Pelas terras de Santa Catarina (dia 4)

A valentia está em se arriscar,

naquilo que não sabemos o resultado...

A bravura reside no estoicismo,

recomeçar tudo outra vez, tantas vezes necessário...


Pelas terras de Santa Catarina (dia 4 - sexta-feira)
(Paulo R. Boblitz - 7/set/2012)

(São Bonifácio (Hotel da Shirley) - São Martinho)

São Martinho havia entrado em meu roteiro por conta das fotos da Pousada Salto das Águas, onde vislumbrei um recanto paradisíaco. Até cheguei a entrar em contato com o proprietário, que ensinou-me caminho mais bonito até lá, pelo povoado Rio Sete. Só esqueci que lugares bonitos, mesmo em estação baixa, em feriadões costumam ficar lotados. Liguei para efetuar minha reserva e descobri que não havia mais vagas. O proprietário lembrou-se de mim, mas infelizmente eu não havia reservado nada. Ensinou-me então a Pousada de Dona Blanda, no centro de São Martinho. Mudar o roteiro assim tão em cima da hora, a um dia da viagem acontecer, apenas tumultuaria tudo, e assim deixei, afinal as coisas não acontecem sem razão. Meu dia seguinte reservaria quase 25 km a mais do programado...

No dia anterior, ainda no Hotel de Dona Shirley, a conversar com um de seus clientes que sorvia uma merecida cerveja bem gelada, ele havia dito que em Santa Catarina tudo é Santo ou Rio. Na hora eu não havia entendido, mas depois fui refletindo, pois o que não falta em Santa Catarina, é nome de cidade com Santo na frente, e rio que não tenha um nome. Até ali, as águas me seguiam, hora pela esquerda, hora pela direita, riqueza cristalina e leve, difícil de tirar o sabonete na hora do banho...

A poeira, profetizada pelo mesmo novo amigo, não chegou a acontecer assim tão intensa, afinal era o feriado da Independência, mas o vento se mostrou implacável, hora ajudando, hora contra, hora de lado tentando desestabilizar...

A altimetria parecia descendo, mas as ladeiras que tive que subir, foram enganadoras; na última delas, no Morro da Paca, necessitei empurrar de tão para cima se apresentava, pior ainda com o vento contra... Meus tênis, apropriados para agarrar na trilha, simplesmente derrapavam, deixando-me o vazio, e achei muito engraçado uma dessas caminhonetes 4 x 4, subí-la cantando pneus. Se ali, com tantos cavalos sobrando, estava apanhando, imagina eu que nem cavalo tinha... Esse Morro da Paca é aquele mesmo que desci bastante preocupado, tamanha declividade cheia de brita solta que simplesmente afastava o chão sólido e duro debaixo de mim. Foi mais ou menos como num tobogã cheio de água a escorrer, onde você não consegue mais parar...

Agarrei-me aos freios, pus a bunda o máximo possível para trás, agarrei-me aos todos os Santos, meu Anjo da Guarda, aos amigos do meu Anjo da Guarda, principalmente a Deus, e terminei lá embaixo ciente de que mais uma loucura havia acontecido sem maiores problemas, porque as pedras rolam e nos fazem rolar também... Essa seria a subida que todos aqueles ciclistas teriam que vencer.

No alto desse Morro da Paca existe o Mirante dos Tinè, de onde vislumbramos uma vista impressionante, porém local. Algum maluco ou gozador, deixou ali algumas coisas transcendentais, como uma televisão, um telefone, e um moedor de carnes. Talvez seja algo parecido com o mistério da esfinge aos pés das três pirâmides lá no Egito... Há também uma bandeira azul, quem sabe a representar alguma felicidade incontida em ali permanecer..?

E mistérios sempre nos cercam, como o porquê de uma parada a troco de nada, apenas porque algo nos mandou parar para olhar para trás, descobrir como a cortina vai descerrando, a beleza por onde acabara de passar, lá de cima pelos sinuosos caminhos à beira d'água, ver a paz inundando a tudo e a todos, como se o tempo tivesse parado...

Quando chegava em São Martinho, deparei com os ciclistas, cerca de 20, parados no único bar aberto àquela hora. Um deles me abordou perguntando se eu era aquele que eles haviam encontrado em São Bonifácio no dia anterior, no que respondi que sim, e quiseram saber se eu voltaria com eles. Eles haviam vindo pelo caminho de Vargem do Cedro, e eu pelo caminho de Rio Sete, por onde eles voltariam para São Bonifácio. Estavam apressados, apenas com mochilas leves nas costas. Arrependo-me de não ter lembrado de ter-lhes pedido algum endereço, mas pedalando, nossas cabeças depois dos esforços, costumam nos trair quando necessitamos da lógica.

Informaram que não havia lugar aberto na cidade e contentei-me com uma coxinha de frango, um pastel de queijo, e um pastel de forno de queijo e presunto. Alguns acercaram-se de minha bicicleta e experimentaram seu peso, quase a derrubando... Enfim saíram e me deixaram só com meus botões, saboreando aquilo que podia matar minha fome e deixar-me em pé. No bar acontecia um desses encontros políticos, onde o candidato reúne sua tropa de choque e traça estratégias e artimanhas. Saí dali o mais rápido que pude, e fui conhecer uma cidade de uma rua só...

Enfim retornei e me cheguei na Pousada de Dona Blanda, uma Senhora alegre e receptiva que aguardava a filha vindo de Florianópolis para ajudá-la. Tomei um banho e lavei minha roupa, aproveitando o vento forte que soprava para secá-la. Feriado, tudo fechado, procurei um outro Bar que me disseram poder encontrar um vinho. Encontrei um vinho que se dizia seco, local produzido ali pelas imediações, não parecido com os chilenos, nem por isso de se desprezar. O dono do Bar, perguntado sobre um lugar onde pudesse jantar, pegou do telefone e ligou para a Dona Leda, que há dois meses havia aberto a ARTEZANALLE Pizzeria, um lugar aconchegante, elegante e sofisticado. Dona Leda antecipou em meia hora, a abertura de sua casa, só por causa de mim, que aguardei saboreando um leve chope enquanto ela providenciava minha comida, pizza não, comida de verdade, pois até ali eu só estava me alimentando de amenidades. Conversando, ela me sugeriu uma porção de filé de Meca, acompanhado por uma salada fria. Contou-me que vendia pizzas a partir de sua janela onde morava, resolvendo então abrir a pizzaria.

Foi um passo muito valente que foi dado, e valentes são todos aqueles empreendedores que se arriscam em busca dos sonhos vislumbrados. Desejei-lhes boa sorte, sabendo que esse tipo de gente não se dobra, não se verga aos dissabores do mercado. São eles que no fim, saem vitoriosos pela persistência e trabalho em busca do melhor. Por favor, confiram!

Foram 40,8 km, 4 horas e 34 minutos, 3.797 calorias para o espaço, 1.179 metros em subidas acumuladas; amenizei um pouco...

* * *

3 comentários:

  1. olá, amigo ciclopoeta!

    é... aqui em santa catarina temos subidas paca hehe, e descidas tatu, cutia ;).

    num dos pedais nesta região dei uma volta por um lugar chamado schmitz só porque me contaram histórias de assombração de umas casas . fui lá mas os fantasmas não estavam. ;(

    abraços

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  2. Boblitz, seu sacana, quando é que vc vai nos premiar com um livro de suas aventuras????

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