A primeira dedada, a gente não esquece...

Essa história é meio a meio..., quer dizer..., metade verdade, metade invenção, porque se não, não teria graça...

A verdade é que todo homem, ao chegar nos 50, deve procurar um médico para submeter-se a um exame digital, melhor falando, um toque retal...

Mas não precisam aqueles, hoje na casa dos 30, antecipar essa ida sob pretexto de serem muito zelosos com a saúde, nem tampouco aqueles que costumam não acreditar numa só opinião, procurarem duas, três, sabe-se lá quantas...

Uma coisa eu faço questão de sugerir: procurem alguém com bastante experiência... Vai que seja um novato, ainda sem muita certeza, e você não saberá se ele está ou não, brincando...



A primeira dedada, a gente não esquece...
(Paulo Boblitz – abr/2008)


1 – Marcando a consulta...

Eu estava marcando a consulta, e confesso que não estava assim tão preocupado com a data, mas quando o urologista só pôde me atender bem lá na frente, não deixei de perceber certo conforto...

Ainda bem que temos outras preocupações, a nos distraírem a mente...

Mas eu tinha que fazê-lo, afinal temos as nossas responsabilidades, conosco mesmos, com a família que ainda conta conosco, com os projetos que ainda nos aguardam, pelas dívidas que ainda necessitam ser pagas, enfim, motivação era o que não faltava...

A idade já estava para lá de avançada, para submissão da primeira perscrutação – uma investigação científica em nome da saúde; um método amplamente já aceito pela sociedade, e nada justificava eu ficar protelando...

Por outro lado, o investigante seria um profissional, da própria arte.

Ocupei-me, assim, de outras atividades diárias, mas sabem como é... ; nossa mente é pródiga e continua processando sozinha, sem necessitarmos estar em vigília. Vez ou outra eu conferia a data na agenda, pois compromisso é compromisso...

Um amigo, ao saber da marcação, libertou-se de certo modo, de um trauma. Confessou ter sido, no mesmo médico, perscrutado. Informou até que o marido de uma nossa amiga, também havia sido nele, perscrutado – essa palavra é de muito mau gosto, e até soa desajeitada para o fim a que ela se destina...

Lembrando bem, nosso médico da empresa havia informado, ser aquele profissional por ele indicado, muito sério e competente. Da competência eu já esperava, mas da seriedade eu ainda não havia pensado..., e minha primeira reação foi a de que, com gracinhas, ninguém me perscrutaria.

Mas o que não tem jeito, não adianta combater. Se é para ser, então que seja logo, afinal, todo homem responsável, na idade correta, deve ser perscrutado. Nesse item, eu estava com crédito, pois há tempos eu havia entrado nela, na idade...

Chegou o dia finalmente, não havia escapatória, se bem que no íntimo ainda houvesse aquela esperança, a de que o médico perscrutador não pudesse, por razões alheias às dele vontades, trabalhar naquele dia...

Mas não recebi nenhuma comunicação. O compromisso estava de pé. O profissional levava a sério o trabalho dele. Então, que não passasse desse dia, já que nesse dia teria que ser. Estava escrito nas estrelas...

Interessante é que não conseguimos ficar imunes. A coisa, não me referindo ao dedo perscrutador, mexe com a nossa cabeça, não importa se levemos na brincadeira ou no deboche, mas no dia específico, acordamos diferentes... Demonstramos certa instabilidade comportamental, e começamos a nos preocupar:

- "E se nosso conduto a ser perscrutado, estiver cheio de massa? Ficaremos envergonhados..." – pensei numa lógica trivial...

Logo, nos ajustamos à situação. Comi mamão bem cedo e ele fez efeito, mas efeito além do desejado. Não precisava agir assim em exagero, o mamão...

Depois de umas três idas ou quatro, uma certa ardência se estabelece por pura normalidade muco-resposta, afinal, daquela forma ele, o dito a ser perscrutado, não é acostumado...

Melhor pelo mamão, do que pelo dedo inglório, mas que não sirva de desculpa para um maior zelo, do perscrutador em questão.

Agora um outro fato me preocupava: minha reputação... Ardido por funcionar em demasia, deve estar com outra apresentação. Quando lá chegar, vou logo avisar:

- Doutor!, foi caganeira!

* * *


2 – Na sala de espera...

Enfim chegou a hora e lá tenho que ir. Que meu Anjo da Guarda me ajude; que lá não me deixe encontrar nenhum conhecido...

