Pelas terras, pelo Iguaçu, do Paraná... (dia 4)


O mundo é de escolhas,

certas...,

erradas...,

ou mais ou menos...

Na hora de responder,

não seja racional...


A Primeira Água de minha vida...
(Paulo R. Boblitz - 10/fev/2015)

Não, não choveu... Lembrei quando trabalhei nos cafundós da selva amazônica, onde chove todos os dias, se não de dia, pela noite com certeza...

Brincávamos, fazendo um trocadilho, que a diferença de uma estação para a outra, era que numa chovia todo dia, e na outra, chovia todo dia, o dia inteiro...

Quando amanhecia com aquele nevoeiro, podíamos nos preparar: o calor seria brabo...

Lembrando do barulho das araras e dos vinte e um, pegamos a estrada por entre o nevoeiro, lanternas vermelhas piscando em cada lateral dos alforjes, lanternas brancas piscando à frente; muito gostoso pedalar pelo friozinho; você sua do mesmo jeito...

Já iniciávamos subindo, sem nada aquecido...

O Sol sempre nasceu às minhas costas...
Adiantando aqui para vocês, foi um dia muito quente, bastante cansativo, porque não somos máquinas, mas sim movidos a paixões, visões, emoções, e nesse dia, quase todas as subidas estressaram; foi um caminho sem sabor, sem as pitadas daquele humor que o fazem pensar, refletir, admirar...

Até Sofia parecia meio desencantada, logo ela sempre disposta, sempre pronta a me carregar, a instigar...

Não encontramos janelas, aquelas aberturas que se nos apresentam com imagens deslumbrantes, horizontes vistosos, mundos grandes a perder de vista; por isso poucas fotos...

Aos poucos, o nevoeiro foi abrindo, a luz invadindo e mostrando um céu carregado, promissor, mas não passou disso, porque o sol a tudo esquenta, e afugenta...

E chegaram as grandes subidas, aquelas longas onde ninguém pode perder tempo, onde os mais lentos ocupam a terceira faixa, bem por cima do acostamento.

Uma terceira faixa funciona assim: um caminhão lento sobe por ela, deixando livre a faixa normal para os mais ligeiros; em sentido contrário, descem mais veículos. Se tirarmos uma fotografia dos dois veículos que sobem, e do terceiro que desce, no ponto em que coincidem, as três faixas aparecerão ocupadas, sobrando espaço apenas para o vento, que passa por entre eles.

Agora subam comigo, a 4, 7, 9 quilômetros por hora...

Uma carreta, por mais pesada que esteja, lhe ultrapassa no mínimo a 20 ou 30 quilômetros por hora, e como demora essa ultrapassagem... Uma carreta, e se for aquela conjugada, abusa da Teoria da Relatividade...

Sabemos que as carretas têm contato com o solo, através de seus pneus. Então aquele trem passa esbaforindo, bufando e trepidando, e nada dos pneus... Lá atrás, finalmente eles chegam e todo aquele conjunto de ferro e madeira, deixa de intimidá-lo, mas você não respira, não se sente aliviado, pois que logo atrás da primeira, vem subindo a segunda...

Voltemos à fotografia... Se o espaço das três pistas já estava apertado pelos dois veículos que sobem, mais o veículo que desce, imagine então você pedalando espremido pela quarta faixa imaginária...

Bom mesmo é quando a gente já passou por isso... Eu nunca passei...

Vou explicar: meu espelho retrovisor é quem me livra de todas elas, essas situações de aperto...

Por favor, acompanhem-me:

1 - todo e qualquer motorista, inclusive você, foi e está condicionado a decidir se dá para passar ou não, aqui considerando a largura do veículo dele, a que ele já está acostumado. Mesmo de bicicleta, raciocinamos assim, pois não tentamos passar por onde não passamos.

2 - você está pedalando, sem espelho retrovisor, é bom lembrar.

3 - um veículo que se aproxima de você, por trás, o enxerga de longe, como obstáculo, como algo a amassar ou arranhar o veículo dele, até porque você está usando cores vistosas. Você as usa, não usa!?

