Pelas terras, pelo Iguaçu, do Paraná... (dia 5)

 Como a sinfonia,

que em euforia tem rompantes,

os planos têm sobressaltos...

Tratá-los sempre é fácil,

basta enfrentá-los com retidão...


Hora da virada...
(Paulo R. Boblitz - 11/fev/2015)

É, nesse dia, tudo virou... Guinamos eu e Sofia, para o Norte, para efetivamente começarmos o passeio, estrada muito calma, quase vazia; o que não sabíamos, era que tentariam nos impingir derrotas.

Mas antes de continuarmos, meus agradecimentos aos Eduardo Vale, Rafael Damasceno, e à Fabiane Felizari, que me indicaram a Bicicletaria certa em São José dos Pinhais, a Bike Shop; perdoem o atraso, porque foram muitas as informações...

Acertos são acertos, não se voltam atrás..., mas isso só descobriríamos quando chegássemos em Cruz Machado, e depois no dia seguinte quando chegássemos no lago da Usina Foz do Areia.

Por ora, cuidaríamos das vistas boas, do Iguaçu que nos brindaria mais à frente, coladinho a nós, como quem não quisesse que nos separássemos.

Na saída, um contratempo: Sofia havia me beliscado a mão esquerda, não que ela assim o pretendesse, mas por uma ponta metálica que minha mão não respeitou. Achamos uma farmácia e arrumei curativos, do tipo adesivo a espremer o chaboque, que havia levantado. Não fizesse isso, a luva grudaria na carne viva... De dentro da farmácia, sorri para ela, que preocupada me olhava da calçada, sentindo-se culpada...

Na saída, apliquei o pequeno adesivo, mostrando-a que estava tudo como dantes, afinal eu que havia feito força demais. Devolveu-me o sorriso, virou ligeiramente o guidão e lançou-me um beijo enquanto eu guardava a pequena caixa de curativos.

Partimos numa manhã que prometia ser bonita, o tempo encoberto, o Iguaçu altaneiro a correr pela própria vida, a casinha amarela a nos dizer que seu morador era feliz, a fumaça branca a nos lembrar que era dia de trabalho, a pequena draga a produzir areia, a selva por entre nuvens, o novo a conviver com o velho, as flores nos lançando amores, os cães a ladrarem..., salvas de um bom dia...

Acompanhávamos o Iguaçu, um mundo d'água à nossa esquerda, em câmera lenta; mais à frente, a estrada nos separaria para novos encantos, como as borboletas que, sábias, pousavam para lamber o nosso sal, como a da desolação que se mostrava caprichosa por meio de mãos carinhosas cheias de amor, Hortências desbotadas numa fria porteira, que um dia se aquecerão, enchendo a tudo e a todos de vida e de cor...

O almoço havia sido gostoso, bem na hora do almoço, 11 horas em ponto depois de alcançarmos quase o topo da primeira montanha, 27 quilômetros, metade do caminho andado, mas primeiro, venceríamos a fome...

Na entrada para a Usina Salto do Vau, 36 quilômetros já pedalados, os trovões começaram seus arautos, seus avisos estrondosos e chispados, de que a chuva estava vindo... Estávamos começando a subir nossa segunda grande ladeira do dia, pouca coisa menor que a primeira, porém mais empinada. Entre o ir e o vir, 14 quilômetros com mais algumas subidas, arriscando a nada ver. Preferi seguir em frente com Sofia, depois de conversar com a moradora que me olhava diferente, pois que a chuva já começara a cair... Ela, a molhação, hora mais forte, hora mais fraca, nos acompanharia até Cruz Machado, como a nos brindar e refrescar pelas três belas subidas que tivemos que enfrentar.

Sofia trocaria seu brilho, pelos respingos do solo enlameado, quando fica mais linda, mais guerreira; ela chama de camuflagem...

Nesse dia, minha água não amornou. Estávamos alegres no topo da segunda montanha, contemplando nossa ladeira abaixo, e bem mais ao fundo, nossa última subida, um desgosto quando estamos cansados, um desafio quando nos sobram energias... Miramos uma casinha cheia de poesia, enganando os olhos que quisessem se enganar, porque ali era dia ainda noite, noite quase ainda dia, de tantos trabalhos todos os dias, onde o galo é quem despertava, e as galinhas quem punham para o dormir. Casinhas no meio do campo, só são belas à distância, pois que você ao se aproximar, verá o trabalho duro ali produzido, sem nenhum conforto, sem tecnologia digital, só suores e forças...

