Uma quase crônica erótica

A gente se empolga,

a gente chega a topar,

marcar encontro e se encontrar,

apenas por um dia de festa...


Uma quase crônica erótica
(Paulo R. Boblitz - fev/2011)

Não fossem as retas, as curvas de minha bicicleta a tornariam muito sensual...

Se eu dormir no ponto, acabarei por me enrolar no item selim, que antigamente, na minha Merkswiss, era de couro e largo, com duas molas espirais em cada lado, que não trabalhavam absolutamente nada, pois eu era bastante leve.

A bicicleta também não servia para o que hoje em dia serve, quero dizer, tirando aquelas que servem apenas para o transporte, o que sobra é para correr ou trilhar em qualquer terreno.

Mas o tema é o sensual...

Olhando minha bicicleta, ela é um tanto máscula, para cima, peituda no sentido de a tudo peitar, azul da cor dos meninos.

Brilhante, nos remete ao valor que ela nos representa.

Bicicleta, no sentido lato do termo, já é feminina, mas isso não quer dizer que queiramos dormir com uma delas em nossas camas, pois que existem os pedais e as manetes de cada ponta do guidão. Hão de nos cutucar a noite inteira...

Por outro lado, corrente sem óleo não é pau para toda obra, e isso acabaria por sujar os nossos lençóis.

Mas a nossa bici, carinhosamente tratada por magrela, ou magricela, só não nos serve quando fura algum pneu. Fora isso, ela é só presteza, se bem forjada foi; é só pureza, se bem montada foi; é só amor, se bem a conduzirmos pelos trancos que a Natureza nos oferece com prazer.

São lindas no sobe e desce da suspensão, nossas pernas compensando todo o molejo, nosso sal pingando aos borbotões. Chegamos ao clímax, quando finalmente explodimos nos sprints...

Falando em trancos, é como se as estocássemos em suas intimidades, pois sob pressão, se contorcem, rebolam, trabalham no sobe e desce, na compressão, no socado que imprimimos em cada pedal, fora os apertos que lhes damos nas empunhaduras, nos bar ends e nos freios...

Regozijam quando fluem sem fazer força; gozam nos mostrando seus sorrisos, os barulhos das catracas e dos cravos na plena banguela, sem chances de um contra-pedal...

Estalam pedindo mais, como boas amantes insaciáveis numa subida; silenciam quando apenas mantemos o nosso pedal, numa horizontal; assobiam quando cortamos o vento; cantarolam quando iniciamos numa pirambeira; se arrastam travadas quando respeitamos os obstáculos; viram de ponta-cabeça, quando somos rudes com a roda da frente...

São sublimes quando estão limpinhas e cheirando a óleos; são charmosas quando estão enlameadas, símbolo de garra e amor por quem as pedala...

Parecem também sorrir, quando juntos, terminamos...

Olho minha bici na sala; ela está quieta, submissa, esperando pelos meus avanços, pronta para qualquer aventura...

Monto nela, e os pneus um pouco abaixam, querem dizer que estão prontos para qualquer tensão. Minha suspensão afunda, como a colocar-se na melhor posição. Meus freios, acionando os freios dela, informam que se trata apenas de um arroubo. Ação, só na hora da ação...

Femininas, são falsas magras, são robustas, nos derrubam a qualquer vacilo...

Amorosas, nos proporcionam alegrias, mesmo sofrendo sob terreno agressivo, debaixo de sol ou chuva, no asfalto ou na lama, no estradão ou no paralelepípedo; jamais se rebelam, pois quando caímos, é porque exageramos. Não são como a Amélia, mas a depender de todas elas, sempre estaremos em movimento, com alegria...

Esbelta, bem torneada, requintada sob bela pintura, bem tratada por quem a aventura, nos devolve segredos em ousadias, desequilíbrios em covardias, principalmente prazer, porque é fiel acima de tudo, não importa a queda que levemos, ela sempre fica lá, nos esperando para mais uma...

São leais, pois dificilmente se dão bem com outras pessoas, que as acham tortas, duras, pesadas ou com outros defeitos; acabam se moldando a nós, seus companheiros...

São exigentes, pois precisamos estar em boa forma...

Não amo a minha bici, mas gosto muito dela, afinal, compartilhamos bunda, mãos e pés, selim, guidão e pedais, nessa ordem, para nos divertirmos pelo mundo afora, sem compromissos, a não ser o da felicidade, o meu por pedalar, o dela por poder girar...

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