Voltando para casa... - Urubici - Santa Rosa de Lima

Se você reclama, é porque está incomodado...

Se você reclama, pode ser que você seja apenas chato...

Se você reclama, talvez seja por não conhecer os fatos...

Reclamar melhora, mas talvez necessite,

melhorar o reclamar, pois que muitas vezes,

você está apenas a julgar...


Voltando para casa... - Urubici - Santa Rosa de Lima
(Paulo R. Boblitz - 24/set/2013)

Hoje seria o nosso penúltimo dia de passeio, e para ele estavam reservados dois belos recantos. A tristeza é assim mesmo, vai se achegando de mansinho até que finalmente, chegamos, onde não queríamos chegar.

Chegar é algo inevitável nessa vida, e mesmo que não façamos absolutamente nada, sempre chegamos aos fins dos dias, aos fins das noites, até que o último chegar, nos ponha um ponto final.

Assim, sempre que estiver a caminho seja lá do que for, pelo meio ou pelo finzinho, aproveite sempre o máximo...

O dia amanhecera azul e bem frio, mas aquele filme eu já havia assistido no ano anterior, nessa mesma época, e conforme fui subindo o Morro da Igreja, o azul lá de cima tinha outra realidade, por entre nuvens, mas otimismo de verdade, só deve ceder lugar quando a realidade se escancara e se instala de verdade.

Tomamos o nosso café e partimos para a estrada. Nos dois últimos dias, não havia roteiro, mas tão somente os nomes das cidades, das pousadas com telefones, pois não estaríamos por caminhos interiores. O céu continuava azul quando dobramos para subir o Morro da Igreja, e assim nos acompanhou até lá em cima, coisa que eu não estava acreditando.

Ventava muito, e junto com ele, o frio nos roubava todo o calor, mas a Pedra Furada estava lá, linda e cristalina a nos mostrar suas entranhas e detalhes. Mais abaixo, um grande rochedo, não uma pedra grande, mas uma montanha, plana como só a mão do homem costuma fazer, mas ali a Natureza foi caprichosa; talvez até desse para construir um pequeno aeroporto...

A vista alcançava até onde nossos olhos cansavam, e querem saber? Nós também temos as nossas pirâmides...

Mais acima, em terreno proibido e cercado, o grande globo do radar do CINDACTA II, tomando conta de todos os céus do sul do Brasil...

As mãos gelaram, o frio já descobrira todas as nossas frestas para entrar; era hora de partir, de visitarmos a cachoeira Véu de Noiva, que com todas aquelas chuvas, deveria estar mais cheia do que no ano passado, e estava, mas só pouca coisa... Olhamos a hora e ali resolvemos almoçar, e acolhemos as explicações, sem mágoas, afinal um dia, o Denilson havia me emprestado sua moto para que eu fosse até Urubici, tirar dinheiro, para pagá-lo e prosseguir meu pedal, pois eu simplesmente havia passado batido...

Coisas nas nossas cabeças, sempre ocupam lugares de destaque, fazendo com que esqueçamos aquilo que não podemos; ainda voltarei lá um dia, para dormirmos eu e a esposa, no mesmo chalé em que dormi, quando lá estive pela primeira vez, pedalando sozinho.

Enquanto o almoço era preparado, fomos visitar a cachoeira, que escorria cheia de espumas. Encontramos Piá, que podava as hortênsias para mais tarde virem bonitas. Ele lembrou-se de mim.

Uma garoa leve nos apressou o passo, e retornamos para o restaurante, que estava maior, mais bonito, mas ainda não concluído. É assim mesmo quando nos dedicamos de coração ao que fazemos: as coisas crescem e evoluem.

Escolhemos nossa mesa e mais um pouquinho chegava a nossa comida, dois filés enormes de truta, arroz, batatas fritas crocantes, macaxeira, algumas saladas, e almoçamos olhando os Jacus pulando de um galho para o outro. Deixamos o casal e partimos para nossa próxima visão, o Passo da Serra do Corvo Branco, onde o vento, encanado, parecia querer assobiar. Não há quem não se encante com tanta grandiosidade, tanto de um lado quanto de outro, porque as vistas são deslumbrantes.

Estávamos indo em direção a Santa Rosa de Lima, ou seja, havíamos saído dos 1.800 metros sobre o nível do mar, lá na Pedra Furada, descido até os 940 metros, quando o rio Canoas começou a correr junto de nós, subiríamos até aos 1.150 metros onde situa-se o Passo, e depois literalmente despencaríamos chegando nos 108 metros de Grão Pará.

Próximos de subirmos a serra do Corvo Branco, a esposa me fez parar o carro e apontou uma linda árvore da vida, que nascia e vicejava ao longo de toda a encosta da montanha, talvez a guardar em suas profundas raízes, tesouros fantásticos das mil e uma noites. Ali perto, no vale do rio Canoas, junto da Pedra Cabeça de Águia, a entrada de uma Catedral, quem sabe a também abrir passagem, se alguém souber das palavras mágicas.

Iniciamos nossa passagem, como se de um mundo para outro, e logo ali à nossa espreita, um simples soluço da montanha, que produziu várias toneladas de material, e que ainda produzirá por vários anos, a cada soluço novo, outras tantas toneladas de História geológica. Pela cor, aquele soluço tinha sido recente...

