Trilha Lagarto - Simão Dias (Sergipe)


Não há novidade que não transforme...

Não existem trilhas sem novidades...

Qual vento que nos traz aromas,

leva nossas idéias...



Trilha Lagarto - Simão Dias (Sergipe)
(Paulo R. Boblitz - fev/2010)


Quando pedalava com o Hsu, subindo a montanha de Bonito, ele me fez uma demonstração da sapatilha com clipes, e ali me decidi que quando retornássemos para casa, eu compraria um conjunto - por alguns metros, ele subiu pedalando num pé só.

Para quem não é ciclista, sapatilha tem um clipe que une o pé ao pedal, também especial para agarrar o clipe. Assim, o pedal prende a sapatilha, que prende o pé, que está preso à perna, e você de repente passa a ser uma extensão da bicicleta, pois que você literalmente está aparafusado nela.

Isto significa que seus pés estão devidamente presos, puxando o pedal para cima, enquanto o outro empurra para baixo. Isso melhora a eficiência, pois que com os pedais convencionais, apenas conseguimos empurrar, já que quando levantamos o pé, ele desgruda do pedal sem nenhum efeito positivo à pedalada.

Também significa que você não pode estar clipado e parado ao mesmo tempo, pois a bicicleta, tendo apenas duas rodas, uma à frente e outra atrás, penderá para um lado ou para o outro, carregando você junto.

Assim, todas as vezes em que tivermos que parar, um leve movimento com os calcanhares para o lado de fora, será suficiente para descliparmos o pé livrando-o da prisão, conseqüentemente liberando-o para nosso apoio no chão.

Com esta sapatilha, não dançamos balé, pois que se parecem muito com os tênis; apenas quando andamos, nos denunciamos pelo som metálico do clipe, como se estivéssemos utilizando ferraduras. As sapatilhas também oferecem maior rigidez à planta dos pés, trazendo maior conforto em longas pedaladas.

Seis horas da manhã, acho que com algum atraso, partíamos para Lagarto no ônibus do Caldas, e ainda nele eu mostrei a novidade aos amigos, pois iria inaugurá-la naquela trilha. Choveram conselhos e vaticínios, sendo os mais assustadores, aqueles que enumeravam a quantidade de quedas que devemos levar para nos acostumarmos com esse gesto mecânico: parar versus desclipar - reza a tradição que são necessários três tombos, todos eles bestas..., pois sempre estaremos mais ou menos parados ou parando.

Foi como se eu tivesse iniciado nos pedais naquele dia, as pernas presas, o pé direito necessitando de um leve ajuste, a preocupação com as paradas, clipa, desclipa, erros na clipagem, repete mentalmente feito bobo, clipa, desclipa, perde a concentração, a respiração modifica, o rendimento cai vertiginosamente...

O Sol também não estava ajudando, quente querendo nos secar, como já havia secado a paisagem.

Clipa, desclipa, até aqui tudo estava indo bem, até que a bicicleta começou a escorregar como se estivesse desmaiando, aquela coisa mole no pneu da frente...

Logo eu gritava: pneu!, e freava, e esquecia de todo o treinamento clipa, desclipa, mergulhando frontal lateral para o chão...


Menos mal...; agora só faltavam duas...

"Os joelhos..!" - me avisaram... "São sempre eles que chegam primeiro..." - como os trens de pouso dos aviões...

Fui socorrido, sacudi o orgulho batendo a poeira da bunda, enquanto o sangue vermelho dava o seu show, descendo em filete até às meias... Minha palma da mão esquerda doía ou ardia, nem sei mais, pois foi quem me apoiou sobre as pedras da piçarra solta. Santas luvas protetoras...


Num segundo eu já estava cercado pelo Djalma, pelo Eduardo, pelo Sílvio, pelo Gilton que saiu me pintando com um spray incolor, pelo Raimundão, pelo André Formigão, e perdoem-me se estiver esquecendo ou trocando alguém...

Lavei o ferimento com água e o Gilton tornou a me pintar, dizendo que aquilo matava tudo, até a dor. Num instante, a cena do acidente já estava limpa. Agradeci, montamos na bicicleta
e seguimos em frente, e logo encontramos todos nos aguardando debaixo de uma boa sombra. A Dona de Casa, com uma garrafa de água, logo se prontificou a me arrumar bom gelo, no que lhe declinei de coração, preferindo pedalar a deixar aquilo esfriar...

