Quando a gente quer,
no íntimo já venceu...
Quando a gente quer,
ninguém consegue querer por nós...
Só não nos esqueçamos de respeitar os limites...
Trilha de Camocim de São Félix - Serra Negra (iii de iv)
(Paulo R. Boblitz - fev/2010)
Terceiro dia, segunda trilha...
A esposa me olhava com aquele olhar que já conheço, e lhe respondi: Vou pedalar...
Tomei um banho e me vesti, mas naquele dia ninguém tinha pressa para começar qualquer que fosse a trilha. Um a um foi aparecendo com cara de sono e de doído, um espreguiçar, um bocejo, muita preguiça no ar...
Tomamos o nosso belo café da manhã e cada um já pegava a própria bicicleta; não houve alongamentos, nem avisos, e até a oração foi meio rápida - estávamos enfadados...
Hsu finalmente quebrou o marasmo e começou a pedalar; Lu, no carro de apoio seguiu atrás, depois eu também e em seguida um a um formando o grupo.
Hsu logo me apontou a direção, uma descida, e lá fui eu sem fazer força, até que começássemos a subir novamente... Mais um pouco passou o Hsu, depois mais outro, depois mais outro, e de repente não havia mais ninguém atrás de mim, a não ser a minha bela escudeira com nossa filha...
Estávamos indo em direção a Bezerros, cerca de 14 km, sempre descendo, de vez em quando uma leve subida, até que chegamos numa réplica de um castelo. Posei para uma foto ligeira com a esposa e filha e segui em frente, pois uma coisa ruim é atrasar os outros.
Do castelo em diante era uma leve subida, talvez de 1 km ou pouco menos, até que cheguei numa curva e de lá descortinei o mundo inteiro lá embaixo... Meus olhos brilharam, pois era uma bela e bem looonga descida (em casa eu pesquisei e encontrei 7,3 km, dos 700 metros aos 468 metros), sem curvas, sem tráfego, sem buracos, onde eu poderia deixar rolar sem dó..., só eu, a bicicleta e o vento...
Logo procurei a relação de maior velocidade e pedalei sem pena, mas aquele não era o meu dia de boa descida, pois quase no meio, uma coisa voadora se alojou em meu ouvido direito, indecisa sem saber se entrava ou ia embora, produzindo um fragoroso bater de asas, preocupante.
Perdi a concentração, preocupei-me com uma possível ferroada, e com o dedo indicador tentei tirá-lo de lá, justo a mão do bom freio, pois a da esquerda era do dianteiro, e quanto mais eu cutucava, mais o barulho aumentava; revezei nos freios e nos cutucões, até que o bicho foi embora, levando minha bela descida com ele... - minha marca não passou dos 60,5, e dali segui sem o mesmo ímpeto, parando lá embaixo sem saber para onde ir...
Aos poucos, começaram a chegar os outros, primeiro o Max, depois o Sebastião, depois o Gilton, mais um pouco o Fábio que havia voado baixo, mas sem hodômetro, não teve como estimar... O restante ainda demoraria um pouco, e nesse pouco eu fui esfriando, no que já estava frio... Eram as ladeiras do dia anterior, lá atrás vencidas, agora rindo por último...
Com todo mundo reunido, pedais e carros de apoio, partimos para o que seria mais radical que o dia anterior, a subida da Serra Negra, praticamente 10 km de ladeira...
Pesquisando no Google Earth, descobri uma outra Serra Negra, desta feita uma reserva biológica, a meio caminho entre Ibimirim e Floresta, muito longe da que nós subiríamos. Seja como for, aquela era a nossa Serra Negra, como o povoado de Bezerros, terra do Papangu, conhece, com seu pico mais alto a 960 metros de altitude, na gruta do Deda, onde se pode encontrar uma temperatura de 9 graus no meio do sertão, uma das maravilhas de Pernambuco, em festa com o carnaval cheio de Papangus, escondidos sob belas máscaras trabalhadas em papel machê, coloridas e vistosas, em nada a dever com as tão famosas de Veneza.
Quando passamos, o centro de Bezerros estava tomado de muitas barracas que vendiam comidas e bebidas enquanto os foliões deviam brincar ali pelo meio. O trânsito interditado para os automóveis, obrigou nossos carros de apoio a darem uma volta, enquanto passávamos pelo que foi palco na noite e madrugada anterior, de uma festa bem animada, agora sendo lavada por caminhões pipa, com cada barraca tratando de se abastecer para nova peleja.
Bezerros tem sua origem datada em 1740, quando naturalmente serviu para um grande comércio de gado, iniciando-se o povoamento. As versões sobre a origem de seu nome parecem conflitantes, pois duas se relacionam com uma família Bezerra, e a outra, por ter servido o local para grande queima de bezerros. Sua altitude é de 470 metros.
Nosso destino era o Mirante onde existe um bom restaurante e uma hospitaleira Casa do Pólo Cultural Serra Negra, onde fotografei duas adoráveis jovens muito bonitas e simpáticas, trajadas representando as duas escravas que um dia ali se esconderam dos Capitães-do-mato, daí o nome Serra Negra... A história é triste, pois uma das negras cometeu o suicídio.
Ali faríamos uma pausa para um breve lanche e hidratação, além, claro, de belas fotos da região, onde descortinamos a Reserva Ecológica de Serra Negra, abastecendo a alma com o precioso combustível divino, a nos entrar pelas meninas dos olhos...
Iniciamos a subida por um trecho suave de terra batida, onde havia um forte tráfego de veículos com turistas e nativos, levantando muita poeira fina no ar. O chão estava pesado para os meus pneus, e aquela poeira haveria de roubar-me o restante das energias.