4 - quando o veículo que lhe vem por trás, o avista, o seguinte procedimento ocupa a mente do condutor:

a) necessita desviar de você;

b) verifica o retrovisor dele para ver se dá para abrir distância de você (caso tenha bom senso);

c) raciocina balizando você como obstáculo, e a faixa amarela que divide as pistas, verificando se dá, ou não dá, para passar por entre os dois, você e a faixa amarela...;

d) obtém a certeza de que você ciclista o viu, quando você virou o pescoço para olhá-lo, portanto isentando-se de qualquer responsabilidade, por saber que você é agora um obstáculo consciente do perigo que ele, veículo, representa, portanto, confortável no pensamento de que "você estará se defendendo", espremendo-se e cuidando para que ele passe com tranquilidade, afinal você é o mais fraco...

5 - e você, subindo carregado, fazendo força, portanto instável em sua trajetória, brinca de Roleta Russa..., aquela brincadeira que ao encontrar a câmara do revolver vazia, continua seguindo em frente, rolando o tambor mais vezes, apertando o gatilho insano até que o chumbo exploda, deitando-o por terra infeliz...

Agora você tem um espelho retrovisor; cuida de sua retaguarda como bom estrategista:

1 - você não se espreme na quarta faixa imaginária, pois que você enxerga, como principal interessado, quem lhe vem chegando por trás.

2 - você é um obstáculo visível e contundente, afinal está ocupando o meio da faixa, está usando cores vistosas, está sinalizando com suas lanternas vermelhas (pelo amor de Deus, lanternas brancas só indicam que você não entende nada de nada!)

3 - você não olha para trás, afinal você controla o dragão pelo retrovisor, não lhe dando aquela segurança que ele gostaria de ter, para poder balizar entre você e outra coisa, para ver se consegue passar sem arranhar o veículo dele...

4 - você desconcerta o dragão, quero dizer, o motorista, que o vê dando sinal positivo com o polegar voltado para cima, braço esquerdo levantado, personalidade forte atuando, e você, de repente, de obstáculo, transforma-se em autoridade, em Delegado..., mas, atenção, portanto, ao som que lhe vem atrás, pois ele se transformará de agudo para o grave (desaceleração), sinal de que o respeito se fez presente, sinal de que ou ele passará ao largo, ou esperará a oportunidade certa para lhe ultrapassar.

5 - você, um Cicloturista, portanto sem aqueles fones perigosos no ouvido, terá se feito respeitar, e nesse momento, instante em que as velocidades foram baixadas para um patamar seguro, abrirá dando passagem, sendo camarada, educado e humilde. Garanto que ainda receberá uma buzinada em cumprimento...

Todas as minhas subidas por onde não havia o acostamento, deram-se desta forma, o que não diminui o estresse, pois que o futuro ainda não aconteceu, e porque não acontecia, ficava de prontidão, tenso para esperar um sujeito agressivo, ou dorminhoco, ou cristalizado, ou mesmo assassino, momento em que deveria estar pronto a me defender, jogando-me para fora do caminho dele.

Um bom espelho retrovisor não pesa quase nada, nem tampouco atrapalha...; cuide-se!

Foi mais um dia distante do Iguaçu, com muita retaguarda a vigiar. Foi mais um dia em que nos encontramos com o Iguaçu, ao final da jornada, onde muito calmo e sereno, nos dava as boas vindas para mais uma cidade que crescera em suas margens; águas que passam, e que jamais voltarão a passar...

Porto União da Vitória teve seu nome assim definido, por conta da descoberta de um vau pelo rio, onde a boiada podia atravessá-lo andando, encurtando o caminho da tropa. Por muito pouco, cerca de 150 metros apenas, não adentrei no Estado de Santa Catarina quando fui jantar, em Porto União, cidades coladas e entrelaçadas.

Já na ponte, sabia que deveria procurar a primeira entrada para o rio, para fotografar a igreja em forma de embarcação, ali descobrindo um mural a fazer referência à passagem da tropa pelo Iguaçu.

Ao chegar no Hotel Riad, às 3 e quinze da tarde, depois de pedalar 89,7 quilômetros, subir 880 metros durante o dia, queimado 4.777 calorias, em 8 horas e 13 minutos, enquanto conversava na Recepção, Dona Nayara apareceu sorridente e hospitaleira com uma garrafa d'água na mão, a me bem receber, a dar-me as boas vindas à cidade, a perguntar se havia feito uma boa viagem. Confesso que fiquei surpreso com a Primeira Água de minha vida, pois que em Recepções de Hotéis, primeiro atendem-se às formalidades.

Descobri que Nayara, linda e simpática mulher, também pedalava, também praticava essa boa arte de tornar cabeças, em almas alegres...

Não era dia de pedal em União da Vitória, mas se eu quisesse, ela reuniria a turma.

Maldita hora em que não concordei...

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