Pelas terras, pelo Iguaçu, do Paraná... (dia 9)

Você só sabe se é capaz,

quando tenta...

Você só tenta,

quando sabe ser capaz...

Atreva-se...
(Paulo R. Boblitz - 15/fev/2015)

Hoje também seria um dia especial, também ansiado, por conta de minha segunda hidrelétrica a ser conhecida, por conta de que também seria um dia puxado, pela distância e pelas subidas...

Eram 8 e 15 da manhã quando partimos, dia nublado, muitas nuvens no céu, mas nem por isso o sol deixava de aparecer.

Chegar na Usina do Segredo foi uma delícia, porque a paisagem nos convidava, nos incentivava. Já do mirante do hotel, podíamos vislumbrar a beleza que encontraríamos, lá bem no fundo, 260 metros de descida até onde as águas repousavam, cheias de energia...

De uma das janelas naturais que vamos encontrando pelo caminho, vi meu castelo fabuloso com suas torres prestes a abrirem as bocarras de aço, despejando muita força quando tudo aquilo estivesse impetuoso, todos os dragões rugindo em disparada, trepidando os calcanhares das montanhas, assustando peixes e homens...

Os corredores domados, pedras arrebentadas que um dia saltaram pelos ares, nos emprestavam visão úmida do que constantemente vive molhado, brilhando polido pelo vento que assobia quando está com pressa...

Imponentes descansando, as seis ventas pareciam dormir, calmas e suaves, nos enganando a todos. Quando chegasse a hora, nova batalha começaria, sem perdedores, sem vencedores, sem empatados, como se numa brincadeira de criança, quando imitamos os sons, fazemos de conta que voamos, tudo terminando sem cansaço, somente alegrias...

Havíamos descido tudo, depois subiríamos tudo, para novamente descermos, seguindo em frente pelos caminhos eleitos daquele dia, apenas pelo prazer de unir a curiosidade, com o desafio...

Lá dentro, 4 turbinas poderosas trituravam tudo, e novamente meu pensamento deslocou-se para a mãe de todas as turbinas, Itaipu generosa, Itaipu grandiosa, que explodia em faíscas azuis em cada turbina geradora, aprisionando todos os gênios nos grossos cabos que partiam em viagem, por cima das torres...

Como de um templo, suas quatro trombetas soavam silenciosamente, orações valentes...

Embaixo, em redemoinhos amalucados, o rio domado e ensinado, obediente a correr tranquilo, seguindo seu caminho até o próximo lago, até as próximas trombetas que o zuniriam em voltas, produzindo relâmpagos...

Sofia pediu para ser encostada no paredão, e sozinha rezou tranquila... Afastei-me um pouco e fui ver de onde tínhamos vindo... Vi os cabos da imensa teia, caminhos de um progresso diferente, que com virtudes, distribuiria riquezas... Vi as pedras da grande muralha, uma a uma com zelo incrustadas; deu vontade de subir aquela ladeira...

Nossa bandeira, quanta beleza...; um dia foi conquistada com muitos arrojos, com muitos empenhos, com muita História...

Virei para Sofia e lhe segredei:

- Ela também é sua...

Acariciei sua cabeça, e dali partimos; seria uma boa descida até o rio Jordão, mas depois dele..., ainda nos lembramos como sofremos...

E subimos, e subimos, até que a Usina do Segredo, lá embaixo pequenina, nos desejou nossa boa viagem... Ali onde dobramos para pegar a estrada de chão, dava para ver a cidade de Foz do Jordão a poucos metros; estávamos atrasados...

Montanhas são assim mesmo, pois que uma vez todo aquele esforço para vencê-las, começamos a tudo novamente descer, e aquela descida meio técnica, exigiu que colocasse a bunda lá bem atrás do selim. Enquanto descíamos, Sofia não parava de falar:

- Me segura..! Me segura..!

Fotografar? Só quando chegássemos lá embaixo...

Subir até a Usina do Segredo, e depois subir até a cidade de Foz do Jordão, consumiram-me todo o café da manhã. Assim, quando deparei com aquela placa, pouquinho depois das 11 horas da manhã, ali mesmo resolvi tentar almoçar, e tive a maior das minhas gratas surpresas, que vez em quando vamos tendo, porque esse mundo é muito lindo, cheio de felicidades, porque são as pessoas que assim o fazem.

