Pelas terras, pelo Iguaçu, do Paraná... (dia 11)

Os olhares dizem tudo,

revelam todas as almas,

que por detrás habitam...

O olhar da súplica,

depois o do desengano...


Nossa primeira selfie, mas a levaram embora...
(Paulo R. Boblitz - 17/fev/2015)

Seria um dia especial, assim nós o aguardávamos, e foi, mas poderia ter sido melhor...

A chuva da noite havia cessado; o mundo estava seco...

A ladeira que nos iniciaria, ainda frios, já sabida, portanto, sem nenhuma surpresa a nos causar.

O café da manhã e a dormida, tinham sido da forma que esperamos, muito bons...

A roupa cheirava gostoso, lembrando o cheirinho de casa...

Nem terminava nossa primeira ladeira, a garoa já se fazia presente, aquele pinguinho minúsculo, um aqui, outro acolá, a manchar de gota, meus óculos escuros, quando, em se somando, vão constituindo lentes que deformam nossa visão; o jeito então é tirá-los e pendurá-los na gola do pescoço, e aí, aquelas gotículas, bem miúdas mesmo, começam a nos fazer cócegas picantes, nas meninas dos nossos olhos...

O ar é geladinho, e o suor acaba misturando-se à umidade do lugar, numa amizade de fazer inveja...

Claro fica que as fotos acabam sendo prejudicadas, porque objetivas não se dão bem com gotas, nem com gorduras, pior ainda com impressões digitais; enquanto a água se me chega pela frente, vou mantendo o status da máquina fotográfica, de prontidão no meu bolso traseiro direito, como se uma pistola a ser sacada, na precisão. Quando a água é de escorrer, então a guardo protegida, pedalando desarmado...

O mundo frio tem seus cinzas, enquanto o mundo quente, tem seus vermelhos. Para mim, o gostoso é quando nem um, nem outro. Se chovesse, nada poderíamos fazer, a não ser aceitar a molhação...

Assim seguimos, ora molhados, ora meio molhados, pois que não conseguíamos secar de vez.

Por incrível que pareça, o mundo nublado sempre se apresenta com mais detalhes, porque as sombras não são tão marcantes, os contrastes deslizam-se entre si com suavidade, o brilho de tudo, é menos intrusivo...

O gavião, sem dar bola para nós, cuidava de ganhar a vida; nem sequer olhou para nós, bonitos como estávamos, Sofia mais do que eu...

De mansinho o sol se achegava, mas naquele dia, as nuvens estavam unidas...

Estávamos a navegar novamente para o norte; sem essa de chegarmos logo, em Foz do Iguaçu...

Vínhamos embalados quando vimos o macaquinho, deitado já sem vida no solo duro e áspero. Não deu tempo de frear e nos adiantamos um pouco, mas retornamos, apenas para constatarmos que o pobre animal morrera quase naquele instante.

Foi a primeira vez em que vi Sofia chorando...

Tristes dos arrogantes que, por um punhado de minutos, tiram a vida de quem era feliz...

Acima, num galho, alguém mais abalado que Sofia, chamava em vão...

Escondi o sangue, porque não existe sangue bonito...

Devagar fui levando Sofia, desanimada pela emoção, logo ela que encantava os animais pela estrada. A subida me ajudaria a pormos as ideias em ordem, e não nos falamos por um bom tempo...

Chegamos em Dr. Antonio Paranhos, quase 11 e meia, no horário de verão, aquele em que nos adiantam uma hora; o almoço estava quase servido... Dali até a Usina, eram só mais 10 quilômetros...

Avistar as comportas da usina, é emocionante, antever na mente, tudo aquilo grande lá embaixo, obra do homem a dominar a Terra, a dela retirar o benefício...

Mas parecia que nossa bandeira, estava a nos avisar...

Nos acercamos, batemos fotografias nos locais amplos destinados a elas, mas quando nos enfronhamos naquilo que seria de tirar o fôlego, uma câmera começou a nos acompanhar, como se fôssemos intrusos... A pequenina engenhoca branca, de para-sol e tudo, girava lentamente nos enquadrando, buscando talvez, nossos perigos ou loucuras, e tão rápido como se soletra Pin-da-mo-nhan-ga-ba, um carro da Segurança achegou-se por trás, com tudo o que tinha direito a piscar, como se eu e Sofia fôssemos contagiosos.

Parei e o mandei seguir, pensando que ele estava a nos respeitar, mas que nada, ele estava a nos enxotar. Bati de leve em Sofia:

- Vamos minha linda; não somos bem-vindos...

Ao fim do paredão, paramos e conversamos. O Segurança explicou que cumpria ordens da Operação... Lancei-lhe um sorriso e apertei-lhe a mão, dizendo que entendia...

Não discuto Segurança, até porque há 40 anos a venho obedecendo. Naquela hora, só o que queríamos eram bons ângulos; naquela hora, desconhecíamos, por não termos a vivência de todos eles, as potenciais possibilidades que eles acompanham todos os dias. O que eu quero dizer é que por ali passávamos, e que eles passam os dias inteiros, vendo gente passando...

