Pelas terras de Santa Catarina (dia 11)

Não tenha tanta ansiedade,

porque aquilo que você tanto espera,

pode vir a decepcioná-lo...

Refúgio Rio Canoas foi assim,

porém o Vale de Dona Nani,

a tudo consertou...


Pelas terras de Santa Catarina (dia 11 – sexta-feira)
(Paulo R. Boblitz - 14/set/2012)

(Morro da Igreja (Pousada Cabanas Cascata Véu de Noiva) - Vale do Rio Canoas)

O dia era manso, porque assim foi pensado, afinal eu já havia nos três dias anteriores, subido a Serra do Rio do Rastro, atravessado o Parque Nacional de São Joaquim, e subido o Morro da Igreja; merecia um descanso...

Saí da Pousada Cabanas Castata Véu de Noiva, precisamente às 10 horas e 15 minutos, céu nublado, que terminaria bem bonito ensolarado. Fiz minha última visita à Cascata Véu de Noiva, que desce faceira rochedo abaixo, distribuída ao seu longo pelos caprichos da Natureza. O lugar é protegido, mas ainda assim alguns espertalhões acreditam que seus nomes servem para alguma coisa, sujando o que encontram para ser sujado, tipo "José e Maria estiveram aqui", como se José e Maria fosse alguma coisa que déssemos importância.
O lugar é lindo e bastante instigador sob os sons das águas que escorrem sem pensar de um formidável rochedo, que ali está há pelo menos uns bons vários milhares de anos. Duvido que alguém tome banho naquela água gelada, mesmo no verão...

Despeço-me de todos, brinco com Piá, porque ele se parece com um amigo alagoano Severino, e vou embora. Os três cães me acompanham amigos até o limite que para eles deve ser a porteira, e sigo subindo pelo pedregoso caminho até chegar no asfalto para começar a descer.

Descer só tem graça quando você acabou de subir, e minha descida acontece devagar, sem muitas imagens para ver; ali não sou cicloturista, mas simples viajante que já conhece o caminho.

O frio se estabelece e aperto mais os freios, afinal não tenho como descer engrenado com as rodas livres, estes que já se deram muito nas tantas descidas que vim fazendo até aqui, pois que mais um pouco, as manetes encostarão nos punhos... Por instantes passo a me preocupar com os freios, pois eles me serão de grande utilidade quando da descida da Serra do Corvo Branco, que eu já sabia muito empinada; no Vale do Rio Canoas, tentarei calibrá-los...
O frio amaina quando chego no cruzamento em T com a rodovia SC-439, onde pego à direita, displicente por saber que a quilometragem é curta. Dou uma pequena parada, verifico a hora, a altitude, confiro o roteiro, pois lá na frente, em algum lugar onde não mais existir o asfalto, terei que bifurcar para a esquerda em busca do Vale do Rio Canoas.

À minha direita uma barraca bem sortida em frutas. Dou um cumprimento e sigo em frente, porque se houve um ponto crítico nesse meu planejamento, esse ponto se chamou Refúgio Vale do Rio Canoas. Foi o único ponto em que não tinha certeza do que poderia acontecer, pois o Refúgio estava com a pousada fechada, mas com o albergue aberto, e no albergue, segundo a dona dele, temos que levar nossas roupas de cama e toalhas, bem como nossa própria comida, porém só descobri isso quando lá cheguei, mas pude alugá-las; menos mal...

Minhas refeições estavam acertadas na casa ao lado, que está a construir uma pousada. Dona Nani, uma alemôa segundo Seu Walter, seu esposo, recebeu-me muito bem, fornecendo-me o almoço, a janta e o café da manhã do dia seguinte.

Na bifurcação para o Vale, dei uma olhada para as montanhas que seguiam. Dia seguinte meu caminho seria por entre as duas, subindo para atravessar a garganta famosa, um grande corte feito à mão, o maior do Brasil, 90 metros de altura, e passar para um outro mundo...

Cheguei cedo, porque curto era o trajeto, mas muito aflito para ir no banheiro. Faltando uns 10 km para concluir meu roteiro, a barriga deu sinais de que queria agir. Pensei com meus botões de que chegaria com folga, até que a emergência estivesse a ponto de acontecer, mas não foi bem assim...

Aos três quilômetros restantes, ainda por cima subindo, alguém, a quem prefiro não me referir, deu um ultimato e me vi vexado. Por incrível que pareça, as descidas eram piores que as subidas, pois descendo, as alavancagens são mais profundas e contundentes. Eu ainda tinha que desviar dos buracos, e como tinha buraco naquela estrada...