Nesse dia havia pedalado com minhas calças lavadas, feliz por ter descoberto o novo método. Lavo minhas roupas entrando debaixo do chuveiro, vestido. Por conta disso, acabo tomando banho duas, três vezes, pois que vou ensaboando as mangas, o peito, a barriga, até onde alcanço nas costas, depois tiro a camisa e a esfrego. A mesma coisa faço com a bandana, que não passa de uma fralda, com a cueca e com as meias vestidas como se fossem luvas. Lavar as calças também é simples, pois é só ensaboarmos as pernas, esfregando tudo depois que as tiramos. O problema reside naquela almofada que nos ameniza a sela, mas já estava tudo pensado...

Depois de ensaboar as pernas, tirei as calças e joguei xampu. Como a água de União da Vitória é muito leve, vocês precisavam ver a quantidade de espuma que criei; amanheceu sequinha e bem perfumada. Duvido que hoje, alguém tenha pedalado com o rabo mais cheiroso que o meu.

Chegar em Cruz Machado é muito gostoso, porque você somente desce, ar condicionado ligado...

Faltavam 15 minutos quando adentramos o Corujão Hotel, uma decepção... A recepção funciona dentro da churrascaria; imaginei um hóspede chegando em meio à algazarra dos muitos pedidos em busca de carne, porque o homem, diante da carne, mostra seu lado animal, perde a compostura, esquecendo que só tem uma barriga.

Por que as más impressões, sempre trazem respostas negativas? A mulher me olhava, como desentendida, mas a trair-se pelos olhos.

Desconfiado, falei meu nome e que havia uma reserva para aquele dia.

- Ah, sim..!, mas aqui está marcado para o dia 9... - falava fingindo que procurava algo.

- Liguei duas vezes para vocês, mandei mensagem por e-mail para vocês, e ainda assim vocês conseguem marcar minha chegada errado? A senhora já reparou que eu estou de bicicleta?

E ela então colocou a culpa em quem ali não estava presente...

Arrumou-me um quarto apertado, o banheiro fedia, o ventilador não funcionava, mas prometeu que chamaria alguém para repará-lo.

Retirei os alforjes de Sofia, avisei que tentaria encontrar outro hotel, e dali saímos em busca do Hotel Rodak, que havíamos visto a propaganda quando próximos da cidade. Nós o encontramos, perguntamos se tinha vaga e demos uma olhada no espaçoso quarto com ar condicionado, quase metade do preço do outro.

Retornamos para pegar os alforjes e encontramos o ventilador sendo reparado; pelo tamanho que a encrenca parecia ter, aquilo não ficaria arrumado tão cedo. Dormi uma noite gostosa e acordei refeito; apenas o café da manhã é que foi muito fraco, e se eu soubesse como seria chegar ao lago, teria comprado provisões...

Quando fiz o meu roteiro, pretendia chegar no lago da Usina Foz do Areia, no mesmo dia, pedalando pouco mais de 80 quilômetros, subindo quase 1.500 metros, porém descobri que a balsa que nos atravessava, funcionava até as 18 horas. Pedalar preocupado, não é pedalar, e se houvesse algum contratempo pelo caminho, estaria literalmente no mato sem apoio, voltando 30 quilômetros até Cruz Machado, pedalando cerca de 60 quilômetros para nada.

Pensei, aumentei em mais um dia o meu passeio, e pedalei tranquilo, passeando. Dia seguinte seria um outro dia, um dia de descanso, pois seriam cerca de 30 quilômetros apenas, e as subidas nem tanto assim.

Quando estamos passeando, as palavras são calma, paciência, desfrutar, aproveitar, nenhuma preocupação, porque você está livre, e o único compromisso que você tem, é consigo mesmo.

A chuva prometia voltar, mas isso a gente só veria no dia seguinte, na hora de sair. Por hora, era descansar, dormir uma gostosa noite, depois do belo dia que tinha sido...

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