Lá na minha sala, e na do médico do nosso trabalho, descobri que o perscrutador escolhido, era bem freqüentado. Devia conhecer tudo o que era de..., bom..., digamos..., perscrutados da nossa empresa.

Iguais a mim?, hum..!, tinha muita gente..., fora os que ainda chegariam na dita necessidade...

Lembro que quando a conversar com o médico da nossa empresa, a perguntar se ele não conhecia algumA profissional que me viesse a dar cabo, de tão inusitada e encabulada questão, recebi o NÃO mais negativo da vida. Ele, mostrando certo envolvimento com o meu desalento, até comentou com ares de investidor: "se existisse, ela já estaria rica..."

De fato ele tinha razão... Quem em sã consciência?, em sã preferência?, não preferiria um dedo delicado feminino, ao de um cheio de tumefactas articulações? Quem!?

Quando resolvi fazer tal exame, até por desabafo da consciência, pensei num médico amigo..., mas pensei melhor e vi que amigo, a mexer naquilo da gente, não esqueceria jamais do nosso pudico escondido, duas vezes coberto por panos, um tabu a ser defendido...

Eu acabaria perdendo o amigo, pois toda vez que ele me olhasse, eu não saberia qual olhar seria aquele... Por outro lado, um profissional desconhecido, logo se ocupa do..., digamos..., perscrutado de outro. Já um amigo?, hum..!, esse jamais esqueceria...

A sala de estar era como todas as outras: revistas, um ar condicionado, uma atendente a nos encarar, a ter satisfeita a própria revanche, pois era como se grávidos estivéssemos.

Não quis observar aquele leve sorriso...; pensei melhor achá-lo alguma simpatia, e ocupei-me com algum artigo, sem contudo bem entende-lo, pois a cabeça, esta só pensava insistentemente no assunto, prestes a ter um desfecho – duas preocupações: a primeira, da perscrutação (recuso-me a utilizar o termo "penetração"); a segunda, do que poderia ser encontrado...

O íntimo da gente, o tempo todo se defende... Pensava na hora do encontro, aliás, ele não conseguia sair da minha cabeça, e uma saída, uma esperança logo foi encontrada – primeiro ele pediria exames...

As estratégias e as expressões, todas elas foram ensaiadas, na mente é claro, mas só descobriria quando lá estivesse, frente a frente com o sujeito. Entrava logo quebrando o clima?, ou entrava circunspecto?

Nem um, nem outro... Se eu entrasse com alguma simpatia, ele poderia pensar que eu estava a querer intimidade; se eu entrasse sisudo, ele poderia pensar que eu já estava acostumado. As duas maneiras me deixariam mal...

Cheguei à conclusão que deveria entrar e me apresentar, e logo sentar, o mais natural possível, e deixar claro nas próximas etapas, que a coisa não era bem daquele jeito, que era a minha primeira vez, e que por isso ele fosse com jeito...

E pensar que eu ainda tinha que pagar por aquilo...

Pensei melhor e lembrei que para todo bônus, há sempre de haver um ônus...; arrumaria algum defeito no pinto..., e de lá, sairíamos empatados...

Ainda faltam três na minha frente, e só agora noto que a revista está em minhas mãos, de cabeça para baixo...

* * *


3 – A consulta...

- Senhor Paulo!? A sua vez... – informou a atendente. Não sei por que, mas acho que ela agora estava a sorrir mais abertamente...

Olhei para ela, ao mesmo tempo em que fechava a revista e guardava os óculos.

Levantei-me e, na porta às minhas costas, já estava o médico perscrutador me aguardando...

Ao me chegar mais próximo, ele me estendeu as mãos em boas-vindas, no que a vista logo prestou atenção naqueles dedos... Dedos longos, porém finos. Ainda bem...

O médico perscrutador de cavidades alheias, era um sujeito ainda jovem, mas nem tanto que dele a seriedade lhe fosse roubada. Pelo menos as articulações não possuiriam nódulos...

Usava lentes grossas, ponto a meu favor, pois que deficientes visuais, desenvolvem maior sensibilidade no tato, o que significaria um exame rápido. Fosse um bom de visão, a tendência seria não acreditar no que o dedo sentisse, e a mais cavucar atrás de algum segredo...

Calmo, mostrou-me uma cadeira. Enquanto ele puxava o teclado do computador e digitava alguma coisa, passeei o olhar pelo consultório, simples até, sem os peixinhos lá de fora, num aquário a separar ambientes, a dispersar tensões, pois que peixinho de aquário, tem sempre uma calma infernal...

