Trilha de Camocim de São Félix - Bonito - Serra Negra (ii de iv)

Quando a gente quer,

no íntimo já venceu...

Quando a gente quer,

ninguém consegue querer por nós...



Trilha de Camocim de São Félix - Bonito - Serra Negra (ii de iv)
(Paulo R. Boblitz - fev/2010)


Seis e meia da manhã, a largada estava pronta... Corremos para o lauto desjejum, onde havia cuscuz de milho, macaxeira, inhame, ovo frito, queijo derretido, carnes, sucos, leite, iogurte, café, pão...

Saímos pontualmente, pesados e cheios, depois de breves avisos e uma Oração em grupo, para que nada nos acontecesse.

Antes disso eu já estava lá de cima, na pequena amurada, segundo andar, em frente à minha porta, respirando e suspirando, olhando aquela nuvem baixa a cobrir as baixadas de Camocim de São Félix. Fazia um friozinho gostoso, como havia sido o friozinho da noite, pelo vento que entrava pelas janelas de um quarto sem ar condicionado ou ventilador - simplesmente não há necessidade...

Camocim de São Félix nasceu em 1890, quando tropeiros vindos de São José dos Bezerros, por ali passavam em direção a Bonito; três anos mais tarde foi oficialmente batizada de Camocituba. Seu significado, segundo pesquisadores, pode ser "pote", "vaso", "urna funerária", "pau lavrado", ou ainda "buraco de enterrar defunto", todos derivados do Tupi; o São Félix vem do nome do santo capuchinho Félix de Cantalice, dado à primeira capela, iniciada a construção em 1895 (fonte: Wikipédia).

Agora, já no asfalto, aquela pequena nuvem havia subido, levando consigo os recados e anseios de um povo por melhoras, pois que sempre estamos em luta pelas prosperidades.

Devagar íamos avançando, sem pressa, nos aquecendo as juntas na manhã fria com o Sol já ha quase a 1 quarto; carros de apoio posicionados, e nos revezando lá pela frente, já ensaiando pequenos roncos mais graves de nossas pernas motores.

A primeira descida apareceu e o ar condicionado foi ligado...; deslizávamos livres enquanto ela durava, e sempre durava pouco...

Nosso rumo era Bonito, para de lá subirmos outro tanto de Bonito. Saímos de 723 metros de altitude, em Camocim, numa espécie de tobogã, descendo, nivelando, subindo mais um pouco e tornando a descer... Bonito ficava aos 443 metros..., pacífica e enfeitada com o carnaval, onde pude matar a saudade quando menino amarrava uma lata na bicicleta e a fazia berrar pelo efeito do cubo traseiro rangendo como se um carro de boi, onde o som se propagava pelo cordão e amplificava na cuíca improvisada.

Bonito assim se chama porque assim foi chamado pelas belezas do local, quando caçadores de São José dos Bezerros ali acampavam, deparando-se com riachos e cachoeiras, mas Bonito tem uma História especial: situava-se na área abrangida pelo famoso Quilombo dos Palmares. Bonito foi palco de diversas revoltas que terminaram na morte de muitos habitantes.

Em 19 de dezembro de 1874, aconteceu a Revolta do Quebra-Quilos, por conta da alteração do antigo sistema de pesos e medidas, conforme a Lei Imperial 1157, de 1862.

Em fins de 1819, no governo Luiz do Rego, houve a grande matança dos habitantes da Serra do Rodeador, a que D. Pedro I, em seu manifesto aos brasileiros, assim se exprimiu: "Pernambucanos, lembrai-vos das fogueiras do Bonito". A matança ocorreu por conta de movimento messiânico liderado pelo ex-soldado do 12o. Batalhão de Milícias de Alagoas, Silvestre José dos Santos, que pregava o Sebastianismo, outro messianismo, desta feita em Portugal, onde acreditavam que D. Sebastião não havia morrido na batalha de Alcácer-Quibir, na África (fonte: Wikipédia).

Enquanto somente descíamos, todos os santos ajudavam, e mais um pouco chegávamos a Bonito.

Pedi ao Hsu que me ensinasse o caminho, pois precisava me adiantar, já que subo devagar diante do grupo mais jovem e disposto, tentando assim pouco atrasar o passeio.

Hsu foi comigo até o ponto em que eu não teria como errar, dali voltando para se juntar ao grupo, que se aprovisionava de água e de frutas; Juarez nos acompanhou.

Olhei para cima e fiquei encantado; não sabia se conseguiria... Eu e Juarez iniciamos sem pressa, já que tínhamos uma boa vantagem. De Bonito até as antenas de telecomunicações, o ponto mais elevado, distavam apenas 4,5 km, onde deveríamos vencer 361 metros, uma bela inclinação...

