderam dos Capitães-do-mato, daí o nome Serra Negra... A história é triste, pois uma das negras cometeu o suicídio.

Ali faríamos uma pausa para um breve lanche e hidratação, além, claro, de belas fotos da região, onde descortinamos a Reserva Ecológica de Serra Negra, abastecendo a alma com o precioso combustível divino, a nos entrar pelas meninas dos olhos...

Iniciamos a subida por um trecho suave de terra batida, onde havia um forte tráfego de veículos com turistas e nativos, levantando muita poeira fina no ar. O chão estava pesado para os meus pneus, e aquela poeira haveria de roubar-me o restante das energias.

Hsu me buscou algumas vezes, até que chegamos no pé da grande vertente, em paralelepípedos, onde todos já descansavam num acanhado bar à beira do caminho. Hsu então me avisou, como que aconselhando:

- Boblitz..., essa ladeira que tomaremos agora, até para subirmos empurrando, é pesada...

Calculei que talvez já tivesse subido 1 terço da trilha, e achei que os outros 2 terços na caçamba da Saveiro, junto com minha esposa e nossa filha, não fariam mal. Concordei com ele e embarquei. No caminho, que o Gilton relatou que a bicicleta queria empinar, aproveitei e tirei belas fotos.

Já lá em cima, a 860 metros de altitude, beliscando batatas fritas e sorvendo a mais deliciosa de todas as cervejas do mundo, ela bem gelada e eu com muita sede, sorrimos todos quando alguém contou que o Raimundo, para quem se chegava a ele no meio da ladeira buscando conversa, repetia apressado:

Conversa pouca!, conversa pouca..!

Lá embaixo em Bezerros, no ponto em que ficamos esperando todos chegarem, aproveitei para experimentar um pequeno envelope de Carb Up gel; achei o gosto horrível, como horrível também acho o do Gatorade, preferindo não mais tomá-los. Pode parecer estranho, mas ainda acho que piorei depois de ingeri-lo com água. Isotônicos para mim, ainda são a água de coco e a cerveja; quem duvidar, é só fazer uma visita aos sítios, ou fazer uma pesquisa no Google:

- http://www.sindicerv.com.br/cerveja-saude.php

- http://www.saudenarede.com.br/?p=av&id=Agua_de_Coco_e_Saude

Por volta do meio dia partimos em direção a Gravatá, cada um descendo do jeito que queria, e que podia, pois para baixo, tudo ajuda... Em Gravatá eu veria o estrago que apenas uma freada que o Hsu deu, causou no pneu dele; até brincamos, sugerindo que ele colocasse um manchão ou um protetor com o plástico retirado de uma garrafa pet de refrigerante.

Novamente nos reunimos no pé da serra, aguardando os retardatários Guiné e Dinha; eu quase que passava direto, pois em minha frente se deslocava uma caminhonete velha, levantando uma nuvem de poeira. Já estavam lá o Raimundo, o Marcelo, o Hsu, o Sebastião, o Fábio, o Max, o Gilton, o Kanídia e o Juarez, e todos gritaram para que eu parasse, o que só consegui uns 20 ou 30 metros adiante.

De novo estávamos todos em movimento, mas o pneu do Gilton furou; o prego era tão grande, que produziu 2 furos de uma vez só. Resolvi adiantar e comecei a pedalar, e me acompanharam o Raimundo, Guiné, Dinha e Juarez.

Quando faltavam apenas 4 km para chegarmos, o Hsu me alcançou, perguntou se estava tudo bem, e a quantos minutos os outros estavam à minha frente.

- Acho que uns 5 ou 10 minutos... - lhe respondi

E saiu em disparada para alcançá-los...; quase que os alcança...

Mais um pouco, o Kanídia me ultrapassava; mais um pouco ainda, Marcelo, Sebastião e Fábio, também me passavam.

Para trás estavam Max e Gilton, mas logo me alcançaram e pedalaram comigo até chegarmos no Restaurante; fizemos uma grande mesa e os respectivos pedidos, almoçando por volta das 3 e meia da tarde.

Em Pernambuco se come muito bem, principalmente muito; o prato que o Garçom informou ser para dois, comeriam quatro, quase ao preço de um...

As mulheres saíram para comprar lembranças, e nós ficamos amarrando as bicicletas; mais um pouco, voltaríamos para Camocim de São Félix.