A placa ficava cá em cima da estrada, e a descida em pedras toscas, era uma outra descida técnica; Sofia até perguntou:

- Vem cá! Nós estamos passeando, ou fazendo trilha?

Alisei-lhe os cabelos e pedi paciência, afinal eu estava morrendo de fome...

Lá embaixo, enveredei pelo caminho errado, dando na cozinha. Atenderam-me sorridentes, um senhor e um jovem, curiosos. Perguntei:

- Por favor, os senhores têm almoço?

- Para quantas pessoas? - perguntou-me o senhor.

- Somente para mim...

Ele abriu um sorriso, falando:

- Claro que tem, mas é do outro lado...

Sorri agradecendo e fui para o outro lado, onde várias pessoas conversavam numa gostosa varanda. A parecer que todos se conheciam, descobri depois que todos eles tinham uma conversa em comum: pescadores, que ali tinham ido atrás dos lambaris...

Quando estamos pedalando, principalmente quando tivemos que subir, que trafegar por terreno brabo, suamos muito, nossa aparência é meio estranha, nosso cheiro pode também não ser amigável. Por isso, quando chego assim num lugar bonito, com pessoas arrumadas, procuro ser o mais discreto possível, no lugar mais distante de todos eles, até porque tudo em nós é muito estranho, a começar pelas roupas...

Apeei de Sofia, encostando-a numa boa sombra, tirei o capacete, retirei a bandana e passando por entre todos eles, adentrei no restaurante amplo, que já estava cheio e perfumado com as comidas que estavam chegando. Arrumei um lugar, deitei sobre a mesa meu celular, meu GPS, minha caramanhola, dirigindo-me para o balcão das tantas comidas, floridas, coloridas, fumegantes, todas saborosas pelo tamanho da minha fome.

Uma senhora que acabara de trazer uma travessa, após minha pergunta de como proceder, avisou que devia esperar pelo badalar do sino...

Fiz que sim e voltei para meu lugar, daí reparando que todos estavam iguais a mim, aguardando o tão ansiado badalo, e sorri por dentro, porque a cena será inesquecível: de repente, parecíamos todos com aqueles cães amestrados, que morrendo de vontade, não ousam servir-se antes da ordem do dono. Lembrei também do Amazonas, nos confins da selva, em que ao badalo chamávamos de cachorra, quando a obra inteira parava como num passe de mágica, instantaneamente, e todo mundo saía em disparada a correr pelo premio...

E o sino dobrou, blém-blém-blém..., como sinal de alarme anunciando a largada... Pessoas muitas se levantaram, aquele levantar apressado, metido a discreto, cuidando para não chamar a atenção, e ali descobri uma outra coisa: a fome não é democrática...

Aguardei uns instantes, afinal logo na hora do almoço, não deveria importunar ninguém com a apresentação de que dispunha naquele momento; foi difícil escolher por entre tantos sabores, tantas opções, mas tenho uma regra simples: se leve comer, leve pesará depois no pedalar...

Seu Orlando Silva, a quem eu havia visto logo em minha entrada errada, passou por mim e perguntou se tudo estava bem; respondi que sim...

Mais uma vez fui abordado; desta vez queria saber de onde eu vinha, e contei-lhe minha pequena história...

Na verdade, seu Orlando passeava por entre as mesas, a todos cumprimentando, a todos lançando palavras boas, e mais uma vez chegou-se até a mim: queria saber onde eu morava...

Por fim, passando mais uma vez, perguntou para onde eu estava indo; respondi que para Foz do Iguaçu, onde amigos me aguardavam.

E não mais passou...

Terminei o almoço, servi-me de uma bela porção de pudim de leite, pedi uma garrafa de água mineral com gás, para encher minha garrafinha, e perguntei onde pagaria.

- É com aquele senhor ali... - apontou-me a mocinha, bem simpática.

Virei-me e deparei com seu Orlando Silva. Perguntei quanto era e, para minha surpresa, ele respondeu:

- Não é nada... Por favor, aceite como nossa cortesia...

Fui pego de surpresa, e surpresas mexem com nosso interior; em frações de segundo, a mente lembrou dos outros dias, passou o filme do passeio até ali, me emocionando...Palavras, às vezes, tornam-se difíceis... Agradeci, lancei-lhe um sorriso, apertei bem forte sua mão, com as minhas duas...

Surpresas são inesperadas, e aquele almoço valeu pelo meu passeio inteiro...