Mudei meus pensamentos e a coisa toda foi se acomodando. Paisagens lindas por mim passando, e eu nem aí para fotografá-las, porque o tempo rugia...

Confesso que vi uma moita acolhedora, mas não muito "escondedora", e desisti da ocasião. Até para isso temos que ter muita opinião, afinal, só faltavam 800 metros...

Enfim cheguei no meu destino e verifiquei que era só enxame. Deu tempo de me anunciar à Dona Nani, ao Seu Walter que ia chegando com uma vaca, de conhecer onde almoçaria, de chegar até a Dona Gisele, dona do albergue, que me deu a chave do dito cujo, para enfim livrar-me da carga ruim. Eu estava sozinho no albergue...

Tomei um banho e fui almoçar uma truta bem saborosa, frita no óleo quente. Dali, fui conhecer a Pedra da Águia. Pulei a cancela trancada e segui pela estrada que margeava o rio Canoas, forte e vigoroso a traçar seu destino por entre as pedras que soavam seu ruidoso caminho. A me vigiarem, as barbas de velho...

Embevecido pelo que via, quase piso, e eu realmente iria pisá-la, numa linda Jaracuçu, mais tarde confirmada pelo Seu Walter, que me disse ser ela bem venenosa. Era a segunda serpente a se chegar, ou que me achegava até elas. Estaquei, dei um passo atrás e a fotografei, calma a tomar seu banho de sol, com comida a fazer volume em seu interior. Era a segunda cobra com que eu topava, e não havia nenhuma Banca por perto, para eu jogar no Bicho...

As víboras seguem seus ofícios, segundo seus instintos determinados pela Natureza. Garanto que são todas elas menos perigosas que o bicho homem quando assim as imitam, porque se comportam como se amigos fossem. A víbora verdadeira não trai, apenas reage como ainda dentro do ovo, seu DNA já ensinava, ao contrário da víbora que se diz amigo, que pensa, raciocina e parasita, e que morre de medo quando as verdades aparecem...

Falando em serpentes, a do Rio do Rastro escondeu-se. A do Parque Nacional de São Joaquim, quase lhe passo por cima da cabeça. A do Morro da Igreja também ficou escondida, e a de agora se mostrava calma e segura à beira da estrada. Oxalá nesse esconde-esconde, a serpente da Serra do Corvo branco não consiga esconder-se...

Terminei minhas fotos da temida Jaracuçu, tirei os óculos escuros para ver o caminho melhor, dei uma longa volta ao largo e segui de olho na estrada. Eu buscava a Pedra da Águia e acabei encontrando recantos maravilhosos, como a Porta da Catedral, que juro me deu vontade de ir até lá pertinho e dizer: abre-te sésamo, e encontrar um grande tesouro...

 A Cara do Gorila (notem a grande rocha erodida, por trás da ponta da rama da araucária), a Janela do Vigia, a própria Pedra da Águia (muito interessante na lateral da cabeça, linhas retas, dificílimas na Natureza, como se um grande T), e as tantas vistas que os elementos primam em construir. Na volta, também primeiro olhava para o chão, e depois para meus retratos que em quadros penduravam-se por toda a extensão.

A Jaracuçu não mais estava por ali; por ali estavam os mansos que me olhavam com curiosidade. Pulei novamente a cancela e fui sentar-me à uma mesa à sombra, onde barbas de velho tornavam a paisagem fantasmagórica. Ali fiquei olhando para o rio Canoas, para suas águas que parecem não temer o Tempo, sempre correndo, em ondas esculpindo as pedras e os barrancos, unindo-se mais adiante com outras águas para finalmente chegarem na Meca, o mar oceano que a todas elas acalma, transformando-as todas em maioridade, até que o ciclo novamente é refeito, mantendo-se o efeito moto-contínuo que a Natureza faz circular, do jeito dela, com todas as forças que se unem naturalmente à própria Gravidade. O Tempo, esse perseguido por todos nós, pela Natureza é ignorado, pois ele só existirá enquanto a Natureza existir...

A tarde estava muito linda, o sol a brilhar, a friagem a nos acariciar de leve, afinal, mesmo num vale, eu estava a cerca de 1.050 metros de altitude. Voltei para a casa de Seu Walter e Dona Nani, que estão reformando a casa, construindo uma pequena pousada que com certeza funcionará, pois que eles têm simpatia e prazer em receber. Chamei Seu Walter que despregava o madeirame do telhado, e ele veio ver a foto da minha víbora ali perto capturada pela lente amiga. Descarreguei as fotos num notebook e ele as visualizou com mais certeza. Disse-me com a autoridade de quem conhece, que a do Parque de São Joaquim era uma Rateira, e a dali das margens do rio Canoas, uma Jaracuçu.