Todos a bordo, saímos um a um do estacionamento do restaurante. Quando foi a minha vez, cedi passagem a dois Papangus, bem vistosos e coloridos; parei por alguns segundos e lhes pedi permissão para fotografá-los, tempo suficiente para perder de vista os que iam à minha frente.

Como o caminho que tínhamos vindo estava logo ali na minha frente, não me preocupei, a não ser quando nele cheguei e descobri ser contramão, mas em seguida vi a placa que indicava a direção da BR. Agora era só uma questão de tempo para alcançá-los.

Apressado não os vi nos aguardando e segui em frente, fiz o contorno e peguei a BR, e a 120 km/hora eu os buscava, enquanto eles corriam atrás de mim.

Resultado: entrei em Bezerros pelo acesso errado e os fiquei aguardando. Desconfiado de que eles não poderiam estar correndo tanto, liguei para o Hsu, atendendo o Raimundo, que pediu que os aguardássemos.

Depois de um bom tempo esperando, liguei novamente para o Hsu e novamente o Raimundo atendeu, pois não poderiam estar assim tão devagar:

- Raimundo!? Onde vocês estão!?

- Já estamos chegando em Camocim, e vocês!?

- Estamos esperando em Bezerros...

Liguei o carro e descobrimos o caminho, e mais um pouco chegávamos no hotel. Aquela noite seria especial, pois logo após o jantar, haveria a entrega dos troféus:

- Troféu Morgado - destinado ao que fica enrolando ganhando tempo, por exemplo, usando 10 minutos para fazer xixi, ou que conhece o caminho mas cria polêmica.

- Troféu Carniça da Carniça - destinado ao que anda atrás do Carniça, talvez a mistura do Morgado com o Sentou e Chorou.

- Troféu Sentou e Chorou - destinado ao que sentou e chorou, desistindo da trilha.

- Troféu Maior Biguzeiro - destinado ao que pegou carona, mas terminou a trilha.

A noite não seria pomposa como qualquer uma onde prêmios são entregues, mas bastante engraçada...

E para não perder a audiência, vou contar apenas na próxima e última crônica, o dia da nossa volta, que nem por isso, deixou de ser movimentado...

* * *

Trilha de Camocim de São Félix - Bonito - Serra Negra (ii de iv)

Quando a gente quer,

no íntimo já venceu...

Quando a gente quer,

ninguém consegue querer por nós...



Trilha de Camocim de São Félix - Bonito - Serra Negra (ii de iv)
(Paulo R. Boblitz - fev/2010)


Seis e meia da manhã, a largada estava pronta... Corremos para o lauto desjejum, onde havia cuscuz de milho, macaxeira, inhame, ovo frito, queijo derretido, carnes, sucos, leite, iogurte, café, pão...

Saímos pontualmente, pesados e cheios, depois de breves avisos e uma Oração em grupo, para que nada nos acontecesse.

Antes disso eu já estava lá de cima, na pequena amurada, segundo andar, em frente à minha porta, respirando e suspirando, olhando aquela nuvem baixa a cobrir as baixadas de Camocim de São Félix. Fazia um friozinho gostoso, como havia sido o friozinho da noite, pelo vento que entrava pelas janelas de um quarto sem ar condicionado ou ventilador - simplesmente não há necessidade...

Camocim de São Félix nasceu em 1890, quando tropeiros vindos de São José dos Bezerros, por ali passavam em direção a Bonito; três anos mais tarde foi oficialmente batizada de Camocituba. Seu significado, segundo pesquisadores, pode ser "pote", "vaso", "urna funerária", "pau lavrado", ou ainda "buraco de enterrar defunto", todos derivados do Tupi; o São Félix vem do nome do santo capuchinho Félix de Cantalice, dado à primeira capela, iniciada a construção em 1895 (fonte: Wikipédia).

Agora, já no asfalto, aquela pequena nuvem havia subido, levando consigo os recados e anseios de um povo por melhoras, pois que sempre estamos em luta pelas prosperidades.

Devagar íamos avançando, sem pressa, nos aquecendo as juntas na manhã fria com o Sol já ha quase a 1 quarto; carros de apoio posicionados, e nos revezando lá pela frente, já ensaiando pequenos roncos mais graves de nossas pernas motores.

A primeira descida apareceu e o ar condicionado foi ligado...; deslizávamos livres enquanto ela durava, e sempre durava pouco...

Nosso rumo era Bonito, para de lá subirmos outro tanto de Bonito. Saímos de 723 metros de altitude, em Camocim, numa espécie de tobogã, descendo, nivelando, subindo mais um pouco e tornando a descer... Bonito ficava aos 443 metros..., pacífica e enfeitada com o carnaval, onde pude matar a saudade quando menino amarrava uma lata na bicicleta e a fazia berrar pelo efeito do cubo traseiro rangendo como se um carro de boi, onde o som se propagava pelo cordão e amplificava na cuíca improvisada.

Bonito assim se chama porque assim foi chamado pelas belezas do local, quando caçadores de São José dos Bezerros ali acampavam, deparando-se com riachos e cachoeiras, mas Bonito tem uma História especial: situava-se na área abrangida pelo famoso Quilombo dos Palmares. Bonito foi palco de diversas revoltas que terminaram na morte de muitos habitantes.

Em 19 de dezembro de 1874, aconteceu a Revolta do Quebra-Quilos, por conta da alteração do antigo sistema de pesos e medidas, conforme a Lei Imperial 1157, de 1862.

Em fins de 1819, no governo Luiz do Rego, houve a grande matança dos habitantes da Serra do Rodeador, a que D. Pedro I, em seu manifesto aos brasileiros, assim se exprimiu: "Pernambucanos, lembrai-vos das fogueiras do Bonito". A matança ocorreu por conta de movimento messiânico liderado pelo ex-soldado do 12o. Batalhão de Milícias de Alagoas, Silvestre José dos Santos, que pregava o Sebastianismo, outro messianismo, desta feita em Portugal, onde acreditavam que D. Sebastião não havia morrido na batalha de Alcácer-Quibir, na África (fonte: Wikipédia).

Enquanto somente descíamos, todos os santos ajudavam, e mais um pouco chegávamos a Bonito.

Pedi ao Hsu que me ensinasse o caminho, pois precisava me adiantar, já que subo devagar diante do grupo mais jovem e disposto, tentando assim pouco atrasar o passeio.

Hsu foi comigo até o ponto em que eu não teria como errar, dali voltando para se juntar ao grupo, que se aprovisionava de água e de frutas; Juarez nos acompanhou.

Olhei para cima e fiquei encantado; não sabia se conseguiria... Eu e Juarez iniciamos sem pressa, já que tínhamos uma boa vantagem. De Bonito até as antenas de telecomunicações, o ponto mais elevado, distavam apenas 4,5 km, onde deveríamos vencer 361 metros, uma bela inclinação...

Pedalamos juntos até o momento em que descobri que minha velocidade havia caído para 3,5 km/hora, a mesma desenvolvida por mim andando. Não fazia sentido desgastar-me tanto, pois subir andando empurrando a bicicleta, também não é fácil. Juarez logo distanciou-se e fiquei sozinho, bons momentos para bater fotos e mais ou menos na metade, Hsu apareceu, e atrás dele todos os outros, bufando e estalando marchas... Mais um pouco os carros de apoio também apareciam, e até chegaram a me convidar, mas recusei.

Nos pontos onde a inclinação amenizava, subia na bici e pedalava; devo ter andado umas três vezes, talvez uns 500 metros, mas quem se importa com exatidões?

Os carros subiram e minha esposa ficou me acompanhando; no último trecho, minha filha desceu do carro e andou comigo - foi uma força e tanto... Logo eu a mandava subir novamente no carro e pedalava até o final - venci a meu modo e não me entreguei...

Ao longe, a vista era maravilhosa; agora era só descida. Subimos no paralelepípedo e desceríamos pelo asfalto, quando Hsu, experiente no local, nos alertou de uma curva fechada e perigosa - cheguei aos 67,3 km/h, e o Gilton aos 76 mais alguma coisa de km/h.

A descida gostosa e veloz durou pouco, pois logo chegávamos numa trilha de chão, com buracos, pedras, valas, onde tudo conspira para nos derrubar. Tornamos a descer de novo, agora com mais cautela. Saímos de 804 metros e em aproximadamente 6 km, chegamos à Cachoeira Véu de Noiva, nos 470 metros de altitude.

Apeamos e nos refrescamos, onde visitamos uma enorme pedra por onde o riacho despenca sua alva cabeleira, 37 metros de altura, onde os praticantes de rappel fazem a festa.

Dali saímos em busca da Cachoeira Véu de Noiva 2, aproximadamente a uns 6,5 km mais abaixo, aos 380 metros de altitude; não chegamos a entrar, pois estava muito cheio e barulhento. Retornamos 1 km acima e almoçamos no Camping do Mágico, boa comida, boa bebida, bom banho, um bom descanso...

Combinei com o Hsu que sairia às 2 e meia, meia hora antes do grupo, pois bem sabia o que me esperava... Agora precisávamos vencer aproximadamente 425 metros, por extensos 11,7 km. Novamente pedalei, e andei talvez por 1 quilômetro, sempre que a inclinação se acentuou.

Hsu, se tinha fama de não esperar ninguém, nesse dia a quebrou; acompanhou-me do início ao fim, sem colocar os pés no chão, devendo ter subido aquela ladeira uma vez e meia, pois subia um pouco e voltava para me incentivar.

Lá em cima, depois de tantos caracóis, no ponto em que aquele início da subida se perderia escondido pelas curvas, já próximo do fim, olhei para trás e me orgulhei... Desafio a qualquer um, novato ou experiente, que não se emocione com a batalha vencida... Não estávamos competindo; estávamos como ficam os gansos em formação em "V", onde o líder quando cansa, é substituído por outro líder e vai descansar no final da formação, onde aquele que cansa ou adoece, recebe o apoio de alguns deles e não é abandonado...

Como prêmio pelo esforço, uma leve chuva caiu, distribuindo uma brisa gelada, produzindo pequenas nuvens ligeiras de evaporação, a nos correrem quentes pelas pernas... Enfim o topo; todos já haviam me ultrapassado fazia tempo... Agora era só descida.

Destravei a suspensão e dei início pelos paralelepípedos molhados e escorregadios; cheguei lá embaixo com dor de cabeça, com tanta trepidação - acho que alguma coisa do juízo esteve a descolar...

Uma nova subida nos aguardava, de Bonito até Camocim de São Félix, 280 metros; muito metro para quem já estava nas últimas...

Já chegando em Camocim de São Félix, o Gilton veio ao meu encontro, me avisar que todos estavam indo para a casa da mãe de Lu, esposa do Hsu, onde havia muita coisa gostosa preparada a nos aguardar; disse-me que eram apenas 2 km saindo da rodovia. Lembrei a ele que com os dois da volta, somariam 4, e a única coisa que eu queria, era chegar e guardar de vez aquela bicicleta. Pedi que explicasse à Lu o meu cansaço e nos separamos...

Já era noite quando entrei no hotel, umas quase 7 horas, pelo menos outro tanto só de pedal, quase 74 km rodados...

A esposa me vendo desanimado, perguntou se eu pedalaria no dia seguinte...

- Não sei, mulher...; agora vou tomar um banho, jantar, tomar um vinho e depois dormir... Amanhã quando levantar, eu descubro...

Ela me sorriu e concordou...

* * *

Trilha de Camocim de São Félix - Bonito - Serra Negra (i de iv)

Por um capricho de Deus,

somos os únicos como espécie,

que semelhantes atraem semelhantes...,

em que em batalhas sem sangue nos unimos,

apenas para sentirmos,

o doce sabor da vitória...



Trilha de Camocim de São Félix - Bonito - Serra Negra (i de iv)
(Paulo R. Boblitz - fev/2010)


Vivo dizendo que os nossos Anjos da Guarda, costumam conspirar entre si...

Estava há um bom tempo relembrando do Caminho de Santiago, que ainda não criei coragem para descrevê-lo, embora aqui ou ali, em minhas crônicas, utilize seus ensinamentos...

Recebi uma mensagem do Omar, que havia recebido outra mensagem do Paulo Ribeiro, lá das bandas de Pernambuco, convidando-nos a fazer o Caminho da Fé - nos chamava para o mês de julho deste ano, já nos apresentando linques e Projeto.

A coceira do Caminho de Santiago retornara..., mas julho?, impraticável para nós dois...

E os Anjos continuaram conspirando...

Verificando minha página do orkut, notei uma atualização do amigo Ricardo Hsu (pronuncia-se Chu), que havia postado algumas fotos lá de Pernambuco, precisamente de Bonito, bela cidade fria da região. Mandei mensagem, recebi mensagem e descobri que eles estavam prestes a partir neste carnaval, para duas trilhas sensacionais.

Perguntei se havia vaga para mais um; acabamos indo eu, a esposa e a filha...

Saímos bem cedo no sábado, debaixo de uma leve garoa, e nos perdemos, eu e o Gilton, dos outros carros, Hsu, Max, Sebastião e Marcelo; nos encontraríamos pouco tempo depois num engarrafamento gigante, provocado por um acidente muito sério, bem no meio da ponte que fica ao lado da entrada para a cidade de Capela.

