Pelas terras, pelo Iguaçu, do Paraná... (dia 8)


Se as surpresas aparecem,


por certo que são boas...

Se são seus olhos que não enxergam,

por certo que de lentes precisam...

Se é seu espírito que não percebe,

por certo que você não é meio certo...

Um dia lindo..., em meio ao caos...
(Paulo R. Boblitz - 14/fev/2015)

Analisava meu dia, de Pinhão até a Usina do Segredo, quando a tristeza se achegou, lembrando-me que já estávamos na metade do caminho; é sempre assim quando não queremos chegar...

Dessa vez, pedalaríamos para o Oeste novamente, a caminho do fim do Paraná, lá onde o rio Paraná estabelece que o Brasil termina, e o Paraguai começa. Permitam-me corrigir uma afirmação errada que aqui informei, a de que o Paraná não terminava em Foz do Iguaçu.

Termina sim, pois Foz do Iguaçu é a cidade mais pronunciada a Oeste.

De Pinhão até a Usina do Segredo, seria um percurso muito leve e gostoso, até por conta de que boa parte do trajeto, seria por estrada de chão, mas aquela chuvinha que havia começado pouco tempo depois que chegara em Pinhão, me preocupava... Até ali, já havia notado que o solo do Paraná, por onde passava, era vermelho, aquele mesmo vermelho que os imigrantes italianos ajudaram a transformar em roxo; vou explicar: referiam-se os italianos à terra "rossa", que significa vermelha, naquela língua, a que os nativos, pelo som, assimilaram como roxa, daí permanecendo o mito até hoje.

Argila seca é uma coisa, mas argila molhada, é outra coisa...; meditava enquanto terminava meu sorvete...

Fosse como fosse, dia seguinte resolveríamos...

Dormi minha noite com merecimento, afinal o dia havia sido puxado, a montanha nos cobrado um bom pedágio, a fome, um outro naco...

Chegar num destino é transformar a água em vinho, pois que de intensa atividade, passamos à inatividade onde descansamos as pernas numa cadeira qualquer, enquanto vamos olhando a cidade passando por nós, e ela passa, sempre aflita e cheia de preocupações, de negócios a serem resolvidos.

Matava a sede, já refeito e limpo, já bonito depois da batalha, lembrando que na vida, sobram e faltam o tempo inteiro; meu corpo, minha carcaça clamava por água, enquanto lá fora, poucos metros de mim, ela sobrava pela chuva que caía...

Chuva, dádiva feliz, que me faz lembrar de menino quando tomava meus banhos de chuva, que me faziam escorregar de cima do monte de barro, feliz e todo pintado mais avermelhado do que já era...

Levantei, paguei a conta e fui dormir, não sem antes colocar o meu diário em dia, mas, onde estava o diário, que nada me fazia apontar..? Nada aparecia, pois que o dia havia sido feliz...; as lembranças não precisavam ser guardadas, pois que seriam permanentes na mente, câmera fotográfica natural de nossos olhos...

Passava um pouco das 8 da manhã, quando partimos de Pinhão, uma leve descida a nos convidar a pedalar, uma temperatura maravilhosa a nos refrescar, um tempo seco a nos abrir as portas da estrada, mas foi apenas para criarmos gosto... A chuva de mansinho foi-se chegando, engrossando, amainando,como se estivesse conosco a brincar...

Mesmo assim, a paz estava conosco e nos acompanharia até o quilômetro 20, até às portas da Cooperativa Dois Pinheiros, onde o asfalto terminava, e começava o nosso caminho pela terra rossa; não disse nada para Sofia, mas já imaginava como encontraríamos o caminho...

A transição do asfalto para a argila, até que começou bacana, mas foi virarmos a curva, e o caminho escancarou-se como a zombar de nós. A Cooperativa Dois Pinheiros recebe muitas carretas, todas bem pesadas, onde cada uma deixa suas marcas no borrachudo, aquele chão que ora está num canto, e depois está em outro, pois onde o peso espreme, vai levantando nas bordas, sinceramente, um lugar estranho de se pedalar, porque os trilhos ou sulcos, se entrelaçavam, se bifurcavam, se embaralhavam, não deixando boas escolhas por onde seguir, como se estivéssemos surfando, ora por um canto, ora por outro. A cada passagem de um sulco para o outro, caranguejávamos, isto é, queríamos andar de lado...

Não tenho certeza, nem tampouco Sofia sabe informar, se foi no quarto ou no quinto susto em que tudo ruiu, quando literalmente Sofia sofreu uma rasteira, jogando-me ao chão. Não sei explicar, nem vou tentar, mas Sofia desabou tão depressa, que me largou lá em cima, e ágil que nem um gato, pulei e caí em pé... Juro que deu vontade de rir, mas me contive...

- Tá difícil, né, minha linda..?

Ela não disse nada, mas olhou-me bem séria, como quem quisesse dizer alguma coisa...

