Trilha de Paulo Afonso - Fazenda Lagoa Funda (ii de ii)

A força do homem reside no querer...

Remove montanhas, abre canais, represa rios...

A força do homem é mais antiga do que se imagina,

desde quando Ícaro quase chegou ao Sol,

maravilhado pelo mundo que Deus criou...



Trilha de Paulo Afonso - Fazenda Lagoa Funda (ii de ii)
(Paulo R. Boblitz - jun/2010)


- Prrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr...

Assim acordei, ao som de um pum rasgado na cama ao lado... Acho que o dono também acordou, creio pelas fortes trepidações que ondas sonoras ricas em energia, costumam produzir e propagar. Ainda farei uma pesquisa da existência de medições deles na escala Richter, resguardando-se é claro, as devidas proporções.

Virei para o outro lado e me protegi, caso viesse algum surto sulfuroso mafioso, já que das profundezas tinha origem... Não, não vou dizer o nome do Peidão...

Era algo em torno das 6 e meia da manhã; o dia prometia, pois além do jogo do Brasil com a Costa do Marfim, visitaríamos o Complexo de Paulo Afonso, tudo escavado em rocha pura, num tempo em que a tecnologia era bem bruta - muitos acidentes graves aconteceram...

Todo mundo acordado, todo mundo de barriga cheia, esperávamos apenas os retardatários - sempre existem...

Lá na calçada, Paulo Afonso acordando num domingo de jogo do Brasil na Copa, uma pequena loja abria as portas para vender as ferramentas de torcida, cornetas, buzinas, bandeiras de todos os tamanhos, muita zoada principalmente.

Omar comprou um diadema com duas pequenas bandeiras para a esposa Carmen, e Fernando, uma pequena corneta de três tons, dizendo ele ser para o filho, mas já soprando a plenos pulmões. Enquanto eles estavam envolvidos com as compras, eu puxei conversa com o dono de uma bicicleta Monark, barra circular, muito bem cuidada com grandes lameiros, dois cadeados para ninguém levá-la, uma pequena caixa sobre o guidão, que guardava um rádio portátil, uma antena estrategicamente instalada, e um velocímetro/hodômetro, a cabo. A bicicleta pesava duas da minha, e quando o dono, todo orgulhoso soube que éramos ciclistas, fez questão que experimentássemos a jóia dele, não sem antes ligar o rádio para que fôssemos escutando. