Pelas terras de Santa Catarina (dia 13)

Um lugar não é totalmente bonito,

se não tiver as pessoas bonitas também,

nesse caso referindo-me à hospitalidade,

à educação e cultura, o trabalho e o empenho,

porque são essas pessoas que modificam o meio,

para melhor...

Pelas terras de Santa Catarina (dia 13 – domingo)
(Paulo R. Boblitz - 16/set/2012)

(Santa Rosa de Lima (Pousada Doce Encanto) - Anitápolis)

O dia havia amanhecido muito bonito, e os passarinhos faziam sua festa. Abri minha janela e os cantos amplificaram. Não muito distante, o que achei parecido com um pé de figo, mas não tinha certeza. Tomei um bom banho e me arrumei, deixando pouca coisa fora dos alforjes para quando subisse, aquilo que sempre guardamos por último.

A mesa do café já estava posta e muito rica com produtos dali mesmo da propriedade, como melado de cana, geléia de tangerina com pimenta, queijo curado, pão integral, pão de milho, café forte, leite gordo, iogurte de morango e muitas frutas variadas. Eles ainda fabricam doces e licores.

Hila havia vindo pela SC-407, mas Seu Valnério havia me ensinado um caminho mais bonito, mais "interior" como ele bem frisou, passando por uma ponte coberta e pela igreja de Santa Catarina, e por ele enveredamos.

Anitápolis é a segunda cidade catarinense a homenagear Anita Garibaldi, e pela estradinha que margeou o rio do Meio, quase que o caminho inteiro, seguimos a ouvi-lo de vez em quando a discutir com as pedras. O caminho é lindo, mas havia um problema: metade dele eu havia construído no tato, farejando as imagens borradas do Google Earth, quando deveríamos nos utilizar bastante do verbo. Era um domingo e as pessoas costumam parar em casa, o que facilitaria, caso tivéssemos alguma dificuldade com bifurcações inesperadas.

Logo no início, uma bela subida para nos aquecermos da forma mais dolorida, curta, porém empinada. A seguir, uma descida longa de quase 3 quilômetros, e daí em frente foi só subindo, e subindo, e subindo até quando alcançamos os 795 metros, para começarmos a descer a ribanceira forte até Anitápolis, mas antes disso, passamos pelo povoado Rio do Meio, paramos na ponte coberta que havia sido reformada, cheia de charmosas jardineiras em suas duas laterais, retrato do bom gosto e boa vontade de quem mora ali por perto, pois que flores necessitam ser cuidadas. Na marca dos quase 9 km, chegamos no povoado e igreja de Santa Catarina, simples e bem cuidada, com a conjugação do verbo ainda como antigamente.

A estradinha sinuosa e sempre com o rio do Meio nos acompanhando, hora subia, hora descia, e fomos assim até a marca dos 16 km, ali onde o meu roteiro avisava a mim mesmo das imagens borradas do Google Earth, portanto, onde a atenção deveria ser redobrada, e foi exatamente aí quando iniciamos a subida forte que nos levaria até o topo com quase 800 metros. Foi uma subida lenta para mim, que não tinha como acompanhar as pernas fortes da Hila, e lá estava ela, sempre num ponto bonito a me aguardar. A preocupação tornou-se maior, pois eu ficaria em Anitápolis e ela seguiria viagem até Florianópolis. Até sugeri nos despedirmos ali mesmo naquela subida, exatamente para que ela ganhasse tempo e não se atrasasse, mas ela sorriu e não aceitou, afinal ela havia planejado pedalar comigo de Santa Rosa de Lima até Anitápolis, e era isso o que aconteceria; que eu ficasse descansado, pois que se algo desse errado, ela pernoitaria em Angelina ou Rancho Queimado.

Para piorar as coisas, o céu estava mudando e trovões começaram a soar sobre nossas cabeças, mas felizmente estavam de passagem; ainda chegamos a pegar um chuvisco fino, mas bem curto que não chegou a nos molhar. Quase no topo, pelo meio de um pequeno povoado, Hila debaixo de uma laranjeira, comia, creio que já a segunda. Parei, estiquei o braço para cima e também roubei uma, dulcíssima. Apareceu uma senhora ali moradora e nos ofereceu algumas de sua própria propriedade, pois as que estávamos chupando, a dona não gostava que tirassem. Agradecemos e Hila ainda arrumou um limão galego para espremer na água que carregava, e dali partimos com a orientação de quem conhecia o caminho, mandando-nos pegar à direita só na segunda bifurcação.

Restava uma bela e deliciosa subida comprida, deliciosa porque sua inclinação era convidativa, solo compacto e arenoso, sem valetas, pedras ou buracos. Alguns cães latiram para a Hila que já ia lá na frente, e depois vieram latir para mim. Eram os primeiros do dia, e depois verifiquei que foram os únicos, ao contrário do dia anterior, que a todo instante recebia uma parelha deles atrás dos meus calcanhares, quando parava e os encarava, e eles desistiam e voltavam por eu não deixá-los na brincadeira que é perseguir gente assustada. Enquanto os cães sempre me hostilizavam, o gado sempre vinha em minha direção, curioso...

Fiz um roteiro por onde devem passar poucos cicloturistas, caso contrário, os cães já estariam acostumados...

Lá em cima, Hila já me aguardava novamente, a olhar e me mostrar a pequena igrejinha que havíamos cruzado há pouco tempo; lá embaixo, parecia de brinquedo... Suspirei fundo e me alegrei, sempre me alegro quando olho para trás e verifico os verdes que cruzei, as montanhas que circundei, os "esses" poeirentos que percorri, os ventos que deixei, meu passado logo ali ao alcance da vista...

- Vamos embora Hila, que você já está atrasada...

