Voltando para casa... (décimo dia) - Torres - São José dos Ausentes

Se você pensa que tudo é bonito,

só porque você está viajando,

engana-se...

Bonito é você aproveitar, ou tentar,

é você descobrir, pelo esforçar,

ver a beleza como ela se decidiu,

apresentar-se...

O Caminho, nunca é igual para todos...


Voltando para casa... (décimo dia) - Torres - São José dos Ausentes
(Paulo R. Boblitz - 21/set/2013)

A chuva não parava de cair... Pancada sim, pancada não, a garoa pelo meio, não deixava interromper... O frio não dava trégua, mesmo ao nível do mar.

Assim, partimos para visitar a Pedra da Guarita, primeiro por um lado, depois pelo outro, quando ela nos deu a oportunidade, e resolveu novamente engrossar... Era hora de partir, afinal pedra, rochedo, ou fosse o que fosse, já estava visto, não na sua integridade, pois deu água na boca subir até aquele penhasco... Passavam 5 minutos das dez e meia da manhã, quando demos partida no motor e seguimos, deixando Torres para trás, bem na divisa com Santa Catarina, ultrapassando a própria divisa, do outro lado do rio Mampituba.

Intimamente estava com medo naquele dia, e a esposa não sabia, pois que haveria a subida da serra do Faxinal, estrada cheia de pedras, acanhada, e depois de tantas chuvas, temia pelo pior... À nossa direita, a Laguna do Sombrio, quando abandonamos a BR-101, passando-lhe por sob o pontilhão, em direção a São João do Sul, depois pelo Povoado Vila Santa Catarina, Povoado Timbopeba e finalmente Praia Grande, onde iniciaríamos, de fato, nossa subida da serra, completamente por entre nuvens, tudo isso, em Santa Catarina, pois somente lá no topo, entraríamos novamente no Rio Grande do Sul.

A chuva não era forte, também não era fraca..., e o asfalto logo acabou, forçando-nos a reduzir a marcha, mas não tínhamos pressa, afinal, biscoito caseiro era o que não faltava dentro do carro; era quase meio dia quando começamos a subir, o almoço bem que poderia esperar...

E paramos nos possíveis mirantes que podíamos, mas as vistas estavam acanhadas, as paisagens a descansar em seus poucos momentos de intimidade, e pensei: talvez seja de propósito, para que tenhamos que aqui voltar de novo...

Quando fiz o roteiro, o fiz com a bicicleta na cabeça. São 14 quilômetros de uma subida quase que uniforme, a grosso modo, média de 7 % de inclinação, mas alguns pequenos trechos bem irados, chegando a 20 %, ou seja, dá para subir pedalando, porém, existem as pedras, muitas pedras que se intrometerão em nossa frente, dificultando sempre o avanço, atrapalhando a concentração, intrometendo-se na paciência, mas, quando naquele ponto que não der para pedalar, o segredo é descer, aproveitar a vista, beber um gole d'água e empurrar, afinal a gente não vai para se matar, mas tão somente para passear e curtir...

No topo, mais um pouco e chegávamos na entrada do Parque Nacional Aparados da Serra. Sabem o porquê da expressão Aparados da Serra? Vocês já cortaram queijo, um bolo ou pudim? Isso mesmo, os precipícios despencam em linha reta, como se um gigantesco facão os tivessem cortado... Um cânion é uma grande vala que a água escavou, e são muitas águas a escavarem constantemente, na razão em que o senhor Tempo determina...

Quando fiz o roteiro, imaginei poder ir de carro até cada mirante, mas que nada! Paramos num estacionamento, vestimos nossas capas e andamos pouco mais de 6 quilômetros entre ida e volta, para conhecermos o Cânion Itaimbezinho, algo que nos mostra, de forma espetacular e sensacional, um rio que corre em torno dos 700 metros lá embaixo. A vista estava linda, a despeito de tantas nuvens baixas porque passamos... Senti falta de minha bicicleta, boa amiga permitida até nos elevadores...

No Cânion, existem dois caminhos: escolhemos o primeiro, o mais longo por entre muitas águas que encharcaram nossos tênis; deixei a esposa na casa de apoio e fui fotografar o outro braço, mais curto, mais colossal, pois que sentimos o trepidar no solo dos tantos choques que a água dá ao bater no fundo, isso mesmo, um pequeno terremoto que não tem fim...

Gastamos pouco mais de uma hora para subirmos a serra, quase três horas para conhecermos o cânion. Quando partimos para Cambará do Sul, já eram quase 4 e quinze da tarde, chovendo, hora forte, hora fino, mas agradecidos por podermos ter visto sob garoa fina, a beleza que a Natureza há milhares de anos vem construindo... Faltando quase 10 minutos para as 5 da tarde, chegamos em Cambará do Sul, e a chuva ia e vinha, dificultando nosso avanço. Agora era chegar no Vale das Trutas, estrada um pouco melhor, mas mesmo assim, de chão, com buracos e pedras. Às 18 horas, chegávamos na Pousada Vale da Trutas, onde um chalé com lareira nos aguardava, mas nenhum jantar, pois todos haviam cancelado suas reservas, e o restaurante não funcionaria...

Biscoito engana, mas não alimenta; estávamos sem almoço, morrendo de fome. Nos instalamos e partimos para São José dos Ausentes, como o nome mesmo diz, tudo ausente, mas demos sorte e encontramos uma padaria ainda aberta, onde nos fartamos com pães, roscas de polvilho, presunto e queijo, café e leite quentinhos, que dava gosto apertar as grandes canecas de louça por entre as mãos; fazia um frio destemperado... Foram mais 20 quilômetros entre o ir e o vir, numa estrada insana cheia de grandes pedras, à noite...

Uma gostosa lareira nos aguardava; acendi-a, tomamos um banho e dormimos como crianças, envoltos em grandes cobertores, enquanto o fogo crepitava, tentando esquentar a todos nós, mas não conseguindo...

Dia seguinte, conheceríamos o Pico e o Cânion de Monte Negro, o dia em que nossos tênis encolheram...

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