Levantei-a, passei a mão retirando-lhe o barro, alisei seu pescoço, suas costas, dei-lhe até um tapinha em seu bumbum, constatando que tudo estava bem com a minha amiga.

Lancei-lhe um sorriso, pisquei-lhe um olho, então ela desarmou-se, sorrindo também...

- Anda, monta logo... - disse-me com carinho

Montei e devagar saímos, procurando o melhor terreno, se pela parte que parecia seca, a nos juntar mais barro, a mais nos fazer pesar, ou se pelo liso, devagar, bem devagar...

Juro que estava mais difícil descer, do que subir... Aquela era a primeira vez em que pedalávamos num terreno assim...

Por incrível que possa parecer, a beleza existe em todas as coisas, e aquele caminho estava lindo, como que pintado pelo artista louco, cheio de lucidez...

Sem desdenhar o terreno cheio de traições, acabamos sorrindo em muitas situações, mangando eu dela, e ela de mim, pelos tantos escorregões que não caímos mais...

Paramos no meio de uma ponte, momento em que a reparei como guerreira:

- Sofia, você está imunda..!

- E você também...

Olhei para minhas pernas, para meus tênis, para minhas meias, e tudo estava vermelho... Mais tarde, na hora do banho, seria muito trabalho...

O Santuário de Nossa Senhora do Passo, 100 metros à frente, estava de portas abertas para a nossa visita, onde existe uma bela cachoeira. Como sempre faço, posicionei Sofia para uma foto na escadaria do templo, e fotografei. Quando me dispunha a entrar para uma visita, para uma Oração, vi meus pés onde Sofia estava.

- Sofia, se eu entrar na capela, o Padre vai me xingar depois; vamos visitar a cachoeira...

Andamos mais um pouco e escutamos o rugido. Levei Sofia até o ponto mais próximo, pois ela fazia questão de também conhecer...

- É linda, não é? - murmurou, pegando-me de surpresa...

- Sim, é linda..., igualzinha a você, sempre passeando...

E permanecemos ali por alguns momentos, naquilo que costumo chamar de Templo da Natureza, onde um órgão poderoso ressoava por várias notas, as espumas cantavam em repetições, a água escorria com elegância e muito poder, numa espécie de mantra que nos embalava e acalmava... Estávamos próximos de Reserva do Iguaçu...

Lentamente conduzi Sofia para um lugar em que pudéssemos começar a pedalar, pois que ela, olhinhos fechados, parecia meditar... Toquei-lhe de leve na cabeça, sussurrei que precisávamos partir... Faltavam quinze minutos para as duas...

Voltamos para a estrada, que após a curva, nos apresentaria a nossa última subida, uma Senhora, Honorável, Respeitável ladeira... Não foi fácil subir aquilo tudo, cheio de pedras para não deslizarmos, onde creio ter largado quase um litro d'água, suadouro em cascata a lavar Sofia, que rangia e estalava sob o esforço da marcha mais leve... Pelo meio dela, dei uma parada, desculpa por beber água, para pôr em dia o coração, a respiração e a circulação. São bons momentos, porque neles apreciamos a paisagem, renovamos a coragem...

A fome incomodava um pouco, mas naquela hora, já dávamos o almoço como perdido... Terminamos a nossa montanha, 40 minutos depois, apenas 116 metros de ascensão, coisa que fazemos em cerca da metade, porém estava tudo molhado, deslizando e próximo do fim do passeio; aqui, a Teoria da Relatividade é levada a sério...

Passar por Reserva do Iguaçu, é um piscar de olhos, e quase que nem piscamos, porque aproveitando a descida, a atravessamos bem ligeiro, afinal faltavam agora cerca de 11 quilômetros, praticamente numa descendente só.

Chegar na Vila da COPEL, é chegar num canto maravilhoso, tudo muito verde, muito arrumado, muito cuidado; dia seguinte faria tudo aquilo na volta, subindo logo no início, frio e preguiçoso.

Passava apenas um minutinho das três da tarde, quando desliguei meu GPS. Tirei as luvas, tirei o capacete, a bandana, e me apresentei à Recepção, parecendo um ET, talvez fedendo... Eu era um insulto àquela limpeza toda...

Simpática, a bela mocinha sabia quem eu era, um sujeito de bicicleta a chegar na data certa; deu-me apenas uma notícia ruim: jantar, só três horas depois...

Foi um dos dias mais lindos do passeio...

Lavei Sofia, fiz o que pude para lavar minha roupa, tive um jantar muito gostoso com dois casais que por ali também estavam, um veterano já aposentado, amante das flores, e outro de jovens, uma vida inteira pela frente a perceberem os desafios, do que é vivê-la... A observá-los, eu um andarilho, pedarilho solitário, aprendendo coisas...

Cheguei triscado no apartamento, porque a conversa estava boa, o vinho também...; Sofia já dormia, sonhando em desvendar no dia seguinte, o tal segredo da Usina do Segredo...

Tinham sido 58,4 quilômetros, apenas 568 metros em subidas acumuladas, e como eu disse, um belo dia pedalado...

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