Pelas terras de Santa Catarina (dia 14)

A persistência é uma virtude, sim,

porém só a conquistamos quando somos valentes,

desculpem-me a falta de modéstia,

mas tenho meus 60 anos,

de bons motivos para comemorar...


Pelas terras de Santa Catarina (dia 14 – segunda-feira)
(Paulo R. Boblitz - 17/set/2012)

(Anitápolis (Pousada Recanto das Cachoeiras) - Rancho Queimado)

Naquela madrugada, São Pedro rufou os tambores e os trovões brincaram a valer, acordando todo mundo. Meditei sobre o dia a ser molhado, virei para o outro lado e novamente peguei no sono, não sem antes dar vivas a cada estrondo que acontecia...

Segunda-feira era dia de trabalho, e amanheceu bem claro e azul. Acho que São Pedro estava apenas inspirado e alegre, quem sabe nalgum momento de criação, onde a partitura devia ser de somente percussão.

O café da manhã estava caprichado, com queijo curado, manteiga e nata, geléias, doces, pães, leite, café forte e um gostoso suco. De onde eu tomava meu desjejum, avistava a horta bem cuidada do casal, que depois fui conhecer. Plantavam de tudo e até mostraram o que era Azedinha, aquilo meio azedinho que havia reparado na salada verde do jantar.

Fui embora para pegar a estrada novamente, pois já eram 8 e 20 da manhã. Sabem aquela subida toda no concreto? Eu a desci andando, levando minha bicicleta de lado, freando bem leve, pois meus freios não estavam bem. Logo cheguei na ponte sobre o rio da Prata e um garrote ficou me olhando, quem sabe a pensar que tipo de bicho ele estava observando. Mandei-lhe um bom dia e atravessei a pequena ponte de madeira. Na estradinha, ainda lancei um último olhar para meu chalé, que lá de cima me observava por entre as araucárias...

Agora o caminho até Anitápolis estava fácil, pois era praticamente só descida, mas o que eu não sabia, era que quando chegasse em Anitápolis e fizesse meia volta, um vento forte me massacraria bem de frente, e ele estava realmente forte. Conseqüências da brincadeira de São Pedro durante a madrugada? Seria o tal Vento Sul? Não sei, só sei que eu estava subindo e ele me atrapalhando, muito!

Esse vento me acompanharia até quase Rancho Queimado, salvo quando deixei o asfalto da SC-407 e entrei numa estrada de chão, protegida em seus flancos por grandes árvores.

Esse dia provaria depois ter sido bastante difícil, porque teria que subir as duas belas corcovas daquele grande camelo ali parado, por sinal, olhando e de frente para o vento, a primeira, com cerca de 300 metros para cima, e a segunda, algo em torno de 520 metros, ambas com subidas dentro das próprias subidas, pois que foi um perde-ganha bem demorado...

Foi um dia também de poucas fotos; eu devia estar cansado, não o corpo, mas a mente, essa que, se não estivermos vigilantes, nos rouba o ânimo, a vontade, a inspiração... O asfalto também não ajudava muito, pois que é muito prático, feito para isso mesmo, todos correrem para um logo chegar...

Em Rio Pinheiros, uma igrejinha simpática pouco antes da ponte que cruzava o rio Braço do Norte. Juntando-se ao vento, a fome já começava a apertar. Olhei o relógio e já eram 11 e meia; urgia cuidar, pois estava na metade do caminho...

Encontrei um bar logo depois de Rio Branco, que não tinha almoço, mas serviu-me dois sanduíches reforçados com queijo e ovo. Enquanto comia, ia ouvindo uma turma da empresa que está trabalhando naquela rodovia; jogavam sinuca na varanda ao lado. No balcão, um morador dali perto, já bem triscado com a voz embolada, mexia com todos eles, numa bela inteligência desconcertante... Daqui do meu lado, sorria com as coisas que ele dizia sem maldades, e que todos pareciam também estar gostando, e lembrei que não é a Natureza que desperdiça, mas o próprio homem que joga fora...

Paguei a conta, aprontei as tralhas e despedi-me de todos. Eu já estava montado, pronto para empurrar o pedal, quando ele se voltou para mim e desejou que eu fosse com Deus, pois eu era o único certo dali entre todos eles...

Sorri, fiz-lhe um sinal de positivo, e ele pediu mais outra; estávamos a navegar de formas diferentes...

Pelo roteiro, faltavam apenas 11 quilômetros para sair do asfalto, mas não sabia o que tinha havido, pois minhas marcas não batiam com a realidade da estrada; coisas da vista que, já cansada, enxergaram algum número trocado quando eu ainda construía o roteiro, e dele a seqüência seguiu toda errada... Assim, há muito que havia abandonado as marcas, guiando-me apenas pelas descrições, o que me fez prestar mais atenção à paisagem, do que ao hodômetro. Fiquei atento a todas as placas e quase passo batido pela entrada onde deveria largar o asfalto. Ela só existia para quem vinha em sentido contrário...

Agora a estrada era de chão e a paisagem mudara da água para o vinho. As propriedades, os animais, os condomínios de luxo; passei por um deles onde alguns moradores chegam de helicóptero... Próximo de meus 30 quilômetros, cruzava a BR-282, verificando que havia um erro de 18 km em meu roteiro. Olhei o relógio e já eram 3 e 20 da tarde, e pelas contas, ainda faltavam cerca de 20 quilômetros, mas a altimetria informava que agora era só descida, e me deixei levar, e comecei a escutar um trec-trec-trec, sempre que passava por alguns buracos. Na pousada, descobri que meu bagageiro estava quebrado numa das pernas do lado direito. Dali em diante, teria que maneirar, para que a outra não quebrasse também; era o mesmo lado em que a bicicleta ficou deitada, quando de minha queda lá no Parque Nacional de São Joaquim. Fosse como fosse, esse bagageiro já durava 4 belas viagens; talvez já estivesse na hora certa de se aposentar.

