Amanhecer

É o amanhecer que a tudo renova, que a todos empolga, que nos faz recomeçar...

Assim são os alados; assim somos nós...



Amanhecer
(Paulo Boblitz - nov/2005)


A luz caminhava lenta entre as árvores, na medida em que o Sol se erguia devagar. A sombra cedia lugar ao claro, produzindo mais sombras, delineando contornos, estabelecendo formas, apresentando a vida.

Ao longe, os coqueiros mais altos ainda reclamavam aos céus, estendendo suas palmas como dentes-de-leão, esqueletos alongados contra a luz difusa que ao longe aparecia.

Bem perto de mim, a vida a conviver com a morte, o verde contra a raiz seca retorcida, uma amparando a outra, disputando o mesmo dia.

Acima, as nuvens revoltas, matizes do branco ao cinza, em rolamentos suaves caminhando, cerca vaporosa de Deus, separando a Terra do Céu.

Me virei, e a cascata que caía em rugido bom, lançava gotas que teimosas não queriam seguir em frente, formando um arco-íris das cores simples, detalhe do Grande Artista Criador.

O mar desencantava-se calmo por entre as rochas, enquanto a maré não vinha, deixando o verde das algas sobrepor-se ao branco das espumas. O Sol agora já brilhava mais, já tornava cega ou redonda, cada aresta do granito, em eterno confronto com a água que incansável lhes batia.

Andei um pouco, adentrei na mata que foi fechando, senti o perfume do orvalho, do seco que já foi verde, da terra úmida, as folhas caídas abrindo caminho para meus pés, a bruma fria a subir procurando calor, resfriando a fronte, a folha seca a cair, roçando a face.

Segui o caminho em aléia, que algum dia a Natureza plantou, esperando pelo meu amor, pela minha vista alegre, para em versos poder compor, a beleza da Terra só...

O passarinho no galho ainda acordava, sem medo e calmo me observava, esperava pela vida se movimentar, começar a trabalhar, caçar para viver, depois arrumar um par e procriar, passar a vida em frente, deixá-la se criar...

O frondoso caminho agora mergulhava na água, represada suave a encher o que algum dia já foi vazio, espelhada parada sem a brisa, mostrando margens para cima e de cabeças para baixo. No meio em destaque, duas rochas solitárias a conversar, a falar eternamente qual assunto? Não importa, pois o necessário é a companhia, que mesmo mudas, uma faz para a outra...

Abaixei-me e na água de leve toquei, com um dedo apenas encostando, produzindo nela um arrepio, doce onda circular em movimento, correndo em frente até em algo esbarrar, passar seu sentimento e informar...

Sorri para o singelo, a água também vivia, me dava de leve também resposta, baixando a temperatura da pele a tocar, resfriando o ar a entrar em minhas narinas, produzindo vapores em nuvens.

Três toscas árvores serviam, de ponte unindo vias, um guarda-corpo a amparar, quem por ali passar, tornando seguro o caminhar, sem medo do cair, juntando opostos que são lados, formando um caminho só.

Por baixo, pequeno regato a cantarolar, alegre correndo sem parar, sem saber que já encheu mais adiante o lago, firme trabalhador que não cansa, transporta vida morta lá de cima para cá, alimentando vida que aqui embaixo vive. Precisa se organizar, pois vemos galhos antigos nele presos, quem sabe de algumas vezes em que irritado, carregou tudo com muita vontade...

Acima a Lua que ainda não foi dormir, pois a noite já passou e ela continua, teimosa redonda e cheia, querendo brilhar, fazer frente ao outro vigia, agora do dia, nosso querido Sol. Quem sabe é prosa para pôr em dia, dos dois que não se vêem, pois quando um trabalha, a outra está a dormir...

É o amanhecer, que a cada dia se renova, não enjoa; a cada nota solta o som, suave e belo a toar, cada vida a tocar e acordar, ou fazer adormecer... É o amanhecer, prelúdio de um novo futuro a acontecer, mistérios que tornam a vida, linda de se viver...

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