Trilha Aracaju (Sergipe) - Mangue Seco (Bahia) - (parte i de ii)


Gente valente quando entende,


chegada a hora, apenas enfrenta...

Gente valente quando decide,

já cumpriu de fato a decisão,

mas há de se ter a humildade,

reconhecer as condições...,

porque numa trilha,

não devemos sentir dores, ou

nos transformarmos em heróis...



Trilha Aracaju (Sergipe) - Mangue Seco (Bahia) - (i de ii)
(Paulo R. Boblitz - mar/2010)


Quinze para as sete, eu estava chegando ao ponto de encontro; minha esposa me deu uma carona.

Sol já lá estava, montada em sua bici, a primeira a chegar. Nos apresentamos e reparei na pequena mochila às suas costas; olhei para a minha e até senti vergonha, pois estava o triplo do que ela parecia levar.

Adivinhando meus pensamentos, me pediu para que olhasse a bicicleta, pois precisava dar um pulo em casa para pegar a mochila dela; enquanto respondia sim, verificava que a pequena mochila, na verdade se tratava de um hidratador costal, desses que conhecemos como camelback. Mais um pouco, ela chegava com a pequena mala, que se fosse minha, daria para passar uns 15 dias.

Por volta das sete, começaram a chegar, um a um, todos os outros; conforme iam chegando, lhes observava as bicicletas e as roupas - tudo errado..., cadeados, buzinas, descansos, tudo peso desnecessário, enquanto que as garrafinhas d'água, apenas uma, eram mesmo garrafinhas... Um grupo que já tem costume de passear junto, agora resolvia também pedalar...

Saímos com um pouco de atraso, em grupos distintos e bem distribuídos, eu, Ruperto, Ivan, Rogers, Rosi, Miranda, Amâncio, Francisco, Fábio Linhares, Flávia e Sol, pedalando até a balsa no Mosqueiro. O dia estava bonito para se pedalar, nublado com nuvens altas...

Faltava um terço do caminho para chegarmos à balsa, quando o Paulo Carneiro a nós se juntou. Pouco antes havia encontrado Vovô Djalma, que comprava algumas frutas frescas à beira do caminho; estava de volta, num passeio solitário até o nosso gostoso caldo de cana. Parei, conversamos um pouco, mas tive que continuar, pois o grupo já se afastava muito.

Os dois carros de apoio já haviam nos ultrapassado, carregando bicicletas e alguns ciclistas que iriam começar a pedalar somente depois da balsa, como Vinícius, Maíra, Silvia, Luciana, Ana Luiza e Rodrigo, irmão do Fabrício, que também apoiava o passeio.

Chegamos enfim ao Mosqueiro, onde pudemos descansar um pouco, beber água de coco, saborear um caldo de cana e comer um bom pastel, tudo ali feitinho na hora. Vi com alegria que a ponte já está quase terminada, nos acabamentos finais...

Seguimos pela balsa atravessando o rio Vaza Barris, reiniciando nosso caminho numa estrada praticamente vazia, pois a balsa tem o dom de produzir intervalos sem trânsito algum, o que me tranqüilizou com tantos marinheiros de primeira viagem, a pedalar pelo meio da pista. Uma bicicleta será sempre invisível para quem estiver se aproximando veloz de encontro a nós, seja pela frente ou por trás, a piorar quando dois veículos estiverem se cruzando.

Rodovias sem acostamento, são muito perigosas, e perigosíssimas quando o tráfego é intenso; em rodovias, sempre devemos pedalar em fila única ou indiana, o mais humildemente próximos da extremidade, sempre na mão correta, se de dia em cores vistosas, se de noite, devidamente sinalizados.

O caminho era suave, com leve vento de través, pequenas subidas e descidas, até quando chegamos na Caueira, uma praia deserta àquela hora. Mais um ponto de descanso, onde aproveitei para pedir um isotônico gelado e espumante. Agora o passeio seria pela linha de maré, vento às costas até a praia do Abaís, uma delícia mas muito quente pela falta do vento a nos refrescar, pois agora andávamos junto com ele.

