Pelas terras, pelo Iguaçu, do Paraná (dia 3)


Não se engane pelo fácil,

não se iluda pelo difícil,

trabalhe o justo sacrifício,

sorria sempre, sempre sorria...

O trabalho constrói, o esforço levanta,

e o descanso aprecia...

É assim que fazemos História...


Nem só de passeio, é a viagem...
(Paulo R. Boblitz - 9/fev/2015)

Ainda lá no início de tudo, naqueles três dias de decisões, tracei a rota de Curitiba até Foz do Iguaçu; bem simples marcar um caminho no Google Earth: estabeleça um ponto de partida, no caso o aeroporto, e depois o ponto de chegada, no meu caso, a cidade de Foz do Iguaçu. Por fim, depois dele calcular, peça para ele "Mostrar perfil de elevação"...

Era uma beleza..., uma moleza... Saindo dos pouco mais de 900 metros de altitude, terminaria nos quase 200 metros de altitude, 700 metros só de descida, o mundo inteiro a nos empurrar ladeira abaixo...

De fato, começamos, e de fato, terminamos, mas, o que existe pelo meio, não nos empurra coisa alguma...

O que você enxerga na visão macro, complica-se quando você aplica a micro...

Até um fato pitoresco chegou a acontecer: quando mostrava a um amigo, aquilo que estava pretendendo, virou-se para mim e bem sério falou:

- Tá errado!

Olhei para ele e perguntei:

- O quê que está errado..?

- Onde já se viu um rio correr para cima!?

Demorei um pouco para perceber a ideia dele, pois que rios não correm ao contrário...; o raciocínio agiu rápido:

- Não tem nenhum rio correndo para cima... Toda e qualquer foz, significa o fim de um rio. Assim, o rio Iguaçu não corre para o mar, como todos os nossos rios do Nordeste o fazem, mas sim para o interior... Um dia ele chegará no mar, porém misturado com as águas do rio Paraná...

Ele me sorriu, bateu na cabeça e reconheceu a indução do que a vida lhe brincou...

Mas ali, diante das induções ou peças que a realidade nos costuma pregar, lembrei cauteloso de que não seria um passeio sem pedalar, perdendo 700 metros entre as duas extremidades.

De fato perdemos coisa pouca pelo caminho, agora posso dizer, depois de descarregar meu GPS: ao todo, eu e Sofia subimos 13.325 metros, e descemos 13.870 metros, perdendo apenas 545 metros na banguela. Não, não está errado, e até acho que meu GPS andou me roubando, pois que pelo programado, minhas subidas seriam mais altas; coisas de barômetros... Tal como os meandros dos grandes rios, aquela infinidade de voltas que dão força e volume para eles, meus meandros também foram de altos e baixos, mais altos do que baixos, porque para subirmos..?, bem, vocês sabem como é...

Adoro subir, adoro perceber minha paciência em exercício, meus barulhos misturando-se aos barulhos de Sofia, distintos, porque os meus ofegam, e os dela rangem...

Adoro subir, porque tudo encosta nos limites: músculos, respiração, adrenalina, temperatura, perda d'água, quando Sofia costuma ficar nervosa, guidão para um lado, guidão para o outro lado, metros longos que não passam, corrente, catracas e coroas estalando...

Subimos tão devagar, que podemos identificar cada gota de suor, torneira aberta sob o queixo, carícias pelo peito e costas, nos lugares vazios onde o tecido ali não cola...

É na subida que você reza, que você experimenta o domínio sobre o tempo, que o caminho insiste em lhe apresentar em câmera lenta...

É na subida que você olha para seu passado, visível lá no ponto mais baixo, naquele ponto em que teu orgulho se enche de alegrias, pois que cada subida é uma vitória, tanto maior quanto mais próxima ela do final, quando o cansaço demonstra sua presença...

E só você enxerga...

Não há ninguém para comemorar contigo, a não ser a própria mente, Deus como Testemunha, vá lá, teu Anjo da Guarda também, com aquela forcinha... Sofia também vibra, um pneu para lá, um pneu para cá, o sorriso mais lindo desse mundo...

