Água mole em pedra dura,
mais parece uma tortura,
vai, volteia,
esperneia,
vem, mergulha, até que fura...
Trilhas de Paulo Afonso - parte iii de iii (Passeio em Paulo Afonso)
(Paulo R. Boblitz - jul/2011)
Paulo Afonso amanheceu chovendo, num domingo bastante preguiçoso, como todo domingo, com chuva ou sem chuva, parece ser.
Oito da manhã e eu ainda estava na cama. Pelo corredor me chegavam os barulhos do dia que começava. Tomei meu banho e fui para o meu café, sempre complicado pelas tantas coisas que os hotéis nos oferecem. Não abusei...
Já estavam arrumando as bicicletas no reboque. Fui até lá e conferi a minha, bem presa entre mais algumas, sendo lavada no andar de cima, das poeiras que conquistou.
Passeamos, nos divertimos andando pelos caminhos de nosso Pai, e nos comovemos a cada metro, porque não estamos com o espírito competitivo, onde só o ego se faz presente.
Passeamos, nos divertimos andando pelos caminhos do Criador, e vamos nos livrando de nossas maldades, nossos egoísmos, nossos poderes e pedestais.
Passeamos, nos divertimos, pedalando e fazendo força, em nenhum momento sofrendo, pois que quem quer sofrer arranja outras atividades, solitárias.
Passeamos, nos divertimos, somos bem acolhidos, pois em todos se vêem os exemplos, principalmente das vontades, das virtudes que acabam transparecendo, pois que nenhum espelho gosta de cicloturista.
Passeamos, nos divertimos, voltamos para casa mais leves, não das gorduras e suores, mas dos humores que escorrem para a terra.
Esse é o segredo que pouca gente enxerga, às vezes até montados em bicicletas bacanas, tecnologias de ponta, leveza em equipamentos e acessórios, mas extremamente pesados em vaidades, em hipocrisias e conchavos.
Passeamos, nos divertimos...
Desatrelamos o reboque do ônibus e embarcamos; já passava das 10 e meia. Paramos para pegar o Guia, antigo empregado da CHESF, hoje aposentado, Seu Antônio, que com orgulho nos foi contando como tudo aquilo aconteceu, embargando a voz sempre que utilizava o pronome "nós", porque foram eles que fizeram...
Já de longe ouvíamos as trombetas, água martelando a rocha, criando asas e voando como leve fumaça, formando o arco-íris, mostrando como o Sol pode ser belo.
Aquilo tudo um dia já foi livre. O homem chegou e conteve, aliou-se à Terra que há muito já não mais resistia, construiu paredões, instalou comportas, fez zunir turbinas, e acendeu as lâmpadas do Nordeste, roubando os brilhos que as estrelas nos lançavam, como chuvas especiais de prata. Hoje elas só piscam em lugares ermos.
Quando enfim voltaram a deslizar, soaram as fanfarras, todas as matracas estalaram, as engrenagens se encaixaram, e o homem apertou o botão. Alegres brincando de escorregador, ao som de um grande baião, as águas partiram branquinhas no xaxado das espumas, pois o mar já estava com saudades, e tudo aquilo que em silêncio havia ficado, nas entranhas desnudadas sem mistérios, voltou a encher...
E homem nenhum, nem terra nenhuma, consegue segurar, tanta água que dança, que rodopia e sai cabriolando pelos rochedos mais arrancando, lascas e pedras, porque água brilha, e por onde passa, deixa tudo lustroso...
Abrem-se as comportas, os trovões ecoam, soltam o capeta que sai em disparada para queimar nos cafundós, porque a hora é da piracema, da pororoca, do milho que no São João vai virar canjica e pipoca...
Velho Chico, você é o doce, você é o leite, o sal e o mel, o viço e o oásis.
São Francisco, o recheio do vale, o sonho molhado, do matuto e da terra seca...
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Essa região parece tão linda, deu vontade de visitar!
ResponderExcluirEmmanuel M. Favre-Nicolin
Blog Vitória Sustentável
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