Resolvemos seguir por Capela, dando uma boa volta para sairmos na mesma rodovia, poucos quilômetros depois...; mais um pouco, fazíamos uma parada pouco antes de Propriá, para comermos alguma coisa.

No primeiro carro, Hsu com a esposa Lu e dois filhos, e o Raimundo, numa Fiat Doblò

No segundo carro, Max e a noiva, e o casal Guiné e Dinha, num Fiat Palio.

No terceiro carro, Marcelo e Juarez, num VW Gol.

No quarto carro, Sebastião com a esposa, numa Fiat Strada.

No quinto carro, Gilton com a noiva e o filho, e com minha filha, numa Fiat Weekend.

No sexto carro, eu e a esposa, numa VW Saveiro.

Um festival de bicicletas amarradas e penduradas..., em comboio...

Ao grupo ainda se juntariam Fábio com a noiva, Kanídia com a filha, vindo mais tarde numa Mitsubishi L200, somando 14 bicicletas.

Partimos para Propriá, atravessamos o Velho Chico pela velha ponte e adentramos em Alagoas, onde buscamos Olho d'Água Grande, São Sebastião, Arapiraca, Igaci, Palmeira dos Índios, até pararmos no pé da Serra das Pias, onde compramos pinhas e mangas, tudo suculento e fresquinho. Partimos mais uma vez, subindo a serra que se estende até Pernambuco, navegando pelos gostosos 850 metros de altitude, até chegarmos em Garanhuns, não sem antes cruzarmos a fronteira com Pernambuco, em busca de Bom Conselho, Terezinha, Brejão, finalmente Garanhuns...

Em Garanhuns, cidade das flores, nos aguardava o amigo de Hsu, Adagmar, que gentilmente nos levou até o Parque Ruber VanDer Linden, onde a Natureza nos rodeia com cantos e cheiros, cores e regatos, onde o Sebastião trancou o carro, esquecendo a chave dentro. Adagmar, um também ciclista, empolgado em nos mostrar sua bela urbe, levou-nos ao Alto do Magano, um mirante com o Cristo Protetor a velar pela bela cidade; levou-nos ainda, todo orgulhoso, ao Castelo de João Capão, um sonhador que desde criança constrói com recursos próprios, um surrealismo nas encostas pobres de uma metrópole.

Dali paramos num posto para alguns abastecerem, quando eu e o Gilton, por este esperar pelo troco, nos perdemos dos outros; fomos resgatados numa bela avenida, pelo frutuoso Adagmar, que sorridente nos guiou até onde todos já estavam, matando a fome que apertava...

Era hora de partirmos e Adagmar me bem lembrou do relógio da cidade, o Relógio das Flores, já marcando 4 e meia da tarde; estávamos atrasados, e o pneu do Marcelo nos atrasou mais um pouco...

Enfim partimos; faltava pouco para chegarmos... Pegamos a estrada e passamos em Jupi, Lajedo, Cachoeirinha, São Caetano, e daí, seguindo por uma rodovia duplicada, já de noite, ficamos confortáveis pela boa sinalização, e mais um pouco chegávamos em Caruaru, Bezerros, e finalmente no Hotel Churrascaria do Jonas (http://telelistas.net/1/26_PE/81035_camocim-sao-felix/213/296/44466/hoteis.htm), um sujeito simpático e sorridente, com a própria família, de sorrisos abertos nos recebendo.

Camocim de São Félix, nossa base de apoio, meio caminho entre nossas duas trilhas: Alto Bonito e Serra Negra, duas histórias distintas, dois dias de muitos suores, de energias, de sorrisos e boas vistas, de um mundo belo e magnífico, onde o Grande Artista conseguiu mesclar todos os elementos num canto só.

Eu vi, quase venci, e me orgulhei...

Camocim, do nosso velho Tupi, significa Vaso com Água; só os ancestrais sabem o porquê..., pois que perdemos esse contato com a tradição, com a relação Homem Terra...

Ali eu descobriria, como descobri no Caminho de Santiago de Compostela, que não importa trilharmos se não estivermos prontos e inteiros para o dia seguinte...

Mandando-me uma lição, meu Anjo que me protege, sempre tem razão...

* * *

Bicicleta - pau para toda obra...

Foi a criatividade, quem um dia produziu a bicicleta...

Foi a mesma criatividade, quem a utilizou para tantos fins...

E bicicleta, mesmo parada, continua produzindo...



Bicicleta - pau para toda obra...
(Paulo R. Boblitz - jan/2010)


Há tempos que vinha tentando escrever esta crônica, mas o tempo não me permitia...