E partimos e chegamos enfim ao tão sonhado topo, que vinha se escondendo e correndo mais para longe, a cada curva que fazíamos. Foram cerca de 430 metros para cima numa ladeira só, em quase 7 quilômetros. Dali em diante, por cerca de 5,5 quilômetros, enfrentaríamos uma descida um tanto salgada, e meus freios não estavam me ajudando muito, pois havia esquecido de tentar esticar-lhes novamente os cabos. O freio traseiro deveria estar com muita sujeira no conduíte, porque parecia ter dois estágios...

Hila me guiou até um restaurante que ela já conhecia, mas ele estava fechado para visitantes, pois havia um evento de aniversário acontecendo. Fomos até o outro lado da praça e encontramos um aberto, e conseguimos raspar suas panelas, porém almoçando bem. Terminamos o almoço às duas da tarde e partimos debaixo de uma leve garoa que logo passou, e 200 metros adiante nos despedimos, pois eu seguiria pela esquerda pela estrada do Maracujá, e a Hila pela direita, pela SC-407, em direção à cidade de Rancho Queimado, e de lá para São Pedro de Alcântara, e depois para Florianópolis, onde descobri depois, havia chegado por volta das 10 da noite.

Hila conhece tudo aquilo muito bem, pois pedala sempre por tudo quanto é recanto, e até acampa por onde passa. Tem pernas fortes, é valente e tem um bom equipamento. Recentemente concluiu um Audax 300. Sorrindo, ela me contou que tinha sido parecido com o Audax. Vale uma visita aos vários endereços que ela tem. Recomendo:





Quando cheguei em casa, uma grata surpresa quando fui visitá-la em seu endereço no Picasa. Hila havia me fotografado lá do asfalto, que corre paralelo ao rio e à própria estrada do Maracujá, e até berrado meu nome, mas não consegui ouvi-la.

Continuei pela estrada subindo, mas errei a entrada e continuei a subir para Alfredo Wagner, achando estranho, pois que havia esquecido de ligar meu GPS depois do almoço e perdido a quilometragem, mas com certeza os 6 quilômetros já haviam passado. Aproveitei um carro que descia e a senhora que o dirigia, informou que eu deveria voltar até uma casa de madeira na cor lilás, e ali dobrar à esquerda. Em pouco, cheguei à entrada da Pousada Recanto das Cachoeiras. Olhei em frente e dois caminhos em concreto, na largura dos pneus de um carro, levavam-me para cima, mas bem para cima...

- Chiii..! se é de concreto, até carro sofre... - pensei com meus botões.

Sofri um bocado, pois que tive que parar 3 vezes a minha subida para descansar, e eu estava empurrando... Foram 600 metros de caminho, para vencer os 70 metros de desnível, mais de 11 % de inclinação. Lá em cima, já precisando almoçar novamente, lembrei que a Hila havia me recomendado escolher os chalés do alto, e quando vi o primeiro, mais 30 metros para cima, desisti.

Seu Gabriel apareceu para me receber e lhe perguntei:

- O Sr. tem algum chalé aqui por baixo mesmo?

Ele sorriu e disse que sim, mas que antes eu entrasse para tomar um café, fazer um lanche. Lá dentro Dona Marilda, sua esposa, atendia outros hóspedes que já estavam indo embora. Nos apresentamos, os hóspedes me olharam divertidos e com interesse, conversamos um pouco, de onde eu era, de onde eu vinha, para onde ia, e mais algumas perguntas, enquanto eu mastigava uma fatia de bolo gostoso junto com uma bela xícara de café. Já descansado, repeti a xícara de café e fui com ela para fora, pois necessitava descarregar a minha amiga, no que Seu Gabriel, acercando-se, me ajudou, segurando pelo guidão.

Dona Marilda até sugeriu que eu ficasse num daqueles chalés lá por cima, no que lhe agradeci sorrindo, informando que naquele dia, eu já havia subido o bastante.

Fiquei no Chalé das Araucárias, com uma gostosa varandinha que dava para ver de onde eu tinha vindo, e as várias montanhas que vão se amontoando umas sobre as outras, onde as nuvens já se aninhavam para dormir e esfriar...

Tomei meu banho, lavei minha roupa e fui agasalhado para o meu jantar, iluminando meu caminho com meu farol. A minha amiga descansava dentro de um velho paiol, junto de uma sacaria, madeira estocada, e acho que um velho trator, além de ferramentas e outras coisas mais. Ela estava bem acompanhada...

Meu jantar, olhando para as montanhas escuras lá fora, foi muito apetitoso: torta de legumes, salada verde, batata com maionese caseira, vagem e pepino em conserva, arroz, filé de peito de frango, farofa, e dois ovos caipiras fritos mal passados, cujas gemas eram quase vermelhas. De sobremesa, doce de leite e sorvete de chocolate. Depois, um cafezinho bem quentinho. Jogamos conversa fora por um tempo e fui me recolher, escrever minhas experiências boas pelo dia. Quis ligar para saber da Hila, mas não tinha sinal. Agora o manto da noite a tudo cobria, e seus sons ganhavam vida... Lá embaixo, o rio da Prata corria manso, embora sempre discutindo com alguns matacões. Sua canção de ninar me chegava confortável, e em pouco tempo, pegava no sono.
Foram 36 km em 6 horas e 20 minutos, 7.305 calorias jogadas fora, e 1.236 metros em subidas acumuladas.

* * *

Um comentário:

  1. oláá
    senti-me muito feliz em fazer parte da (sua )história ;))
    fiz uma quilometragem alta com altimetria idem mas o cansaço é momentâneo, a satisfação é prá sempre hehe.
    Tem gente mais doida, como os 4 amigos daqui que ontem a noite completaram os 1.000 km da prova do audax com muita chuva e muitos pneus furados.

    abraços
    Hila

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