Ali descobri o significado de Nó de Pinho, quando vi e perguntei sobre um tronco velho pelo quintal. No interior da Araucária, funciona como a raiz de cada galho que vai se desenvolvendo ao seu redor. Por trás do tronco, num varal ao sol, minha roupa secava, com a guerreira do Pedal Suado em primeiro plano, pois que com ela eu havia subido a Serra do Rio do Rastro e o Morro da Igreja, principais desafios até ali, fora os outros dias em que também a usei com carinho. Talvez tenha caído no Parque Nacional de São Joaquim, por não a estar vestindo...

Num vale, o sol logo se esconde, porque as montanhas acabam funcionando como um grande muro, e assim já estava prestes a acontecer. Vemos o céu claro e tudo à nossa volta à sombra, e a friagem começa a apertar. Fui para o albergue pôr algumas coisas em ordem e dali só saí quando a noite chegou. Mais uma vez uma pequena cadela me fez festa. Ela foi por ali abandonada, e devia fazer festa para todos os que chegassem. Devia estar a querer comida, e com ela fui dividindo minhas tiras de maçã desidratadas, que ela comia com certa timidez. Só não entendi porque ela sempre fugia, quando eu sacava minha máquina fotográfica? Só consegui fotografá-la, quando já com a máquina engatilhada, a peguei de surpresa.

Jantei e me recolhi para escrever minhas memórias daquele dia, mas lá pelas 8 e meia da noite, uma lanterna vagueava por entre os vidros da janela, e uma voz me chamava; era Dona Gisele. Levantei e fui atendê-la, descobrindo que ela estava ali para receber o que lhe devia. Sorri desconcertado, mas fui em busca do dinheiro.

- Quanto lhe devo? - perguntei.

- Trinta do pernoite, mais 8 da roupa de cama e das toalhas... Trinta e oito!

- Contei o dinheiro, peguei umas moedas e completei os exatos 38 reais devidos. Já estava pronto para ir embora e nunca mais ali pernoitar, a não ser quando a pousada da Dona Nani estiver pronta. O lugar é realmente lindo, mas a recepção é forçada, como se estivéssemos ali pedindo favores, e não estamos. Estamos cansados, avisados com antecedência de que chegaremos em tal data, pior ainda, pedalando. Não conheço os mochileiros, não lhes conheço os comportamentos, mas é como se tivesse sido confundido com um deles, como se no dia seguinte eu saísse sem pagar a conta. Vi a cara de minha hospedeira somente duas vezes: na chegada, e muito antes de minha saída, ao contrário de Dona Nani, que não pestanejou em pôr minha roupa na máquina para lavar, onde almocei, jantei, brinquei com seus netos, conversei com seu filho que me mostrou o Ventania, cavalo com que ele participa dos rodeios onde laça as reses que correm desabaladas, onde conversei bastante com seu Walteir, que prefere ser chamado de Walter, onde provei diversos licores todos feitos ali mesmo, e que no dia seguinte ganharia de presente uma garrafinha de licor de kiwi, logo depois do simples e saboroso café da manhã, e isso tudo numa cozinha que servia de sala de estar, pois estavam com a casa revirada, em reforma...

Para quem desejar pernoitar no Vale do Rio Canoas, recomendo a simplicidade e a simpatia de Dona Nani, mas é bom antes confirmar pelo telefone, pois ela está em reformas: Hospedagem da Nani - (48) 8454-4575 - Vale do Rio Canoas.

Foi um dia para descanso, com apenas 22,1 km, em 2 horas e 16 minutos, 1.320 calorias, e apenas 319 metros em subidas.

* * *

2 comentários:

  1. olá, peregrino!
    Realmente a cascata véu de noiva estava com pouca água, não era um véu, era a calcinha da noiva hehe.
    já peguei ela bem cheia em outubro e até tomei banho brrr.

    estranho este atendimento no refugio rio canoas, será que mudou de dono? era um simpático casal de paulistas.e tinha desconto prá associados do HI hostel.

    abraços
    hila

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  2. Sim, mas parece que eles teriam devolvido, como se um arrendamento que tivesse acabado.

    Abraços,

    Boblitz

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