Energia

Não basta a vontade; há de haver a condição, o poder...

Não basta a valentia; há de haver a humildade...

O porquê do que eu falo, aí adiante...



Energia
(Paulo R. Boblitz - nov/2009)


Há poucos dias, escrevi sobre a segurança que devemos levar em conta, quando estamos numa bicicleta; esqueci da energia, esta relacionada com a nossa própria segurança interna.

Quinta-feira de noite, fiz o pedal, cheguei em casa depois das dez, sentei e escrevi a crônica, fiz as críticas ao texto, publiquei-o. Olhei para o relógio e o tempo havia voado; fui dormir depois de uma da madrugada...

Sexta-feira, o despertador me acorda como plano "B", ele tocando por eu não ter acordado antes de desarmá-lo, às quatro e meia... Fui para a sala de aula, último dia da primeira etapa de um curso que a empresa ministrava. Os amigos de Maceió necessitavam pegar um avião, pois com o horário de Verão, ele estava 1 hora mais cedo na pista esperando. Resolvemos não parar para o almoço, e próximo das duas da tarde, nos despedíamos todos.

Almoço? Eu havia perdido a fome... Fim do expediente, saí correndo para comprar ferro e arame, pagar o aluguel dos andaimes, e às seis da tarde eu comia um pão ligeiro com café puro, para mais correr em direção à Roça, onde o primeiro dos 6 caminhões me aguardava para ser carregado de frango. Das 7 da noite de sexta, com certo atraso, até às nove da manhã de sábado, passamos a noite pesando e anotando as caixas que saíam dos galpões.

Cheguei em casa por volta das dez; o almoço ainda não estava pronto. Tomei um banho, comi um pãozinho com vinho e fui deitar, dormindo a tarde inteira. Acordei, jantei frugal, fui para o computador, e por volta das dez eu já me deitava novamente, para acordar no domingo às quatro e alguma coisa.

O corpo não precisa apenas do descanso; precisa também do combustível a ser queimado, quando assim solicitado, e eu o solicitaria no domingo, na trilha para Rita Cacete, um pequeno povoado próximo de São Cristóvão. Infelizmente eu descobriria que não tinha combustível a ser queimado, bem no meio da trilha...

Seis horas de uma manhã de muito sol, saímos cerca de 12 ou 13 ciclistas, num domingo calmo e sonolento. Pouco antes de chegarmos à Terra Dura, meu pneu furou pela primeira vez.

Fizemos o reparo e nos mandamos novamente, dando uma pequena parada embaixo de uma grande árvore, bem no início da trilha, que convencionamos ser o local para nossas orações, sempre agradecendo e solicitando uma boa trilha.

Passamos em frente à grande lixeira, que dessa vez estava bastante fedorenta, e seguimos em direção à nossa primeira grande ladeira. Gilton, brincando comigo, primeiro fez um elogio ao meu progresso, depois simulou um reboque, agarrando-se ao meu ombro. Comecei a rir e não consegui terminar de subir, quase já no alto, onde paramos para o Gilton encher o pneu dele.

Continuamos e mais um pouco João de Deus nos aguardava, quando Gilton parou mais uma vez para fazer algo naquele mesmo pneu. João ficou e segui em frente para juntar-me aos outros; estavam todos debaixo de uma boa sombra, e quando cheguei, todos seguimos em frente, ocasião em que Raimundo, o líder, retornou para dar apoio aos dois, nos alcançando depois.

Bem mais adiante, já tendo o Raimundo nos alcançado há um bom tempo, notamos a falta insistente daqueles dois, e de mais dois; enquanto continuávamos, Raimundo e Alexandre retornaram, e quando nos encontramos novamente, soubemos que alguém havia caído. João de Deus, Gilton e João Arruda estavam retornando, abandonando a trilha para dar socorro ao amigo que se acidentara.

Seguimos em frente e chegamos num trecho de muita areia frouxa, onde a mata quase fecha e quando começa a descida, nos apresenta erosões e raízes - mais uma queda, leve e boba, segundo a própria vítima, pois às vezes, nem nós entendemos como as coisas acontecem.

Vencemos aquele trecho apertado e por fim mergulhamos numa grande descida que desemboca num pequeno riacho, não sem antes acharmos água numa casa humilde, com uma bela e bem cuidada horta de lado.

Acho que esse negócio de bicicleta faz troças com nossas mentes... Ao continuarmos, depois dessa sombra e boa água, Raimundo montou na bicicleta errada e saiu pedalando...

- Ei!, vai com a bicicleta trocada mesmo!? - perguntou o dono, sentado num banco de coqueiro.

- Bem que eu estava achando diferente... - respondeu Raimundo, depois de algumas pedaladas.

Lá mais atrás, num costume que acabamos desenvolvendo, ao procurar ver se tudo estava nos três bolsos da camisa, apalpei algo macio e redondo... Não lembrava de ter colocado no bolso esquerdo, além do telefone celular, algo macio e redondo. Apertei com mais força, apenas para descobrir que estava apertando a própria bunda...

Depois do riacho, depois da subida empinada, mais um pneu furado, desta vez o do Alexandre; segui em frente para adiantar, já que sou sempre o que atrasa o grupo, mas o dia era de furos - encontraram-me empurrando a bici; mais outro pneu furado, o meu segundo furo...

Enquanto o Raimundo o reparava, lembrei do meu freqüencímetro, que havia programado para emitir o alarme sonoro aos 147 batimentos cardíacos por minuto; cheguei aos 174, e se depender desse aviso, morrerei por ser meio surdo...

No entroncamento para a descida até o rio Vaza Barris, decidimos, pelos atrasos ocorridos, seguir direto para São Cristóvão, deixando o rio com sua ilha, e Rita Cacete, para uma outra trilha. Num pequeno Boteco, nos servimos de água, sucos de acerola e tamarindo, sanduíches de queijo, um bom descanso e prosas, e já estávamos prontos para a partida, dessa vez de volta a Aracaju.

Logo na saída, reclamei de meu pneu por achá-lo meio murcho; paramos e dessa vez, a válvula não segurava o ar. Continuamos por uma longa subida pelo asfalto, comigo ficando para trás - eu estava muito cansado, e o hodômetro apenas marcava cerca de 38 km rodados...

Lá em cima nos encontramos novamente...; eu estava a atrasar o grupo, coisa que me deixa chateado, mas já estava decidido: quando eles retomassem a trilha, saindo da João Bebe Água, eu seguiria em frente, atrás do socorro lá de casa.

Dito e feito, quando eles se afastaram, liguei para a Esposa e pedi o meu resgate; aos 44,8 km, eu encerrava por aquele dia, sentado num banco à sombra, bem defronte do posto da Polícia Rodoviária Estadual de Sergipe.

Enquanto aguardava, pensava como podia uma trilha tão pequena, metade das que já fiz completas, arrasar-me tanto assim?

Enquanto o sangue esfriava, o freqüencímetro diante de meu sorriso apontava para uma pulsação que piscava em 104, lembrei da péssima alimentação daqueles dois últimos dias; estava a queimar somente reservas, e ciclismo não tem como fundamento o emagrecimento, este sim conseqüência, de energias gastas nos pedais.

Ciclismo deve se basear na responsabilidade, no reconhecimento do próprio limite, no saber parar para poder continuar, outras trilhas poder curtir, outras terras poder girar, outras paisagens poder sonhar, outros sorrisos poder desopilar, outras conquistas poder usufruir...

Mais uma lição nova aprendida, de que não somos iguais nem a nós mesmos, que todo dia representa uma mudança, que depende como nos comportamos no dia-a-dia.

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