Meditar é um agrado que fazemos à nossa alma... Ela sempre se sente bem...
Meditar nos acalma, nos abre o coração, nos mostra algumas verdades..!
Meditar é olhar sem ver, é imaginar sem sonhar...
Parece difícil mas não é.
Dia da meditação
(Paulo Boblitz - mar/2007)
Peguei meu caniço e fui para o rio...; o dia estava gostoso, a sombra convidativa, a água a fazer barulho correndo, pequenas folhas transportando...
Abri minha cadeirinha, sentei no meio de alguns estalos, e recostei preguiçoso vendo o vento passar...
Suspirei, soltei um pum e a água tremeu, pois que foi peixinho para todo lado...
Desenrolei a linha, liberei o anzol e num movimento descompromissado, o lancei na água, só para vê-lo afundar...
O velho bagre se aproximou, deu uma cuspida para mim, quase acertando meu pé...
Olhei para ele franzindo a boca, entortando ligeiramente o nariz, como quem diz: "não tem um pingo de graça..."
- Se molhar a minha mão, arranjo uns peixinhos... - falou ele sem uma gota de vergonha.
- Sai pra lá!, bagre velho...; vê se estou lá na outra árvore...
- Tá não, porque você taí... - ele retrucou.
- Então vá cheirar niquim... - intimei novamente.
- Vô não, que aqui não tem niquim... Niquim só lá no vizin...
Então peguei um punhado de terra e fiz que jogava nele. Ele deu um salto e num mergulho desapareceu...
Puxei a linha com leve tranco, e o anzol aproximou-se brilhando, com uma gota de cristal querendo pingar.
Com cuidado, encaixei um miolo de pão no anzol e lancei a linha de novo; por instantes o conjunto boiou e depois afundou.
O que era de piaba logo se aproximou, e todas começaram a beliscar a pequena bolinha de miolo. Traíra que era bom!, nenhuma...
Devia ser o danado do bagre, afugentando todas...
O bagre eu já conhecia, fazia um bom tempo, desde quando ele ainda era menor, quando o separei de uma briga com um caboje, aquele peixe feio que sai da água e anda pela lama.
Desde esse dia que o bagre, agradecido, virou meu amigo, e de vez em quando me ajudava mesmo...
Nesse dia, o que eu queria mesmo era passar o dia, ver a água fazer marola, as piabas passando quase transparentes para lá e para cá, ouvir o barulho do mato, o fofocar dos pássaros, o coaxar de alguma jia.
Vez ou outra eu jogava uma bolinha de pão na água, e dezenas de boquinhas sempre famintas convergiam, e a bolinha logo ganhava movimentos, para um lado, para o outro, para baixo, e logo era roubada por outra boca mais atrevida, começando tudo outra vez.
O bagre velho apareceu e de novo perguntou:
- Vai querer pescar ou jogar pão fora?
Fiz uma bolinha graúda e joguei para ele, que num volteio só, a engoliu...
Satisfeito, querendo mais, voltou, lançou-me outro jato d'água provocativo, e argumentou:
- Se molhar a minha mão, eu arranjo umas traíras...
- Sai pra lá!, bagre velho..., não vê que estou apenas a meditar?
O bagre deu de bigodes (porque não tem ombros) e falou:
- Então joga mais uma, das grandes...
Fiz então uma outra bola de pão e joguei para ele, que saiu brincando devagar, lançando-a para fora e a abocanhando de novo...
As piabas, com a saída do bagre velho, logo fizeram ruma como a mundícia, como aquela que vemos, curiosa, observando alguma coisa ruim em praça pública.
Joguei algumas migalhas bem esfareladas, até para não causar confusão entre elas, pela competição, e fiquei observando aquele frenesi, a água em pequenas ondas ao Sol a refletir, e acabei pegando no sono, embalado pelos sons da Natureza.
Acordei com aquela água fria nos pés, que em pequenas cuspidas era jogada por todos eles.
Olhei para o rio e vi o que pouca gente na vida consegue ver: traíras, piabas, muçuns, um grande tambaqui, alguns tucunarés, e o bagre velho, todos ansiosos me olhando, como se estivessem dispostos organizados nas poltronas de um teatro, cada um a lançar pequenos jatos de água em mim.
Então perguntei:
- Ô bagre!? Cadê a cadeia alimentar?, aquele negócio de peixe grande comendo peixinho?
O bagre então respondeu:
- Instituímos o dia da meditação...
- Como assim!? - perguntei.
- Dia da meditação!, ninguém come ninguém! - respondeu.
- E por que esse dia da meditação? - perguntei novamente.
- Porque o pão do amigo é bem mais gostoso... - esclareceu.
Eu continuei com o ar de interrogação, e ele explicou:
- Como você não veio para pescar, combinei com todos que poderíamos perder o medo do anzol, e como haveria pão para todos, bem poderíamos esquecer aqueles pequeninos, de quem nos alimentamos.
Eu fiz que sim com a cabeça, e ele, desaforadamente perguntou:
- Como é.!?, vai ou não vai jogar pão?
Eu sorri para o bagre, olhei as traíras famintas, observei os tucunarés cercando todos com indiferença, e comecei a lançar grandes bolas exatamente para todos os maiores.
E fui repetindo a manobra, cada vez com bolinhas menores, para a turminha pequena, até que o pão acabou.
- Acabou o pão!!! - falei para todos.
E todos sumiram ao mesmo tempo, pois ninguém sabia ao certo quando esse dia acabava, e ele findando, as caçadas começariam de novo.
Agora, quando é dia da meditação, ficamos eu e o bagre a jogarmos bolinhas de pão para a turma toda, eu da minha cadeirinha, e o bagre recostado de uma pedra..., e quem disser que é mentira, é porque nunca pescou...
* * *
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