Pedalamos juntos até o momento em que descobri que minha velocidade havia caído para 3,5 km/hora, a mesma desenvolvida por mim andando. Não fazia sentido desgastar-me tanto, pois subir andando empurrando a bicicleta, também não é fácil. Juarez logo distanciou-se e fiquei sozinho, bons momentos para bater fotos e mais ou menos na metade, Hsu apareceu, e atrás dele todos os outros, bufando e estalando marchas... Mais um pouco os carros de apoio também apareciam, e até chegaram a me convidar, mas recusei.

Nos pontos onde a inclinação amenizava, subia na bici e pedalava; devo ter andado umas três vezes, talvez uns 500 metros, mas quem se importa com exatidões?

Os carros subiram e minha esposa ficou me acompanhando; no último trecho, minha filha desceu do carro e andou comigo - foi uma força e tanto... Logo eu a mandava subir novamente no carro e pedalava até o final - venci a meu modo e não me entreguei...

Ao longe, a vista era maravilhosa; agora era só descida. Subimos no paralelepípedo e desceríamos pelo asfalto, quando Hsu, experiente no local, nos alertou de uma curva fechada e perigosa - cheguei aos 67,3 km/h, e o Gilton aos 76 mais alguma coisa de km/h.

A descida gostosa e veloz durou pouco, pois logo chegávamos numa trilha de chão, com buracos, pedras, valas, onde tudo conspira para nos derrubar. Tornamos a descer de novo, agora com mais cautela. Saímos de 804 metros e em aproximadamente 6 km, chegamos à Cachoeira Véu de Noiva, nos 470 metros de altitude.

Apeamos e nos refrescamos, onde visitamos uma enorme pedra por onde o riacho despenca sua alva cabeleira, 37 metros de altura, onde os praticantes de rappel fazem a festa.

Dali saímos em busca da Cachoeira Véu de Noiva 2, aproximadamente a uns 6,5 km mais abaixo, aos 380 metros de altitude; não chegamos a entrar, pois estava muito cheio e barulhento. Retornamos 1 km acima e almoçamos no Camping do Mágico, boa comida, boa bebida, bom banho, um bom descanso...

Combinei com o Hsu que sairia às 2 e meia, meia hora antes do grupo, pois bem sabia o que me esperava... Agora precisávamos vencer aproximadamente 425 metros, por extensos 11,7 km. Novamente pedalei, e andei talvez por 1 quilômetro, sempre que a inclinação se acentuou.

Hsu, se tinha fama de não esperar ninguém, nesse dia a quebrou; acompanhou-me do início ao fim, sem colocar os pés no chão, devendo ter subido aquela ladeira uma vez e meia, pois subia um pouco e voltava para me incentivar.

Lá em cima, depois de tantos caracóis, no ponto em que aquele início da subida se perderia escondido pelas curvas, já próximo do fim, olhei para trás e me orgulhei... Desafio a qualquer um, novato ou experiente, que não se emocione com a batalha vencida... Não estávamos competindo; estávamos como ficam os gansos em formação em "V", onde o líder quando cansa, é substituído por outro líder e vai descansar no final da formação, onde aquele que cansa ou adoece, recebe o apoio de alguns deles e não é abandonado...

Como prêmio pelo esforço, uma leve chuva caiu, distribuindo uma brisa gelada, produzindo pequenas nuvens ligeiras de evaporação, a nos correrem quentes pelas pernas... Enfim o topo; todos já haviam me ultrapassado fazia tempo... Agora era só descida.

Destravei a suspensão e dei início pelos paralelepípedos molhados e escorregadios; cheguei lá embaixo com dor de cabeça, com tanta trepidação - acho que alguma coisa do juízo esteve a descolar...

Uma nova subida nos aguardava, de Bonito até Camocim de São Félix, 280 metros; muito metro para quem já estava nas últimas...

Já chegando em Camocim de São Félix, o Gilton veio ao meu encontro, me avisar que todos estavam indo para a casa da mãe de Lu, esposa do Hsu, onde havia muita coisa gostosa preparada a nos aguardar; disse-me que eram apenas 2 km saindo da rodovia. Lembrei a ele que com os dois da volta, somariam 4, e a única coisa que eu queria, era chegar e guardar de vez aquela bicicleta. Pedi que explicasse à Lu o meu cansaço e nos separamos...

Já era noite quando entrei no hotel, umas quase 7 horas, pelo menos outro tanto só de pedal, quase 74 km rodados...

A esposa me vendo desanimado, perguntou se eu pedalaria no dia seguinte...

- Não sei, mulher...; agora vou tomar um banho, jantar, tomar um vinho e depois dormir... Amanhã quando levantar, eu descubro...

Ela me sorriu e concordou...

* * *

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