Um gole d'água, seja no primeiro quarto, na metade, no terceiro quarto, ou no fim da conquista, será sempre um brinde muito especial, mais especial ainda se a água estiver morna...

Não somos heróis, não gostamos de sofrer, não toleramos as dores, uma cãibra é um pesadelo... As montanhas, apenas estão pelos nossos caminhos...

Subindo, todas as tensões vão descarregando, quando o corpo experimenta a leveza, não da Gravidade, mas da limpeza dos poros, das calorias que se dissipam em miragens, das energias que se vão transformando, das vontades que vão sufocando as desistências, da mente que enfim domina, soberana o corpo...

O coração do susto é o coração da força, é o coração da emoção, da alegria envolta no amor; comum entre eles, a palpitação, o bater forte irrigando a vida. Não permita que seu coração palpite por desespero...

Choramos quando estamos tristes, um grande esforço d'alma; suamos quando nos esforçamos, grande alegria do espírito...

Pedalar não significa fazer força, embora ela esteja presente no ato. Pedalar significa estar com Deus, no mundo Dele, onde o Tempo nada significa, onde os cheiros, os perfumes, os horizontes, a Natureza, você, os elementos, os ruídos, os sentimentos, o momento, cada instante singular pela nossa própria velocidade, entrelaçando-se em harmonia...

Você volta a pertencer à Terra, mas nas subidas, a adrenalina o puxa para o Inferno, pois que as pressões dos outros veículos, mais ligeiros, mais pesados, mais intolerantes e apressados, agressivos e impacientes, o puxam para baixo, retirando de si, os irracionais pensamentos...

Foi um dia de poucas fotos, um dia de muito calor, um dia com uma gostosa surpresa, uma cidade com o nome do meu amigo... Foi um caminho bem distante do Iguaçu, creio até que por ele se preparando para apresentar-se mais bonito. Dito e feito, bem na entrada da cidade, ele imponente, tranquilo, majestoso, solene, guardando forças para explodir no fim da vida, qual estrela que em estertor, ilumina o espaço com tanta energia...

Acontecia o nosso terceiro contato...

São Mateus do Sul é bem simpática, nos recebe com muitas flores, mas estava muito quente, porque também chegamos cedo, cerca de três da tarde, quando o Sada's Hotel, o Sergio Sussula, nos receberam, lançaram-nos um cumprimento.

Quando passeávamos por um parque à beira do Iguaçu, um garoto virou para o colega e falou:

- O cara tem uma luneta no guidão..!

Eu sorri para eles e informei que era uma lanterna, e vieram ver de perto, me mostrar onde o rio batia quando enchia, informar que o barco era o erveiro, aquele que transportava a produção da erva mate, e passageiros...; falavam pelos cotovelos, olhinhos vidrados em Sofia, tocando-a nas alavancas, nos pneus, nas partes que a fazem linda, e a cada toque um tremelico... Sofia emociona-se com facilidade, encanta-se como a criança inocente, diverte-se com a mesma simplicidade com que encara as dificuldades, e está sempre de bem com os pequeninos, que a adoram...

A sede aliava-se com a fome; nos despedimos e fui em busca do alívio, uma pizza portuguesa, deliciosa, uma cerveja bem gelada...

Havíamos de fato começado, 82,6 quilômetros, 921 metros acumulados em subidas, 4.368 calorias evaporadas; junto, meus 96 kg, quase 18 kg de Sofia, cerca de 25 kg dos alforjes, pneu reserva, bomba da suspensão, lanterna extra...

Dia seguinte também seria puxado, como vínhamos puxando nossa tralha, como vínhamos desejando que aquelas nuvens, enfim, chovessem...

* * *

3 comentários:

  1. Olá! Somos um jornal de São Mateus do Sul, e achamos interessante sua passagem pela cidade. Poderia entrar em contato conosco para, quem sabe, conversarmos sobre suas viagens? Obrigada, Thaís. jornalaconteceu@hotmail.com 42 3532 3821

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Mas é claro que entraremos em contato com você, eu e Sofia...

      Excluir