Não resisti a tanto sossego e logo me lembrei de Carlos Núñez, e comecei a tocar o Castro da Moura em minha cabeça, uma música linda a perdurar. A maré vazante, em ziguezague despejava suas carícias brandas, pela areia agora desnudada...

Lembrei do tempo em que praticava coordenação em vôo, e logo estava seguindo em ziguezague, acompanhando cada vez mais veloz, meus cânions imaginários, até que percebi um urubu e parti para cima dele, num ponto mais elevado, lá onde dá trabalho para a espuma chegar.

A ave notando minha aproximação, começou pesada a correr, mas com vento de cauda, passou pequeno apuro até alçar seu majestoso vôo, que em volta suave e plana, já lá em cima em segurança, passando por mim deve ter lançado alguma praga...

Descobri uma velha galhada, náufraga na areia semi-enterrada; decidi aproveitá-la para mais bonita tornar minha amiga magrinha. Olhei para trás e misturados à névoa salina, seis cavaleiros se aproximavam. Resolvi esperá-los e por alguns instantes os acompanhei, até que vislumbrei alguém correndo a empurrar uma bicicleta, atletismo diferente, e para lá me dirigi.

Era o Rodrigo que descalço, empurrava uma bicicleta com o pneu furado. Não adiantava minha câmara reserva, nem meu kit de reparos rápidos, pois o pneu era speed e não estávamos com a bomba apropriada. Mais um pouco chegava o Fabrício com a bicicleta dobrável, ou desdobrável, na garupa de uma motocicleta-socorro. Fabrício continuou de bicicleta, enquanto Rodrigo transportava a outra sobre os ombros, devidamente embarcado.

Os três primeiros cavaleiros passaram; mais atrás vinham Ivan, Paulo carneiro e Flávia; fui de encontro a eles e seguimos juntos até chegarmos, ali próximos, ao Abaís, um outro ponto de descanso onde comemos salada de frutas, nos reabastecemos com água e mais uma vez, saboreei uma deliciosa e bem gelada isotônica, o tempo exato para repararem o pneu furado.

Agora seguiríamos pelo asfalto até o Porto do Cavalo, local onde já nos aguardava a lancha que nos transportaria até Mangue Seco. Atravessaríamos dois rios de uma vez, o rio Piauí, com 132 km de extensão, nascido em Riachão do Dantas, e o rio Real, nascido em Poço Verde, limite interestadual entre Sergipe e a Bahia, encontrando-se os dois num grande estuário, rico em flora, fauna e belezas...

Mais um pouco chegavam alguns retardatários, entre eles a que mais me chamou a atenção, Luciana, primeira vez que pedalava assim tão longe, sentada ao meio fio cheia de dores; se eu soubesse, a teria obrigado a embarcar no carro de apoio; pequei por ter me adiantado a eles...

Ao longe a ponte sendo construída, a que ligará Porto do Cavalo à Terra Caída, interligando as duas rodovias da Linha Verde, baiana e sergipana. Com tanta tralha, demoramos no embarque, e a Marinha, nos observando, veio fazer uma vistoria, nos atrasando mais um pouco; conferiu a documentação do barco, a existência dos coletes salva-vidas, nos liberando. O barulho de trovões anunciava a trovoada, que já pintava a tudo de cinzento; foi só barulho, pois foi cair em outro canto...

O Capitão Alberto Perereca acionou o motor, o Ajudante Bida recolheu a prancha, enfim partimos numa navegação diferente, onde os passageiros eram gente nossa, nossas magrinhas, dentro e sobre o teto da embarcação dispostas com esmero, e todos nós, navegantes a cantar em alegria, aquela musiquinha, não incidental: "Se a canoa não virar..., olê, olê, olá..!".

Navegamos sob os respingos que nos tentavam brindar, do bigode que a proa fazia levantar, ao trilhar aquele rio quase mar...

Uma leve garoa com pingos querendo engrossar, nos aguardava quando cravamos nossa quilha, espinhando a doce areia a nos receber, agora a só descansar de um dia inteiro..., mas essa história?, só na próxima, na parte 2...

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