Trilha Tobias Barreto - Riachão do Dantas

O quê faz você acordar bem cedo,

num dia que de preguiça é tradição?

O quê faz você trabalhar dobrado,

ou triplicado,

daquilo que você não faz na semana?



Trilha Tobias Barreto - Riachão do Dantas
(Paulo R. Boblitz - mar/2010)


Difícil..., nem muito e nem pouco, simplesmente difícil como são todas as trilhas, pois que se diferenciam dos passeios, por enfrentarmos obstáculos os mais variados. Dessa vez não foi diferente...

Mas antes de chegarmos em Tobias Barreto, passávamos em Riachão do Dantas, município onde terminaríamos a nossa trilha, em Tanque Novo, povoado de sua periferia.

Olhando o horizonte com cabeça erguida, lá estava a estátua do filho mais ilustre de Riachão do Dantas, dando as boas-vindas para os visitantes: o famoso bode Bito.

Bito um dia escapou da panela, por ter a fina qualidade de se socializar com todos; foi assim que conquistou os 20 mil corações da cidade, participando de missas, enterros (o que ele mais preferia), velórios, procissões e até dos desfiles comemorativos de 7 de Setembro, dia de nossa independência - um bicho humano...

Sentava nos bancos das praças e até parecia conversar com as pessoas; têm-se notícias que até lhe pediam opiniões. Não podia ouvir os sinos da igreja de Nossa Senhora do Amparo, que já lhe subia as escadarias, para ver o que estaria a acontecer.

Ninguém soube explicar até hoje, esse prazer que o Bito demonstrava em estar junto das pessoas. Nas comemorações ou cortejos, estava sempre à frente, como Autoridade, solene e compenetrado, nunca de lado ou atrás. Morreu de velho e hoje é História nos lábios de tanta gente que lhe sente as saudades. Criaram até a Festa do Bode em sua homenagem, ainda quando era vivo, quando participou de um documentário premiado em caráter nacional, quando 3 bandas de forró tocaram para ele.

Alguns atribuem como causa de sua morte, a velhice (estava com 18 anos), e outros, que teria morrido de tanto beber cachaça...

Chegamos na praça principal de Tobias Barreto por volta das 8 e meia da manhã de um domingo meio nublado. O dia prometia ser abafado...

Mais ou menos às 9 e dez, saíamos num passeio pela cidade, liderados pelo Marquinhos, nativo de Tobias Barreto, pegando ruas à esquerda, à direita, num ziguezague rápido, como pequenas eram as quelhas percorridas, sob os olhares curiosos de tanta gente simples a ver um domingo diferente. Em pouco tempo, estávamos de volta ao ponto de partida, de onde finalmente rumamos para o nosso intento...

Toda aquela região é de muitas pedras, soltas principalmente, quando elas conseguiram escapulir de suas prisões, um estradão prensado onde a poeira foi se gastando, ficando as carecas redondas de todas elas, a nos trepidarem o corpo...

O vento era de frente, implacável, embalado pela vertente daquela mancha no horizonte, a Serra da Jaca... Mais e mais a mancha crescia, tornando-se mais alta.

Em Jabiberi, finalmente aos pés da serra, um ponto de reunião, hora dos desgarrados se juntarem novamente aos linhas de frente. Precisei aliviar a bexiga, e o amigo não perdoou...

Ali nos despedimos do carro de apoio, pois por onde subiríamos, só sobem mulas e cavalos, jegues e cabritos, e nós com nossas magrinhas, rangendo, estalando, bufando, faiscando pequenas pedras com nossos pneus bem cheios...

Partimos novamente a levantar poeira, como se fôssemos um bando de boiadeiros a tocar a manada, o que de certa forma aconteceu mais adiante, quando produzimos o desgarrar de algumas rezes, obrigando o peão a apertar o passo em seu cavalo...

Foi uma subida e tanto, grande parte a pé, empurrando as magrinhas ladeira acima, sem perdão, sem vento contra, sem muita conversa, pois Dona Gravidade aliada com Dona Pedreira, apenas sorriam com nossos suores...

Num trecho em que pude montar novamente, descobri o Gilton agachado escondido numa sombra, a flagrar a tantos, línguas de fora, frontes pingando - estava ele a me sorrir com aquele sorriso matreiro..., o mesmo quando me fotografou em alívio...

No povoado de Forras, nos encontramos novamente com o carro de apoio, onde comemos bananas, maçãs, laranjas e nos reabastecemos com água.

Perto daquilo que achávamos o pico, numa grande pedra redonda posamos, onde a bandeira d'Os Zuandeiros hasteada, foi devidamente fotografada. Uma breve descida e mais uma longa subida, até atingirmos os 469 metros de altitude, em Colônia Boqueirão - Agora seria só moleza..., mas nem tanto, pois que ainda existiam muitas subidas.

Enquanto distribuíam as cestas de alimentos em Colônia Boqueirão, segui me adiantando ladeira abaixo. O céu agora estava ranzinza; havia aumentado o vento contra e ribombava seus canhões, anunciando que faria muita água despejar...

Em Bonfim, nova parada já debaixo de chuva leve, onde se decidiu que não iríamos até a cachoeira, pela hora avançada, e pelo jeito feio que nos disseram estar, fim do Verão com pouca água.

Faltavam ainda 10 km, 6 ainda subindo, e os outros 4 em debandada, 130 metros rolando abaixo, bunda atrás da sela, Anjo da Guarda preocupado...

Em Tanque Novo a meninada nos fez a festa, tão felizes como todos nós, onde até o céu também comemorou, abrindo as comportas sem moderação... Nosso banho foi de bica, geladíssimo a escorrer de um telhado, onde toda a lama ali mesmo foi deixada...; eram quase 3 da tarde...

Embarcamos as bicicletas, nos aquietamos no ônibus do Caldas e partimos para Lagarto, terra dos papa-jacas, onde almoçamos por volta das 4 da tarde, a comida mais deliciosa do mundo, que mesmo que viesse com pedras moídas, a fome perdoaria e daria os parabéns...

Havíamos vencido quase 650 metros de subidas no acumulado; estava de bom tamanho para um dia só...

Como bem escreveu o amigo Omar, nessa trilha tivemos de tudo: sol, chuva, poeira, lama, subidas íngremes, descidas acentuadas, estradão de piçarra, de paralelepípedo, de areia fofa, pau, pedra, costela de vaca, caminho estreito, dente quebrado, Barriga cansado, pneu furado, carniça fedendo, lamentações, banho no rio Buri etc.; só não teve desistência...

Foram 49 ciclistas das cidades de Aracaju, Lagarto e Tobias Barreto, nenhum a recorrer ao carro de apoio.

Agora era chegar em casa, procurar o ninho e descansar, não sem antes guardar a magrinha, avisá-la do dia seguinte, encontro marcado com o Salão de Beleza, onde ela tomaria um bom banho, receberia óleos tonificantes, regulagens para uma longa vida...

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