(Paulo Boblitz – mai/2007)
O pão foi o primeiro alimento transformado pelo homem, regredindo-se aí até a época das cavernas...
Em Roma, segundo o poeta Juvenal, foi utilizado como verdadeira “massa” para dominar o povo – pão e circo, gratuitos...
Diz-se que a Revolução Francesa ocorreu numa época de más colheitas sucessivas, onde faltou o alimento principal do povo – o pão...
E o pão tem um significado especial para mim.
Lembro que tive de escrever 500 vezes: "nunca mais jogarei pão em ninguém", quando o irmão Marista Dallagnol me tirou da fila da coca-cola grátis (a fábrica fazia isso uma vez por ano), por estar jogando bolinhas de pão nos outros, e me colocou numa sala sozinho, informando que dali eu só sairia depois que terminasse. Naquele dia cheguei em casa quase duas da tarde, sem almoço, minha mãe preocupada a me dar outro alvoroço...
Comecei então a cumprir meu castigo, um tanto acabrunhado, nomes feios palpitando por todos os poros, não pelo castigo, mas pela coca-cola perdida. Não me restava senão a escrever, em cada risca, que havia numerado para não passar da conta, o "nunca mais jogarei pão em ninguém".
E fui assim na primeira, na segunda, na terceira, até a última linha daquela página, e logo parti para as costas da folha, e comecei de novo: "nunca mais jogarei pão em ninguém" - agora já mais calmo e resignado...
As nuvens cinzentas cedem lugar às nuvens brancas, e logo estava eu a brincar: escrevi então, linha após linha, nunca, nunca, nunca..., nunca..., até a última linha; subi novamente e recomecei: mais, mais, mais, mais..., também até a última linha, e assim fui repetindo todas as palavras da frase...
Terminei a folha e vi colunas tortuosas, pois não estava a escrever uma frase contínua, mas sim a repetir palavras mecanicamente.
Na terceira folha eu inovei: fui com o "nunca" até o meio, subi de novo e da segunda linha comecei com o "mais", também até o meio, e assim fiz com o "jogarei", e com as demais palavras, e terminei construindo vários triângulos...
A brincadeira puxou mais outra: mirei com o lápis e posicionei "jogarei" bem no meio da folha. Dela eu fui subindo e, logo, logo, eu tinha um grande "xis"...
De brincadeira em brincadeira, de invenção em invenção, logo esqueci da coca-cola, da fome, e dos nomes feios, e quando percebi, já havia terminado com a tarefa.
Guardei o lápis, agora mais curto pelo menos uns dois centímetros, de tanto fazer a ponta, conferi a contagem para ver se não faltava nenhum "nunca mais jogarei pão em ninguém", fechei o caderno que pertencia ao Irmão, e fui lá pagar a minha dívida.
Ele já estava dando aula, e pediu para eu esperar. Bateu a sineta do recreio e pude então, respeitosamente, entregar o caderno, que ele em silêncio folheou as páginas, de vez em quando me olhando, e eu baixando o olhar envergonhado, torcendo para que ele não notasse que eu havia levado o castigo na brincadeira.
Ele fechou o caderno, depositou-o sobre o livro de chamada, botou a mão no bolso da batina e de lá tirou uma senha. Era da minha coca-cola que eu tinha direito.
Enquanto me entregava, bem sério disse que o pão era uma das dádivas mais valiosas de Deus. Jesus o havia repartido na Última Ceia e distribuído entre os Apóstolos, dizendo: Isto é o meu corpo oferecido por vós; fazei isto em memória de mim...
Tomei minha coca-cola e fui pensando para casa...; nunca mais joguei um pão fora...
Hoje eu penso de novo no pão, em ainda como ele é importante para tantos, pelos que dele necessitam para saciar a fome, pelos que dele necessitam para controlar a fome.
Comemos dele e o usamos, sem lembrar de Deus.
* * *
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