O Corneteiro

Menino não tem razão, mas a razão sempre o persegue...

O encontra um dia crescido, vendo tudo de novo ao vivo...

Quem já foi menino, já de tudo, um dia pensou...

Apanhem suas cornetas, juntem-se à banda aí embaixo...

Não precisam saber tocar...



O Corneteiro
(Paulo Boblitz - nov/2005)


Era um garoto magro, magrinho de dar dó, sem camisa, de calças curtas e frouxas, suspensório penso de um lado só, uma corneta a todo sopro, marchando ao longo do caminho, tocando sabe-se lá o quê...

Marchava em passos firmes, em passos largos, cabeça empinada, peito estufado, os ombros jogando de um lado para o outro, uma banda na cabeça a tocar, que só ele ouvia...

Sofregamente soprava tirando sons agudos, graves, longos e curtos, olhos semicerrados, mensageiro de alguma coisa, a repetir movimentos, a soprar para o mundo ouvir...

Por onde passava, contagiava; outros meninos pulando ou atrás dançando, a fila aumentando, a tribo se unindo...

Logo, panelas e latas se juntaram e o coro aumentou. Um carro que passava, apitando seguiu seu caminho, aprovando no embalo e no ritmo...

Os pássaros revoavam e tornavam a pousar, os bicos abertos em sugestões, por que não iam assustar as próprias vidas!?

Um cachorro apareceu e começou a uivar; recebeu uma botada de algum lugar, e dali saiu correndo, ganindo harmonioso...

Um tambor juntou-se ao grupo, bum-bum-bum agora cadenciando; a meninada ficou mais alegre.

Senhores e Senhoras paravam e observavam, alguns tiravam os chapéus, outros os saudavam com as mãos.

A mulher gorda na varanda começou a rebolar, corpo para um lado, corpo para o outro, cotovelos para cima e para baixo, para frente e para trás...

Qual era mesmo a música? Ninguém sabia, mas todos já a assobiavam, a acompanhavam, e tamborilavam, tá-tá-tá fazia a corneta, pra-lá-lá fazia a latada com as panelas, contagiantes seguindo na calçada, até que cansados, pararam e descansaram no meio-fio.

Por alguns instantes o silêncio se fez ouvido, a onda se acalmou, o vento começou a soprar. As mãos amparam os queixos, os suores pelas frontes escorrem...

Baixinho soava um sax, artista do outro lado da rua tentando alguns trocados, tocando algo suave, grave e triste melódico, entortando-se nas notas mais longas. A garotada quieta só observa, longos anos de sopro em treinamento, boas notas seqüenciadas, gostosas no ouvir, a contar histórias diferentes a cada um...

De novo lá vem aquele carro, que alegre dá o tom, solta a primeira buzinada e passa intermitente, o braço do motorista regendo, os lábios em sorriso produzindo inspiração, continuando até perder-se na distância.

A meninada num salto se levanta e começa frenética a tocar. O sax pára por uns instantes, e após entender o que ouve, começa a acompanhar...

Lá vem a garotada outra vez, a barulhada em profusão; o guarda interrompe o trânsito, abre os braços e jura que não sabe de nada, mas acaba também gingando, diante da banda inusitada, que apenas toca o que cada um quer tocar, sem imaginar, sem seguir nenhum plano, nenhuma ordem ou convenção...

A mulher gorda levanta-se e agora rebola mais forte, passeia de um lado ao outro da varanda, ensaia levantar uma perna pesada, vê que consegue e levanta a outra também, dança leve sem saber por que dançar; lança beijos e sorrisos, parece estar feliz, entra no clima e navega...

O cão de novo late aborrecido, acha o barulho um absurdo, ameaça rosnando avançar..., e lá vem da bota o outro par, pá..!, quase no seu traseiro..., e dali sai correndo; é melhor não se meter...

A passarada voa e pousa no fio mais alto, conversa entre si e torna a voar; o mundo está mesmo perdido...

De novo o silêncio chega e se instala, a banda interrompe seu movimento, todos sentam na grama, sorriem corados pelo esforço, transpiração exuberante, cabelos molhados colados na testa, instrumentos descansando de lado; respiram apressado e no compasso...

A árvore frondosa como teto, a grama verde macia como piso, a sombra de leve os tocando, caminhando para lá e para cá ao sabor dos galhos que se mexem; ninguém fala nada...

De repente um sorriso maroto e todos gargalham, e sorriem sem parar, em gaitadas travessas...; conseguiram a todos mexer, produziram diferente um dia...

Descansados, vêem o carro que buzinava a passar, solitário trombeteando sem razão, tentando encontrar o tom...

Fazem os dedinhos de legal, sorriem e dão um tchau.

Olham para cima, cada passarinho cuidando do próprio ninho; o cão agora calmo em desalinho, dormindo de pernas para o ar; a mulher gorda sentada na varanda, esperando o tempo passar...

O primeiro corre, o segundo o imita, e mais um pouco não tem nenhum...

Amanhã inventarão uma outra coisa...

* * *

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