Hsu me buscou algumas vezes, até que chegamos no pé da grande vertente, em paralelepípedos, onde todos já descansavam num acanhado bar à beira do caminho. Hsu então me avisou, como que aconselhando:
- Boblitz..., essa ladeira que tomaremos agora, até para subirmos empurrando, é pesada...
Calculei que talvez já tivesse subido 1 terço da trilha, e achei que os outros 2 terços na caçamba da Saveiro, junto com minha esposa e nossa filha, não fariam mal. Concordei com ele e embarquei. No caminho, que o Gilton relatou que a bicicleta queria empinar, aproveitei e tirei belas fotos.
Já lá em cima, a 860 metros de altitude, beliscando batatas fritas e sorvendo a mais deliciosa de todas as cervejas do mundo, ela bem gelada e eu com muita sede, sorrimos todos quando alguém contou que o Raimundo, para quem se chegava a ele no meio da ladeira buscando conversa, repetia apressado:
Conversa pouca!, conversa pouca..!
Lá embaixo em Bezerros, no ponto em que ficamos esperando todos chegarem, aproveitei para experimentar um pequeno envelope de Carb Up gel; achei o gosto horrível, como horrível também acho o do Gatorade, preferindo não mais tomá-los. Pode parecer estranho, mas ainda acho que piorei depois de ingeri-lo com água. Isotônicos para mim, ainda são a água de coco e a cerveja; quem duvidar, é só fazer uma visita aos sítios, ou fazer uma pesquisa no Google:
- http://www.sindicerv.com.br/cerveja-saude.php
- http://www.saudenarede.com.br/?p=av&id=Agua_de_Coco_e_Saude
Por volta do meio dia partimos em direção a Gravatá, cada um descendo do jeito que queria, e que podia, pois para baixo, tudo ajuda... Em Gravatá eu veria o estrago que apenas uma freada que o Hsu deu, causou no pneu dele; até brincamos, sugerindo que ele colocasse um manchão ou um protetor com o plástico retirado de uma garrafa pet de refrigerante.
Novamente nos reunimos no pé da serra, aguardando os retardatários Guiné e Dinha; eu quase que passava direto, pois em minha frente se deslocava uma caminhonete velha, levantando uma nuvem de poeira. Já estavam lá o Raimundo, o Marcelo, o Hsu, o Sebastião, o Fábio, o Max, o Gilton, o Kanídia e o Juarez, e todos gritaram para que eu parasse, o que só consegui uns 20 ou 30 metros adiante.
De novo estávamos todos em movimento, mas o pneu do Gilton furou; o prego era tão grande, que produziu 2 furos de uma vez só. Resolvi adiantar e comecei a pedalar, e me acompanharam o Raimundo, Guiné, Dinha e Juarez.
Quando faltavam apenas 4 km para chegarmos, o Hsu me alcançou, perguntou se estava tudo bem, e a quantos minutos os outros estavam à minha frente.
- Acho que uns 5 ou 10 minutos... - lhe respondi
E saiu em disparada para alcançá-los...; quase que os alcança...
Mais um pouco, o Kanídia me ultrapassava; mais um pouco ainda, Marcelo, Sebastião e Fábio, também me passavam.
Para trás estavam Max e Gilton, mas logo me alcançaram e pedalaram comigo até chegarmos no Restaurante; fizemos uma grande mesa e os respectivos pedidos, almoçando por volta das 3 e meia da tarde.
Em Pernambuco se come muito bem, principalmente muito; o prato que o Garçom informou ser para dois, comeriam quatro, quase ao preço de um...
As mulheres saíram para comprar lembranças, e nós ficamos amarrando as bicicletas; mais um pouco, voltaríamos para Camocim de São Félix.
Todos a bordo, saímos um a um do estacionamento do restaurante. Quando foi a minha vez, cedi passagem a dois Papangus, bem vistosos e coloridos; parei por alguns segundos e lhes pedi permissão para fotografá-los, tempo suficiente para perder de vista os que iam à minha frente.
Como o caminho que tínhamos vindo estava logo ali na minha frente, não me preocupei, a não ser quando nele cheguei e descobri ser contramão, mas em seguida vi a placa que indicava a direção da BR. Agora era só uma questão de tempo para alcançá-los.
Apressado não os vi nos aguardando e segui em frente, fiz o contorno e peguei a BR, e a 120 km/hora eu os buscava, enquanto eles corriam atrás de mim.
Resultado: entrei em Bezerros pelo acesso errado e os fiquei aguardando. Desconfiado de que eles não poderiam estar correndo tanto, liguei para o Hsu, atendendo o Raimundo, que pediu que os aguardássemos.
Depois de um bom tempo esperando, liguei novamente para o Hsu e novamente o Raimundo atendeu, pois não poderiam estar assim tão devagar:
- Raimundo!? Onde vocês estão!?
- Já estamos chegando em Camocim, e vocês!?
- Estamos esperando em Bezerros...
Liguei o carro e descobrimos o caminho, e mais um pouco chegávamos no hotel. Aquela noite seria especial, pois logo após o jantar, haveria a entrega dos troféus:
- Troféu Morgado - destinado ao que fica enrolando ganhando tempo, por exemplo, usando 10 minutos para fazer xixi, ou que conhece o caminho mas cria polêmica.
- Troféu Carniça da Carniça - destinado ao que anda atrás do Carniça, talvez a mistura do Morgado com o Sentou e Chorou.
- Troféu Sentou e Chorou - destinado ao que sentou e chorou, desistindo da trilha.
- Troféu Maior Biguzeiro - destinado ao que pegou carona, mas terminou a trilha.
A noite não seria pomposa como qualquer uma onde prêmios são entregues, mas bastante engraçada...
E para não perder a audiência, vou contar apenas na próxima e última crônica, o dia da nossa volta, que nem por isso, deixou de ser movimentado...
* * *
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