Nesta vida, nem tudo é ficção... Essa história retrata um período já distante, algo entre 1991 e 1994, quando trabalhamos em Urucu, no Amazonas. Para lá voltei em 1997, mas não foi a mesma coisa...
Turma boa foi essa daí de baixo, Vallagão, Custódio, Domingos, Bosco, Valdson, Igreja, Djalma, Francisco, Leoni, e eu, é claro.
A todos eles, as minhas saudades.
Dormitório enfezado
(Paulo Boblitz - jan/6)
Nosso dormitório nem era amplo, nem era pequeno. Cabiam nele três beliches, mais os armários para cada um, uma pequena mesa de aço e umas três cadeiras. Nele ainda havia um banheiro para as nossas necessidades.
Ficava no fim do corredor, o primeiro a receber o calor do Sol implacável durante a tarde inteira, e quando à noitinha chegávamos, nele ainda encontrávamos aquele clima de estufa. Usávamos o dormitório apenas em duas ocasiões: depois do almoço para um pequeno descanso, e durante a noite inteira para o sono.
Um contêiner não dá tanto trabalho quanto um amplo salão, pois num contêiner, ou estamos do lado de dentro, ou estamos do lado de fora. Num dormitório normal, com algum espaço sobrando, sempre têm os colegas geladeiras, que ficam sempre no caminho ocupando as vias de transição, normalmente com os cotovelos arqueados; têm os colegas troncos, que sentam-se no chão com as pernas estiradas, e necessitam ser saltados como se fossem obstáculos. São colegas que sabem ocupar e monopolizar de fato, qualquer espaço.
Seis marmanjos sob o mesmo teto, carece de muita paciência, de boa disciplina, de grande desprendimento, pois ficamos a tropeçar constantemente em botas, capacetes, meias e outras porcarias mais. Assim, regras são estabelecidas ao longo da convivência, como a Constituição da Inglaterra, que foi sendo construída ao longo dos milênios, de acordo com os fatos acontecidos. Desta forma, íamos, todos os dias, engordando a lista da organização, de uma forma bem democrática ou simplesmente por pura pressão.
Seis marmanjos morando juntos, no mesmo quarto da pensão, tem um canto gargalo que afunila as contradições: é ele mesmo, o banheiro..., pois todo mundo acordava na mesma hora, e queria fazer xixi, escovar os dentes, tomar o banho, tudo isso com privacidade, e logo, logo, apareciam as cobranças, pancadas na porta, "sai daí!, seu isso ou aquilo!, pois se não, eu faço nas calças...", e outras construções menos alinhadas, proporcionais aos momentos de aflição, segundo cada condição, destinadas aos sempre descansados...
Assim, é fácil imaginarmos as pequenas contendas no dia-a-dia, pois não raro encontrávamos toalhas molhadas em nossas camas, um pé de meia mal cheiroso na nossa roupa, e outras coisas mais, bem irritantes, somadas ainda à falta de trato, quando algum pertence era trocado pelo pessoal da hotelaria, responsável pela arrumação dos dormitórios.
Numa convivência comum, mais de um vira sociedade, e é a união da maioria quem dita as normas, sejam elas justas ou casuísticas.
Soltar puns no dormitório era terminantemente proibido, aliás a primeira proibição na nossa Constituição, pois sempre tem um engraçadinho mais desatado ou folgado, que acha o ato completamente normal e natural.
No Amazonas, o ar teima em ficar parado, como alguma bolha sem gravidade, assunto para tese de algum especialista mais letrado, mas no nosso caso um problema bem real. Assim, embora o artigo dos puns fosse respeitado, não havia jeito de evitar a poluição, pois sempre que alguém usava do sanitário, ficava preso naquele compartimento especial, bolsão de ar contaminado, que a janela do fundo não tinha como efetuar a sucção.
De certa forma, era um crime contra a comunidade, pois por quase meia hora interditava a pequena sala de solidão, mas crime maior fazia um dos nossos, notório pelos ares pesados, que passava na nossa cara, o fazer jus dos adicionais, valor monetário ganhado a mais, que a lei manda pagar quando o trabalho é confinado...
Quando o colega entrava na sala do trono, ainda mais dando palmadas na região do umbigo, era a senha para nos levantarmos, afinal o trabalho nos conclamava, e quem sabe no dia seguinte, assim almejava a nossa grande esperança, o colega ficasse trancado, devidamente obturado, entupido na chula linguagem, e o nosso descanso mais prolongado.
Não desejávamos isso por mal, mas sim por pura sobrevivência, pois que mesmo com a porta fechada, os gênios esfumaçados conseguiam escapar pelo rés do chão, e como radioatividade espalhando-se, acabava seqüestrando nosso oxigênio...
Fizemos de tudo para combatê-lo, até o ameaçamos de expulsão, mas ele sempre se saía, afirmando ser tudo aquilo, puro fruto de obra natural...
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