Faltava pouco para as 4 horas, quando cheguei na Pousada Bauer, encontrando a Dona Laura que me bem recebeu, tendo reservado uma gostosa cama para mim. A pousada distava da cidade, da Praça, como eles se referiam ao centro, cerca de 4 quilômetros, e eu teria que dar um pulo até lá, pois Dona Laura não servia o jantar, ainda mais quando verifiquei que não tinha sinais de celular, e na cidade existia uma rede de computadores onde eu poderia alugar alguns minutos para pôr a vida em dia.
Ligar para casa eu consegui, mas utilizar a internet, de jeito nenhum, pois que eu havia esquecido os óculos na pousada. Restava-me então um bom jantar, mas todos os restaurantes da cidade fechavam na segunda-feira, e alguém me ensinou que um hotel logo no fim da praça, servia alimentações. Fui até ele, mas só depois da 18 horas. Comecei a esperar, e aquele vento que tanto me importunou durante o dia, transformou-se em ventania, carregando toldos, apressando as pessoas, fazendo subir um caminhão de poeira e areia que insistia em querer entrar em nossos olhos. Olhei o relógio e ainda faltava meia hora para que eu pudesse fazer o meu pedido.

Levantei e cheguei até a porta do hotel-bar-restaurante, e não me agradei do vento e das nuvens grossas que se enroscavam nelas próprias, todas cinzentas bem escuras. Por sorte eu estava com o agasalho, pois quando saíra da pousada, fazia um sol com bastante mormaço, mas já havia aprendido que em Santa Catarina, o tempo esforça-se para não ter lógica. Agradeci ao meu bom Anjo da Guarda e tomei uma decisão: voltei para dentro e perguntei o que se tinha para comer naquela hora. Resultado: meu jantar foram dois pastéis e uma coxinha. Precavido também levara meu farol dianteiro e meus dois piscas vermelhos no bagageiro. Liguei todos eles a piscarem, puxei bem o zíper do agasalho e fui embora, já de noite com óculos escuros, recebendo verdadeiras pancadas pelo peito, e se eu tivesse alguma área aerodinâmica pelo conjunto, garanto que teria levantado vôo.

O vento entrava por baixo e tentava levantar camiseta e agasalho por insuflação. Parei e coloquei tudo por dentro das bermudas, e devagar, porque simplesmente não enxergava nada com os óculos escuros e com os pequenos grãos de terra entrando em meus olhos, fui seguindo, hora descansando porque protegido por algum paredão, hora enfrentando aquele mar de vento brabo que me queria voltar atrás. Seguia pelo rastro das cores desiguais entre estrada e vegetação, olhos espremidos pior do que chinês, e finalmente cheguei na pousada, porto seguro onde o vento não mais me faria mal.

Dona Laura ainda estava lá, tomando um café quentinho com fatias de pão com geléia. Ofereceu-me uma cadeira e também a pequena refeição, mas aceitei apenas o café que cheirava gostoso de tão forte. Estendeu-me o açúcar, mas o recusei, porque café só é gostoso se tiver gosto de café. Conversamos um bom tempo e fiquei sabendo que no dia seguinte, estava partindo para São Paulo com o esposo, que estaria fazendo exames para uma operação. Mostrou-me onde colocaria a chave da porta da rua, caso eu necessitasse sair, e me disse que de manhã bem cedo sua Colaboradora viria para fazer o café. Aproveitei e acertei nossas contas, restando apenas acertar com a Dona Olga, a lavagem de boa parte de minhas roupas.

Dona Laura ainda ensinou-me a comer kiwis maduros, que lembrei ser da mesma forma com que comemos sapoti lá no Ceará, partindo-o no meio, e retirando-lhes a polpa com uma pequena colher, sobrando apenas a casca, que por semelhança, também tem pelos. Despedimo-nos, desejei-lhe boa sorte lá em São Paulo, e quando ela já estava saindo, lembrou-se de alguma coisa, voltou e foi lá dentro, retornando com uma garrafinha de licor de amoras, que me presenteou.

Deitado em minha cama, escutava o vento a tentar arrancar as telhas, acabando por pegar no sono com aquela estranha cantilena de estalos e uivos. Quando cheguei em Florianópolis, dois dias depois, fiquei sabendo que a ventania havia atingido 80 - 85 km por hora. Não sei se esses foram os valores por mim enfrentado, mas confesso que aquele vento em tamanha intensidade, foi o primeiro em minha vida. Dia seguinte, novamente passando por onde eu havia passado no dia anterior, galhos, folhas e muitos pinhões pela estrada...

Naquele dia pedalei com bom custo, 54,8 quilômetros, em 8 horas e 20 minutos (contando com a ida e volta até Rancho Queimado), queimando 9.211 calorias, meu novo recorde, subindo acumulados, 1.969 metros, creio que também um novo recorde para mim. As descidas acumuladas totalizaram 1.648 metros, e minha velocidade máxima foi de 46,3 km por hora, a descer livre pelo asfalto...

* * *

Um comentário:

  1. olá, guerreiro dos raios e trovões hehe

    azedinha é uma delícia, só de pensar dá aquela saliva de coisa ácida
    altas emoções hem? provaste a força da natureza !
    vai uma coxinha ai?kkk
    poderia ser pior, uma vez lá naquele Rio sete só tinha pipoca bilu pro almoço kkk

    abraços
    hila



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