Em novembro do ano passado, participando de um encontro sobre Hidroponia, onde muita gente boa e inteligente, estudiosa e pesquisadora, nos apresentou matérias interessantes e construtivas sobre esse meio hídrico, onde vidas são desenvolvidas para o nosso bem, vi o que vou lhes mostrar agora.

Quando o Juca foi lá na frente como Palestrante convidado, não imaginava o contentamento que me aguardava. Na verdade ele falou sobre o que eu já conhecia e havia experimentado, abandonado pela construção dos galpões de frangos...

Sobre o tablado já estavam uns vasos demonstrativos, todos eles com forragem hidropônica, do milho ao feijão, passando pelo trigo e cevada, verdes viçosos de encher qualquer olho que goste do assunto...

Trazia uma formidável solução para o homem humilde do campo, a servir-se de um substrato como a palha da cana, desprezada e queimada, para produzir leite e carne, sustento e cidadania, honra e raiz para o exército que sustenta esse grande Brasil - os Homens do Campo...

Ali ele nos mostrava o que vinha fazendo e estudando, ensinando a muita gente a pescar, não dando o peixe, como o governo teima em mal acostumar, com suas tantas bolsas que escravizam...

Juca nos mostrava um método simples e eficaz, barato e prático, de se alavancar a qualidade de vida na Roça.

A receita?

- 15 dias

- substrato

- sementes

- água

Isso é a revolução que ninguém quer ver, a não ser aqueles de boa vontade, ouvidos abertos às boas novas, mentes com a vontade de crescer...

Juca, José Luiz Guimarães de Souza, Engenheiro Agrônomo, (http://www.ecocana.org/5059/), enquanto apresentava o assunto no telão do Encontro, ia eu sorrindo sozinho comigo mesmo, pois ali à minha frente, estava a magrinha que eu tanto gostava, como se uma espécie de pivô central, inteligentemente utilizada para o trabalho, magnífica produção criativa, construindo e ajudando vidas em desenvolvimento...

Homem..., sempre um sujeito belicoso de raras imaginações...; e por instantes deixei o Juca falando só, deixei de ouvi-lo sobre o teor de proteínas e dos custos envolvidos, apenas observando aquele pivô que nem central se parecia, pois que andava em linha reta... A idéia era formidável...; desliguei-me do assunto e me liguei em outro, minha amiga magrinha, ali na minha frente, incompleta mas digna em seus propósitos, o de ser a melhor amiga do homem, concorrendo com o cão...

Enquanto o Juca palestrava, eu ia verificando os pontos de apoio, as abraçadeiras mantendo os aspersores, a cantoneira como guia, os pneus com cravos das Mountain Bikes..., o conjunto mais inusitado para irrigação, que eu já tinha visto...

A falta de peças como a sela, o guidão, a catraca, os pedais, o central, os freios, nada disso tirava a personalidade dessa máquina de fazer gente feliz; ali também estavam fazendo felicidades...

E lembrei da minha, em casa guardada ainda empoeirada, me esperando para novas trilhas, novos desafios, novas visões desse mundo que Deus nos presenteou..., nos dotando de muita imaginação, como aquela que eu tanto admirava num diaporama, acordando do sonho quando ele foi mudado...

Todo mundo deveria ter uma bicicleta, não necessariamente para pedalar, mas para ver-lhe a arrojada silhueta, o conjunto motor, a simplicidade genial, o disciplinado equilíbrio, o conjunto homem quase máquina, pois de nós mesmos dependemos, para desbravarmos o dia-a-dia, o desconhecido numa trilha estreita onde não existem sinais, nem placas, nem preferenciais, apenas a garra e a vontade do trilhar, vencer as animosidades da paisagem, conquistar os suspiros do que se vê...

Se eu não pudesse pedalar, ainda assim eu teria uma, nem que fosse para empurrá-la, passear com a minha melhor amiga...

Quem pensa que bicicleta é coisa de jovem, deveria pensar em pedalar, escolher caminhos planos, passear devagar olhando o tempo também passeando, o correr das sombras em muitas misturas, o vento a acariciar com cuidado trazendo recados, as pedrinhas no solo em som do fritando, os passarinhos a sorrirem cantando para nós, os novos amigos conquistados se cumprimentando, somente sorrisos deslizando pelo parque, enfim descobrindo o que é fácil e gostoso...

Uma viagem no tempo..., quando voltamos a ser crianças...

* * *