Pelas terras de Santa Catarina (dia 2)

O futuro não existe,

a não ser que o vivamos no amanhã...

O medo,

só existe enquanto não o enfrentamos...


Pelas terras de Santa Catarina (dia 2 - quarta-feira)
(Paulo R. Boblitz - 5/set/2012)

(Sul da ilha de Florianópolis (Pousada do Museu) - Santo Amaro da Imperatriz)

A noite fora de bons ventos e o dia amanhecia com um sol bonito; enfim começava minha jornada...

Quase 8 e meia da manhã eu partia, e mais um pouco chegava no Posto de Controle da Base Aérea; atravessei-o sem problemas, saindo novamente nas barbas do Aeroporto. Parei de pedalar e tentei ligar para a Hila, mas seu telefone não atendia. Devia estar no trabalho ou a me aguardar pelo meio do caminho, ela que me deu tantas dicas e sugestões primorosas, até preocupando-se para que eu seguisse por tais e tais ruas, sempre a encontrar alguma ciclovia segura. A saída do aeroporto é apertada até passarmos a ponte, e eu seguia sempre de olho no meu retrovisor; não levei nenhum susto, nem tampouco nenhum aperto...
Logo eu passava sob o viaduto da rod. Gov. Aderbal Ramos, e mais um pouco a atravessava por sobre uma passarela, vislumbrando uma Florianópolis sinuosa a estender-se à minha frente, banhada pelo mar calmo da baía, onde rochedos redondos e há muito polidos pelo Tempo, emergiam para banharem-se em luz. Mais além, as montanhas aguardavam-me, escuras e sombrias, envoltas em mistérios que daqui de longe não entendia.

Peguei a ciclovia, uma longa e bem cuidada ciclovia, imensa a quase cruzar Florianópolis inteira, unindo praias e cidades. Uma senhora andarilha em seu exercício matinal fez-me sinal e pediu que a acompanhasse, pois uma outra a havia avisado que um homem, com todas as coisas de fora, a havia seguido. Sorri e baixei minha marcha; por quase 1 km conversamos até que o filho dela chegasse esbaforido numa outra bicicleta, assumindo a guarda. Fosse quem fosse o destrambelhado das coisas de fora, não vi ninguém; talvez estivesse escondido ou ido embora, prova de que não era assim tão maluco, pois sabe que porrada, dói.

À minha direita o trânsito rugia em desabalada pressa, afinal a via era expressa, feita para isso mesmo; que eles estejam com a pressa deles, pois que esse ventinho está a me fazer muito bem... Logo cheguei na entrada de dois túneis, onde a belíssima bandeira de Santa Catarina brilhava, ondulada pelos ventos que a tremulavam, navegando em sonhos que um dia a construíram...

Passei pelo Iate Clube, muitos barcos cochilando, e avistei as duas pontes, a velha e a nova, cartões postais da cidade, duas épocas em harmonia, passado e presente num povo só...

Meu segundo dia também era moleza, quase plano, ganhando tempo na aclimatação para as grandes subidas que me desafiariam, e em Santa Catarina, não existe nada que não suba, acompanhando aquilo que um dia a Terra em convulsão, espinhou para fora...

Do outro lado da baía, o continente não me perdia de vista, acompanhando cada giro que eu dava, vendo se eu ia mesmo atravessar a ponte. Sorri para ele, com certo ar de mangação...

Enfim cheguei à entrada da ciclovia que passa sob a ponte. A rampa que sobe na ponte da esquerda de quem olha para o continente (são duas pontes paralelas), se dirigia para os dois lados da ponte, mas somente o lado esquerdo é aberto; o acesso pelo lado direito é fechado, talvez por conter tubulações diversas por onde devem passar energia e água, possivelmente gás encanado, restrito apenas às equipes de manutenção.

A ponte segue em leve arco, o que possibilita facilidade para pedestres e ciclistas. Na parede à direita, grafites artísticos bem elaborados com criatividade, embora deles nada entendamos; à esquerda do caminho, a baía convidativa aos tantos pescadores que ali vi em ação, cada um com dezenas de linhas e anzóis. Sobre minha cabeça, cada carro, caminhão ou ônibus, parecia lançar sua garra a tentar furar o duro concreto, tamanha barulheira de seus pneus em disparada.

Cheguei ao continente, e ele sorridente apresentou-me as tantas praias que hora avançam, hora recuam; a todas elas fui circundando maravilhado, novamente na maioria por ciclovias. Iria atravessar Coqueiros, Itaguaçu, Abraão, Praia Comprida, São José, onde a caminho de Palhoça, atrapalhei-me um pouco com o meu roteiro, resolvendo parar para perguntar.

- Não, não precisa subir... Pode ir por aqui mesmo que você sairá no mesmo ponto...

Lembrei-me então do Google Earth e me situei no meu roteiro. Por onde ele mandava ir, era contramão... Informei-o, ele deu de ombros como se não fosse problema, e resolvi subir os cerca de 50 metros em correção, saindo numa casinha muito gostosa e simpática; ele só visava a minha facilidade...

Não sabia, mas vinha respeitando o limite de velocidade na ciclovia, afinal eu não tinha pressa, e chegar, só quando fosse a hora de não mais poder seguir em frente...