Somente cada um de nós conhece o que se passa por dentro de nossas cabeças, portanto, a pensar frio como estou agora diante do computador, não tiro a razão de quem comigo se preocupou. Fosse como fosse, creio que eu e Sofia conseguimos retirar dali, as boas imagens, a energia que eles libertavam para produção de novas energias.

Meus pensamentos me levaram a Itaipu... Aquilo que pensava, que sentiria a vibração da água a passar pelos túneis apertados dos condutos forçados, até ali não havia experimentado, mas em Itaipu, eu já podia sentir meus pés tremendo... Empolgado pelos próprios sonhos, saía forte e valente, para a vertente que se derramava à nossa frente, novamente uma bela subida, porque os rios sempre correm pelos baixios...

Lá no topo, uma encruzilhada arredondada, que meu roteiro não previu. Sem aviso, sem placa alguma, a estrada se dividia em duas, e nós, quando cá embaixo pequeninos, não temos como ter a menor ideia de quem é o caminho certo.

Sozinhos, escolhemos pelo mais bonito, e já pedalando, notei a aproximação de um carro em sentido contrário. Fiz-lhe sinal apressado e notei suas lanternas vermelhas também apressadas, parando. Retornei até ele e descobri 4 Piás, perguntando então qual o caminho bom até Quedas do Iguaçu...

Era aquele mesmo, esse que estávamos trilhando. Uma bela descida nos aguardava, e por ela deixei-me levar por Sofia, que é quem me conduz por esses momentos felizes, afinal ela não me deixa fazer força, e qual não foi a nossa surpresa quando nos vimos novamente ultrapassados pelos 4 Piás, parando mais à frente, fazendo-nos sinais para que parássemos também?

A súplica
Juro..., a incerteza me tomou conta, a adrenalina atingiu o pico, e fui parando devagar, preparando-me para alguma coisa inesperada...

O desengano
- Tio! A gente não podia ir embora, sem tirar uma selfie...

E eu que nunca tirei uma selfie, por ficar envergonhado, feliz estava com a felicidade dos Piás; por alguns segundos, devo ter sido aquilo que eles devem ter mostrado para os amigos, como aquele estranho que não esperamos cruzar, como o tão sonhado ET a nos aparecer do nada...

Foram embora do jeito que apareceram, risonhos e cheios de vida, deixando-nos somente ladeiras dali em diante, cerca de 18 quilômetros até Quedas do Iguaçu, mais subindo do que descendo...

Há quatro dias que tomávamos banhos de chuva, mas este era o primeiro que tomávamos o dia inteiro...

Já entediados com as poças, com a lentidão do que era pedalar com força, nos deparamos com o Arrepiado, um pobre cãozinho a parecer desnorteado; deu vontade de abraçá-lo, de carregá-lo conosco, mas isso só acontecia nos filmes de aventuras. Tratei de afugentá-lo dali, onde o perigo o espreitava, onde o perigo somente queria tragá-lo como mais uma das tantas manchas do asfalto, e mais uma vez partimos, com a sensação da impotência, daquilo que nada podemos fazer, por não dominarmos as circunstâncias...

Há sempre um tipo de partir especial para quem parte; no nosso caso, o de abandono, esperando que a sorte do pequenino lhe sorrisse, que ele entendesse a gravidade, que não tentasse cruzar a rodovia, cheia de insensatos apressados...

Às portas de Quedas do Iguaçu, deparamo-nos com um trailer vendendo coisas gostosas, inclusive as vassouras. Perguntei sobre umas frutinhas vermelhas, que descobri serem tomates cerejas, e afirmei-lhe que se não estivesse de bicicleta, levaria uma daquelas bonitas vassouras. Perguntou-me de onde estava vindo, e à resposta, perguntou se eu não queria um Caldo de Cana com Abacaxi. Fiz que sim e recebi um copo generoso. Na hora de pagar, ele me disse que não era nada, a segunda vez em que me ofertavam generosidades em hospitaleira recepção.

Pequenos gestos, grandes percepções... O Brasil ainda é dominado pelas gentilezas...

Chegávamos em Quedas do Iguaçu, no Hotel Salufer, e nele encontramos o bem receber, carinho que todos gostamos, depois de um longo dia molhado... Deixei Sofia olhando a paisagem, tomei um banho, fui jantar, jantar malandro numa lanchonete, pão mala sem gosto e dormido, umas tripinhas de queijo, um nome besta de alguma coisa burguer.

Enquanto comia, a chuva caía grossa, trovões soavam com boas promessas, o amarelo sapecando o verde; seria uma boa noite de sono...

Em 6 horas e 38 minutos, pedaláramos 49,9 quilômetros, galgando 924 metros, queimando 3.437 calorias. Outro pão, nem pensar; então que viessem as batatas fritas...

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