Atravessamos o passo e um mundo imenso nos apareceu, à esquerda o grande totem sentinela a cuidar, a estreita estrada a serpentear, a penetrar nas intimidades das encostas; verifique seus freios... Um caminhão que subia, desapareceu atrás de um paredão, e resolvemos aguardá-lo, mas ele não aparecia novamente, então achamos que ele tivesse parado. Não havia parado coisa nenhuma; estava ocupado nas tantas voltas que volteiam, que circundam, que acompanham as tantas pregas daquela saia imensa plissada, que um dia subiu aos céus com vigor e destemor, num ensurdecedor barulho de magma quente a explodir. Hoje, calma, dilui-se ao sabor dos ventos, das águas e do sol a lhe aquecerem, criando agulhas, abismos, conversas poucas e que só eles, os elementos, entendem...

Lá embaixo, estão mexendo na estrada, aterros de um lado, lama de outro, máquinas em movimento, desvios e tudo aquilo próprio de quem modifica alguma coisa. Em Aiurê, senti saudades do caminho que havia tomado quando de bicicleta, aquele logo antes da ponte, que me levou até Santa Rosa de Lima, por dentro, mas seguíamos para Grão Pará, e o rio Pequeno começou a nos acompanhar, a conversar conosco por um bom tempo, até que em Braço do Norte, ele passa a fazer parte com outras conversas, com o rio Braço do Norte, seguindo assim até chegar em Laguna, lá mesmo onde fui obrigado a pedalar naquela peste de ponte, botando os bofes para fora... Não existe sufoco, que mais tarde não se transforme em sorrisos, em história principalmente, e isso me lembrou que pouco antes de chegarmos em Aiurê, uma placa interessante nos chamou a atenção, tanto, que parei e fui obrigado a dar ré, apenas para fotografá-la.

Dizem que as imagens revelam muitas palavras, e palavras compõem histórias, e pus-me a matutar do porquê alguém havia colocado uma placa daquele jeito? Porque havia encomendado errado... Fosse o erro do construtor, este teria sido remediado, mas quando se trata do nosso próprio bolso, bem..., o acerto bem pode esperar...

Até Grão Pará, a estrada é de chão; depois, é a maciez em ziguezague gostoso de hora acompanhar um rio, hora acompanhar as tantas montanhas, pois andamos pelos vales. Lindo é o caminho, de Rio Fortuna até Santa Rosa de Lima, onde chegamos cedo na Pousada Doce Encanto, onde já havia dormido no ano passado. Seu Valnério Assing tocava a obra onde estão ampliando a pousada, e Dona Leda estava em Balneário Camboriú, dando aula em Encontro do Acolhida na Colônia, e novamente reforço meu comentário anterior: em tudo aquilo que depositamos nossos corações, colhemos bons frutos da chamada perseverança, do empenho de se construir o bem, que resulta felicidade para todos que participam, direta ou indiretamente...

Aí, mais um bom endereço a se considerar: Pousada Doce Encanto
Fones (48) 9909-4138 / ((48) 9637-7842 / (48) 3654-0042 (Santa Rosa de Lima - SC)

Estávamos instalados à frente da lareira, gostosa tora a arder e distribuir calor, quando a energia se foi. Ventava muito, e lembrei que nessa mesma época, chegar em Rancho Queimado, havia sido um inferno por conta da ventania; aquele foi o meu dia mais difícil, quando tive de vencer todas as subidas, contra o vento. O vento de hoje, parecia ter derrubado alguma árvore, ou simplesmente algum galho grosso sobre a rede, desligando-a. Estavam preparando o jantar, hora bem aguardada, porque a fome estava inquieta... Apareceram velas, uma lanterna, quando resolvi, tateando, subir até nosso quarto e pegar minha lanterna. Não estava de bicicleta, mas sempre a carrego comigo, com seus LEDs potentes, afinal eu era o principal interessado naquela construção, referindo-me aqui ao jantar, que já cheirava alimentando, um caldo grosso de couve com calabresas. Jantar pronto, a mesa foi posta com café forte amargo, leite quente, sucos, fatias de uma rosca enorme, de polvilho, deliciosa, geléias, pães caseiros, nata, manteiga, sucos, cucas, que se a gente for na onda, se estivermos pedalando, adicionaremos algum peso extra nos pedais no dia seguinte...

Jantamos como se numa família, nós, os donos da pousada, os filhos deles, outros hóspedes, numa mesa comprida e rústica, lavrada, onde as conversas se misturavam, minha lanterna de um lado, a lanterna deles do outro, a lareira atrás a crepitar com carinho, um jantar diferente em que a energia, faltando, nos propiciou.

Terminamos o jantar, a conversa continuou... Sem luz, não temos televisão, não temos internet, não temos videogames. Isso mesmo, o que temos é a aproximação das pessoas, o valor das conversas, dos sorrisos, melhor ainda se em volta de um foguinho. A energia dispersa, nos faz pensar em produtividade, nos transforma em individualistas... Até mesmo se você não tiver assunto, as chamas tremeluzentes em danças ventrais, produzirão conversas internas muito mais produtivas...

Chegou o tempo do sono, e a luz, inteligente chegou. O momento mágico, ela já havia produzido, retirando-se como a nos observar como humanos. Agora chegava a hora prática, quando dela necessitamos para nos arrumarmos, guardarmos nossas coisas, nos movimentarmos, nos organizarmos, ironicamente, quando a desligamos para poder dormir...

Lá fora a vida se desenrolava nua, vida desprotegida, sangue quente em tocas, seivas a balançar, enquanto cá dentro, protegidos e aquecidos, apenas sonhávamos... Céu e Inferno, pus-me a pensar, e peguei no sono...

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