Atravessei a ponte do Imaruim (a foto é a de São José), passei pelo centro de Palhoça, pegando mais uma ciclovia que a Hila havia ensinado, a da av. Elza Lucchi que me leva quase a trombar com a BR-101, onde passo de raspão e novamente me afasto, para somente cruzá-la pelo pontilhão seguro, a me deixar na estrada velha para Santo Amaro da Imperatriz; enfim o mar ficava para trás... As montanhas já me sussurravam em convites...

Agora faltava pouco, e a fome apertava... Não precisava, mas resolvi parar numa sombra, coisas que nossos Anjos da Guarda nos sopram. Enxuguei o suor, limpei os óculos, bebi uns goles d'água, estudei o roteiro, e quando já me preparava para acionar o pedal, recolhi o pé. Aproximava-se uma linda e simpática garota... Ao chegar bem próxima, perguntei se ela conhecia um bom lugar para almoçar...

- Logo ali, no restaurante da minha mãe... - apontou-me com seu dedinho fino para o lugar, coisa de 70 metros ali adiante, numa loja de conveniências com uma gostosa varandinha em madeira.

- Hoje é dia de... - sorrindo, disse o nome da carne vermelha preparada, que já nem lembro mais.

- Mas eu não como carne vermelha...

- Vai lá e procura mamãe. O nome dela é Maria José. Diga que conversou comigo, Danuza, e ela irá preparar alguma coisa gostosa...

Nos despedimos, ela seguiu o caminho que seguia, e eu atravessei a rua. Dona Maria José preparou uma bela porção de Pescada com fritas, salada farta, arroz branco, feijão preto e farofa. Ganhei ainda uma gostosa sobremesa, Zás-trás!, suspiros quebradinhos, pedaços de morango e creme de leite. Sei que não se deve misturar o álcool com os pedais, mas não resisti àquela cerveja que suando olhava para mim: Therezópolis, como o nome mesmo informa, de Teresópolis no Rio de Janeiro, encorpada, saborosa de encher a boca, fabricada desde 1912, quando um Dinamarquês, seguindo a receita de seus antepassados, iniciou a produção.

A todos vocês ciclistas trilheiros ou cicloturistas, passando pela Av. Bom Jesus de Nazaré, bairro Aririú, Palhoça, Santa Catarina, não deixem de visitar Dona Maria José e Danuza no Restaurante Ideal, ao lado do Posto Ideal, onde encontrarão de tudo o que precisam, e se não tiver, garanto será providenciado sob os sorrisos gentis das duas, mãe e filha.

Frio e cheio de preguiça, me arrumei e segui em frente, logo passando pelo pontilhão da BR-282, subindo leve para lá em cima cruzar a BR, mantendo o rio Cubatão à minha direita, pedalando por lugar tranqüilo onde ninguém é vexado... Passo por um monte de crianças com suas professoras, como quem esperando pelo transporte escolar, e o momento é de festa com muitas saudações, porque criança é criança, gentil em qualquer lugar...

Depois de algumas pontes, finalmente chega a que me interessa, aquela que subirá uma ladeira, a única do dia, como a desforrar-se de minha moleza pelo caminho inteiro. Faltando apenas 40 metros para chegar no Hotel Santo Amaro, um senhor idoso resolve conversar comigo sobre a bicicleta dele; faço-lhe sinais que não, porque mesmo que quisesse, o coração e os pulmões estavam prestes a pular boca afora. Imaginem então se eu a abro.!?
Defronte do hotel, parei e o esperei, e conversamos um pouco; ele havia entendido minha agonia...

Foram 60,5 km percorridos, 5 horas e 18 minutos de pedal, 4.236 calorias queimadas, 601 metros em subidas acumuladas; dia seguinte a moleza acabaria...

Lavei minha roupa e aproveitei para visitar a Igreja do Frei Hugolino, que curava por imposição das mãos. Contaram-me que aquele pedaço de tronco gigantesco de uma Sapucaia, ao lado de sua sepultura, começou a adoecer quando se soube que Frei Hugolino estava com câncer. O Frei morreu e a árvore o acompanhou; hoje descansa ao lado dele... Visitei também a Igreja Matriz que já tem 158 anos, porém estava fechada. Fotografei o que pude pelo lado de fora e, quando já estava indo embora, um senhor à paisana que chegava sorridente, depois de subir toda uma ladeira, informou ser o Padre. Perguntou de onde eu era e me disse que a porta lateral estava aberta, que eu podia entrar e fotografar a igreja bonita dele. A igreja é simples, tem um antigo órgão e é muito bem cuidada. Fiz uma pequena oração e fui embora; lá fora, o Padre cuidava de sua horta, canteiros que em degraus acompanhavam o declive.

* * *

3 comentários:

  1. oi,amigo
    quem me conhece, ao ler que não conseguiste contatar-me por telefone, vai dizer: -hmm..novidade!!:)

    alguns sofrem de telefonite; eu, acho que tenho telefobia hehe.
    estou a viajar em teu relato.
    magnífico!
    abraços
    Hila

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  2. Parabéns pela cicloviagem e pelo blog. Espero poder fazer uma cicloviagem assim. Quando puder, dá uma olhada lá no Pedalanças (www.pedalancas.com.br). Abraços, boa sorte e sucesso!
    Giungi
    www.pedalancas.com.br
    www.facebook.com/Pedalancas
    Campinas/SP

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  3. Muito bacana a viagem e as descrições! Parabéns.

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