Pelas terras de Santa Catarina (dia 1)

Os sonhos são todos possíveis...

Se você ainda não conseguiu,

é porque não sonhou forte...



Pelas terras de Santa Catarina (dia 1)
(Paulo R. Boblitz - 4/set/2012)

A música tocava em minha mente, inexplicável percussão em tons graves, enquanto montava minha boa amiga... O céu estava bastante nublado; a marca indicava 17 graus...

Meu pensamento viajou até setembro de 2011, um ano atrás, tempo em que terminei minha Estrada Real. O Tempo, essa dimensão que hora passa rápido, hora passa arrastando-se...

Já no avião de volta, as saudades espalhavam-se... A coceira, essa que não passa nunca, já se anunciava produzindo idéias, que floresceram, criaram frutos, e agora estava prestes a saboreá-los...

Um jato decola sob fortes ondas sonoras, quem sabe carregado de outros sonhos..?

Bicicleta sem nenhuma avaria, roda dianteira já montada, pneus com boa pressão, suspensão aguardando pelas libras necessárias; faltava pouco para eu sair pedalando... Olhares curiosos espreitavam; um olhar de quem entende se aproximou e se interessou. Enquanto vou me arrumando, vamos conversando, embora a conversa apenas atrapalhe, porque me tira a concentração, me faz repetir tarefas... - a ansiedade falava mais alto...

O novo amigo quer ajudar, quer perguntar, quer participar, mas quanto mais ele se esforça, mais me põe longe do objetivo, e isso não é culpa de ninguém; apenas empolgação...

O lixo gerado se avoluma, plástico bolha, papelões, fita adesiva...; vou colocando tudo junto, para numa lixeira depositar...

Instalo os alforjes, a bolsa de guidão, dobro o mala-bike e o prendo com elástico sobre os alforjes; preciso comprar água... Quase esqueço de colocar o óleo na corrente; é como ir para a guerra sem munição...

Outro leão ruge, desta vez a pousar; os tambores da selva batucam, monto e vou embora...

Apresento-me no Posto da Guarda da Base Aérea de Florianópolis; eles já têm o meu nome, obra da amiga Gabriela. A cancela é erguida e finalmente começo meu roteiro. Lá na frente, em outro Posto de Controle, novamente me identifico para entrar e dar um abraço na bela amiga. Conversamos e sigo adiante; já são quase 11 horas...

À minha frente, a pacata baía cheia de viveiros de ostras. À minha direita um Hércules voando bem baixo, despeja um paraquedista; tropa de elite do Rio de Janeiro está atacando a Base... Suspiro longo e sigo pela esquerda, onde minha primeira ladeira forte está a me aguardar; lá em cima o último Posto de Controle me separa do bairro Tapera, que se desenvolveu à volta da Base Aérea; novamente me identifico e sigo em frente, ligo para a amiga Cristiane, que numa bicicleta me encontrará pelo meio do caminho. É ela quem me guiará até a praia Morro das Pedras, para vermos as baleias francas que chegam para o acasalamento, mas antes, a barriga precisa parar de reclamar. Cris, muito simpática e bonita, logo me apresenta um Rodízio de Ostras, especialidade do Ribeirão da Ilha, que todos levam muito a sério, referência que traz franceses para o aprendizado.

Estão todas vivas. Com o cutelo, ela abre a primeira e saboreio ao natural; tem leve gosto de maresia. Experimento outra ao natural, desta vez com limão, e a maresia vai embora...

Pego o cutelo e tento abrir uma, mas é preciso força e jeito; o cutelo quase fura minha mão. Ela sorri e enfia o cutelo numa delas que está um pouquinho aberta; a ostra se fecha e tenho que fazer força para retirar a ferramenta do aperto.

Experimentei ostras ao Bafo, cozidas no vapor, com molho de azeite, pimenta e limão, puras ou nas torradas. As gratinadas com requeijão e parmesão ralado, retém na própria concha, o suave sabor de moluscos que filtram a água retirando plâncton. São riquíssimas em Potássio. Avisto as baleias, que brincam de esconde-esconde comigo; toneladas que espalham água em espumas, nos fazendo refletir sobre a Natureza...
Para o primeiro dia de um Cicloturismo, construa um traçado ameno, fácil para reprogramá-lo nos pedais, para informar ao corpo que você começou a pedalar, pois no dia seguinte há outro pedal, e no outro também... Não é a mesma coisa de fins de semana...

Estava apreensivo por pedalar sozinho, depois de uma noite inteira sem dormir, sentado numa poltrona apertada de um avião, estressado por imaginar minha bicicleta com alguma quebra pelo transporte, mas à visão daquele transatlântico fitando-me ao longe, acalmei:

- Esteja tranqüilo...; eu vim de mais longe... - e mergulhou, não sem antes desejar-me boa sorte...

O mar arrebentava com muita força sobre a pedregosa praia; era o Vento Sul que me acompanharia até o fim de minha travessia, hora ajudando, hora contra mim. Fomos embora e nos despedimos, e eu segui até Caieira da Barra do Sul, até onde o asfalto se transforma em trilha, onde somente os pés conseguem transitar. Era preciso voltar, pois o dia, ajudado pela nebulosidade, ameaçava terminar antes. Cheguei na Pousada do Museu, tomei um banho e atrasado fui ao encontro do casal Paulo e Gabriela, quando conheci o Jacaré, esposo da Dona Nina, donos da Pousada Praia da Nina. Ali o meu jantar foi uma gostosa Guacamole, com pinga, vinho seco, chá, pães, torradas, salgadinhos e doces, e muita conversa gostosa entre os calafrios da noite fria que o vento soprava. Passava das 11 da noite quando os deixei e fui embora, pedalando o mais forte possível para afugentar o frio, que intrometia-se pelos poros do agasalho...

Dormi ao som de ondas que pequeninas, quebravam singelas na areia a apenas 20 metros de minha janela, como mantra a se repetir incansavelmente para me fazer gravar o sossego do lugar...

Foram 54,8 km percorridos, 5 horas e 49 minutos de pedal, 3.433 calorias queimadas, 726 metros em subidas acumuladas; dia seguinte seria mais longo...

Minha amiga baleia voltou, e sob o risco de ficar encalhada, soltou longos sopros a chamar-me a atenção. Fui até a janela, e lá fora tudo escuro, senti seu olhar como a sorrir-me; emitiu um canto, o filhote a imitou, e foram embora. Também sorri, desejando-lhes boa sorte, e fui dormir contente, ao som da cantilena a quebrar sobre a areia, bons sonhos, boa recepção na terra desconhecida... Foi difícil esquecê-los...

Aquele medo que eu tinha, de repente desvaneceu-se. Estava pronto a encarar o caminho; agradeci a Deus e peguei no sono...

* * *

Um comentário:

  1. olá, amigo pedalante

    que bom te ler!

    lindo relato!
    aguardo os próximos.

    saudações ciclopoéticas!

    Hila

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