- É a sua primeira vez, não!? - e eu não soube se ele perguntava sobre o dedo, ou sobre a consulta com ele - ponto para mim de novo, pois podia significar pouca memória...

Respondi que sim, só para ouvir a pergunta clássica:

- Do que é que está se queixando?

Então eu pigarreei, e informei que não havia nenhuma queixa, mas que o médico da nossa empresa havia recomendado, e mais isso e aquilo, que todos vocês já sabem - não preciso repetir, e para ciência de vocês, ele entendeu...

Acho até que ele já sabia... Esse pessoal especialista, quero dizer, médico de uma disciplina só, só cuida daquilo, da especialidade dele. Então, a ver todos os dias os mesmos assuntos, acaba desenvolvendo uma psicologia para cada fato ou cada queixa. Deve ser assim: ele olha para um sujeito, e no íntimo já sabe – não consegue mijar...; ele olha para outro e também já mata a questão – esse daí é dedada...; e assim por diante com cada problema, que ele já está ficando careca de tanto ver.

Depois da nossa conversa, e de algumas perguntas, chega o ponto que tem que chegar. Quem já conhece, sabe bem do que falo...

Levantou-se e mostrou-me uma porta, solicitando:

- Queira me acompanhar...

Entrou primeiro e, como não havia espaço para uma ultrapassagem, fui obrigado a acompanhar todo um cerimonial, nada que não fosse normal, mas acho que algo necessário para nos prepararmos para a posição, fosse qual fosse ela, sobre a cama. Com cautela, puxou um papel, que foi desenrolando na altura da cabeça; cortou um pedaço e arrumou como se fosse a roupa de cama, pois que aquilo era uma cama, onde logicamente, eu raciocinava, deveria me deitar...

Terminada a arrumação, ele se virou bem calmo e mandou que eu me deitasse, e que não precisava tirar as botas e nem as calças...

Em tudo na vida, há de haver psicologia. Eu ia deitar-me completamente vestido! Por instantes, aquele dedo vil conseguiu sair da minha cabeça! Era ele ganhando tempo, enganando e desconcertando a minha vigília! Caí na rede...; não haveria escapatória...; uma ida sem volta...

Deitei-me obediente e cauteloso, afinal naquilo eu não tinha experiência, enquanto ele calmamente aguardava. A posição? Barriga para cima... Olhou para mim e apontou até onde eu deveria arriar as calças, claro que junto com as cuecas.

Enquanto eu me desvencilhava da cintura e do fecho ecler, ele mexia em algo numa banqueta – pléc, stléc – era a luva de borracha...

Pelo canto do olho vi o movimento, um típico passar de vaselina, e se alguém estiver agora excitado, já pensando em alguma data a marcar, que vá mais devagar, pois lembro que o momento é bastante vexatório – um estranho prestes a adentrar-se nas nossas entranhas... Tudo na mais completa formalidade...

Com a ferramenta pronta, o dedo maior de todos, solicitou que eu abrisse as pernas:

- Um pouco mais... - insistiu de novo.

Sem tempo nem para raciocinar, ou antever o ato, aquela ponta perscrutou o pobre olho cego, juro, espetando até a minha alma. Que situação..., um sujeito com o dedo todo atolado dentro de mim, como a procurar alguma raiz!?

Agora sei como é um exame ginecológico... Ainda bem que ele não estava de frente, sentado, olhando aquilo também olhando para ele, sendo perscrutado..., filmando para ficar documentado..., num arquivo técnico, de um dedo no cu em pesquisamento..., para depois mostrar ao paciente, pois que virou para um lado, depois para o outro, espetou para cima e quase me mijo...

O exame em si não tem nada de mais, a não ser pelo detalhe que nos penetra pelo buraco mais sagrado. Esquisito é quando sentimos aquela mão, a nos limpar o rego com uma folha de papel toalha, mas..., se faz parte do exame...!

O fato é que do jeito que entrou, saiu..., e logo ele me disse:

- Pronto! Está tudo normal... Pode ficar tranqüilo... Vamos pedir um exame de sangue e um ultra-som, para acompanharmos um histórico, e depois com um ano, repetimos de novo.

Vesti-me novamente e fomos para o consultório. Enquanto ele emitia as solicitações, pensei comigo mesmo: "melhor um dedo agora no rabo, do que cinco mais tarde, em cada alça de um caixão...

Apertamos as mãos e voltei contente para casa; um peso havia sido jogado fora, e para quem ainda não fez o exame, penso agora que o ruim será na segunda vez...

Cu conhecido, já começa a querer fama...

* * *

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