Confissão

(Paulo Boblitz - ago/2005)


Vou fazer uma confissão: meus textos não são todos meus; devo reparti-los com os autores das músicas com que escrevo ouvindo.

Aqueles são os verdadeiros mestres, pois desabrocham as nossas idéias, nos tocam no coração, nos fazem inspirados, lembrar de palavras bonitas, interligá-las todas sob o suave som, sob o lamento da percussão, sob a verdadeira língua universal, a que todos usam para suavizar, conquistar, pensar, amar e chorar...

Os autores choraram as notas, antes mesmo de tocá-las nos instrumentos, tão macias quanto macios os tons, tão tristes quanto tristes os pensamentos, tão alegres quanto alegres as sensações, tão vibrantes quanto enérgicas as composições, a juntada de tantos instrumentos numa hora só, o ápice do mais alto em solidão, o cúmulo do agudo em agonia, o grave soturno do sério baixo...

Não faço nada sem nada me inspirar; assim não deixo de olhar a natureza, as pessoas a meu redor, os animais em confusão, os pássaros em vôo planado, o pranto do vento pela fresta, o apito do trem que se impõe, a onda que se quebra em espalhar, o trovão que se anuncia no piscar, o vaga-lume que errático, sobressai na escuridão, o medo que me faz homem de pensar...

Não penso nada sozinho, e sou escravo dos meus olhos, dos meus ouvidos, do meu nariz. Provo a brisa fria que cai, sinto o arrepio do vento intrometido que corta o tecido fino, cheiro o mato molhado da manhã em transpiração, e um piano toca em minha fronte, um violino teima em sussurrar, um sax expele o seu lamento, e tudo se confunde no papel, na escrita rápida antes que se vá...

O sino ao longe lembra a Deus, que me lembra de rezar, que atrapalha o meu pensar, mas só renova o meu imaginar, pausa boa do silêncio dos instrumentos, hora de organizar, mais idéias que vão surgindo..., meu Deus perdoe a falta de atenção, a confusão de minha reza, oração e texto em mistura, loucura que só o Senhor entende, doidice que só o Senhor consegue separar...

Sinto no tato a caneta, aço duro a me lembrar, das coisas boas que eu vi ao meu redor, das músicas suaves que sopraram em minha alma, do sopro divino que Deus me sussurrou, das idéias que Deus me fez pensar, do sonho que Deus me fez sonhar...

Não sou nada sem nada à minha volta; não penso em nada sem nada me atingindo; não crio nada sem nada me criando; não faço nada sem Deus me ajudando...

Perdoem o meu agir, pois devo tudo a tudo fora de mim; perdoem a minha autoria, pois tudo já foi criado, já foi pensado antes de mim; é só estender o braço e pegar, abrir os olhos e enxergar, saber ouvir e cheirar, dar crédito ao crédito que Deus nos deu, deixar fluir e anotar, tudo o que é belo e sutil, levantar o véu e olhar, saber olhar para ver, orar para merecer...

Não criamos para as pedras, pois elas não nos dão atenção; não criamos para os animais, pois eles não nos entendem; não olhamos para o chão, pois ele não nos reflete como o céu, pois escrevemos para Deus, quando os Seus filhos nos entendem, Lhe honram no pensar, e criam mais notas que o vento não consegue levar; oramos todos juntos em pensamentos, em reações que nos fazem lembrar, das coisas belas que Deus criou...

Nosso paraíso existe em cada um, segundo o paraíso que cada um possui, segundo a vontade da felicidade, segundo a luz que cada um consegue enxergar, na cor que cada um gosta de ver...

Olho para a Lua e ela é só minha por meus instantes; Deus a dá de graça para quem a quer olhar. Procuro as estrelas e elejo uma para mim, quem sabe se algum dia, nela eu vá morar, meu jardim de luzes construir, a noite escura embelezar, piscar de longe a convidar amigos...

Olho para o Sol e ele me ofusca, me lembra que eu tenho olhos terrenos, olhos para olhar e refletir, as belezas delicadas que Deus nos deu...

Olho para a sombra e nela eu não me vejo, vejo um filho querido de Deus, como vejo meus outros irmãos, encostando-nos na terra sem um tocar...

Olho para o papel e a tinta que tem rumo, verbo em versos a caminhar, em idéias proliferar, a Deus apenas representar e honrar...

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