Ele sorriu de volta, como talvez deva sorrir sempre, e perguntou se não gostaria de ver o Iguaçu bonito, mostrando-me o caminho até a margem dele. Fiz que sim, que conheceria tudo aquilo que ele divide com seus hóspedes; o Iguaçu não é só dele...

Olhei a hora e já ia avançada; faltavam muitos quilômetros ainda, e o pior não tinha acontecido, mas nestas ocasiões, não me preocupo, pois que tudo não é sem razão; fui conhecer aquele paraíso... Duas pequenas cachoeiras quebram a monotonia do grande rio, e suas margens mostram o quanto furioso ele pode ser, nas horas de euforia...

Lá embaixo, pescadores que por certo contarão suas histórias, de seus peixes que puxaram as linhas...

Sofia também queria uma daquelas varinhas, e foi difícil convencê-la do contrário...

Antes de partimos, aquela senhora que soou o badalo, pediu uma fotografia. Paramos eu e Sofia numa boa pose, pedi para aguardar eu encolher a barriga, e ela fotografou; disse que a colocaria no mural que eles têm. Depois lá mais na frente, virei para Sofia e lhe disse:

- Você vai acabar ficando famosa...

Charmosa, saiu rebolando atrapalhando meu equilíbrio, que já era parco, por conta da estreita trilha por onde pedalávamos.

Chegar no asfalto não foi fácil, pois havia uma bela subida, com trilho e tudo, para vencermos, e novamente encontrarmos o Iguaçu, a passar tranquilo, manso, maduro, por sob a ponte... Não demoraríamos sobre o manto macio, pegando novamente os trancos e subidas amargas que o caminho sabe dosar. No Posto onde ficava a entrada, o frentista ainda aconselhou: "por aí, só tem pedras..."

Fiz que sim com a cabeça, lançando-lhe um sorriso, informando que era por ali que meu roteiro mandava. Ele deu de ombros e foi atender um carro que chegava... Por dentro agradeci sua boa vontade, porque todas as pessoas que nos encontram, apenas nos desejam o melhor, o menos dolorido...

E ele tinha razão..., e me perguntei onde estava com a cabeça, que não reparei naquela subida insana quando fiz o roteiro, e pior, que não nos chegava em lugar algum..?

Mas chegamos em Buare, onde enfrentaríamos a subida mais empinada de nossas vidas, depois de quase 10 horas e 25 minutos de pedal, às 18 horas e 40 minutos, ainda dia, mas prometendo anoitecer...

Fotografar, nem pensar, mas não resisti aos raios que tentavam fugir em rebeldia, já quase 7 e meia da noite, noite já escura em minha terra, mas ali com o sol a se recusar a deitar.

Estávamos próximos de Chopinzinho, mas mesmo assim distantes pelas outras três ladeiras que nos maltrataram...

Resumindo, chegamos em Chopinzinho, no hotel Dois Coqueiros, muito bom, preço bem camarada, às 8 e vinte, já escuro. Perto das 10, numa confeitaria quase fechando, comi uma deliciosa, saborosa pizza Portuguesa, do tipo ali caseira, com muito tomate, muita cebola, muito tudo aquilo que dá sabor e prazer, onde o Piá falou que me viu passar numa bicicleta fera e maneira... Sofia precisava ouvir aquilo...

O Piá foi embora na bicicleta dele, rebaixada por sinal, maluco ele que pedala por subidas forçando os joelhos, seguindo a moda que alguém desmiolado inventou... Restamos eu e o dono da confeitaria, a conversar numa noite já acabando, sobre as oportunidades do Mato Grosso do Sul...

Foi um dia saboroso, cheio de conversas, e de surpresas, difícil pelo pedalar, empenhoso pelas subidas, tantas elas que quase me dobram o espírito, mas confortante, pelo chegar sãos, eu e Sofia, para mais uma noite de bom sono...

Foram 77,5 quilômetros, 12 horas e 5 minutos de pedal, 5.080 calorias deitadas fora, 170 batimentos por minuto como pico alcançado, 126 bpm na média, 1.624 metros em subidas acumuladas, 1.712 metros em descidas acumuladas, velocidade máxima de 60,3 km/hora (estou ficando irresponsável), velocidade média de 6,4 km/hora.

Sei que não estou com a idade certa para tais estripulias, mas, quem se importa? Quem disse que existe um limite? Os que gostam de um sofá..?

Atrevo-me; atreva-se você também, até porque a vida passa, você dormindo ou não...

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