A trilha não estava dura; era o Sol quem maltratava...


Já havíamos cruzado o povoado Olhos d'Água e mais um pouco, Os Zuandeiros paravam no povoado Piabas, para uma pequena distribuição de alimentos, quando aproveitei e fui av
ante devagar, pois aquele dia estava difícil de pedalar.

Em Salobra, já percorr
idos 25 km, o Raimundo pediu que esperássemos por todo mundo, pois a partir daquele ponto poderíamos errar. Aproveitei a magnífica sombra de um esplêndido Tamburi (Enterobium timbouva) para comer uma barrinha de cereais, que descobri estar meio derretida. Se aquela estava assim, as outras duas deveriam estar também...

Vi um menino dos olhos trocados e ofereci para ele; a outra eu dei para o outro menino que estava a olhar; devolveram-me sorrisos, os melhores agradecimentos que recebemos, e logo, num instante, os dois as devoravam com prazer.


Descansamos um pouco e partimos para o povoado Jaqueira, e em seguida chegamos n
a Rua do Fogo, onde mais alimentos foram distribuídos. Só faltavam 5 km para chegarmos ao topo da Serra do Cruzeiro, a 424 metros de altitude, onde almoçaríamos.

Enquanto entregavam os mantimentos, seguimos em frente e acabamos pegando outro caminho, mais longo; Silvio fez a mesma coisa, mas por outro meandro, pedalando ainda mais do que nós.

Ao pé da ladeira, toda ela em paralelepípedos, suspiramos e a enfrentamos, mas logo eu e o Omar descíamos das bicicletas, pois ela estava muito empinada. Num ponto bonito, virei par
a o Omar e lhe disse que ficasse bem ali no lugar indicado, pois eu iria bater uma foto.

Omar posicionado mas bem sério, fez com que eu retirasse a câmera da posição, enquanto dizia:

- Sorria..!


- Eu não!, sorria você..! - e apontou-me para o que ele estava vendo às minhas costas...

Me virei e vi uma tripa enorme que ziguezagueava até o topo do Cruzeiro, e os dois demo
s boas risadas, pois estávamos devidamente "lascados", como se diz no Nordeste, lá mais para cima...

Enfim chegamos onde a vista nos recompensava. No caminho encontramos Dôra, Zelito
e mais um ciclista de Lagarto, sentados à sombra de uma arbustiva. Levantaram e seguimos todos juntos...

Olhei o hodômetro e verifiquei que havíamos pedalado cerca de 40 km; creio que almoçamos por volta das 13 horas, não sem antes nos hidratarmos com bastante isotônico espumante e gelado, uma delícia de sabor especial, muito parecido com a cerveja...

Depois de muitas conversas fora, isotônicos e o almoço, descemos todos para a cidade de Simão Dias, quase fronteira com a Bahia, assim chamada em homenagem ao vaqueiro Simão Dias, que com a devida competência, soube esconder ali naquela região, o gado de um fazendeiro de Itabaiana, quando da invasão dos holandeses em 1637.

Nos reunimos na praça Fausto Cardoso, em frente à sede da Prefeitura, numa tarde domingueira quente e deserta, e ficamos aguardando o Caldas chegar. Alguém deu a idéia de descermos até um posto de gasolina, onde existiam banheiros para um bom banho.

Mais alguns isotônicos, uma boa conversa enquanto embarcavam as bicicletas, e por volta das 4 da tarde, já estávamos novamente em casa, cansados e felizes...

Agora é aguardar a próxim
a trilha, mas já lhes adianto que fui convidado para, neste 6 e 7/março, pedalar até a praia do Saco, cerca de 95 km. Ficaremos em Mangue Seco, no outro lado do Rio Real, já na Bahia, onde filmaram Tieta, baseada na obra de Jorge Amado.

Tiraremos um bom domingo de folga, sem pedais, somente sombra, água de coco fresca, e isotônico gelado...

* * *

* Mais fotos no sítio d'Os Zuandeiros: http://www.zuandeiros.com.br/

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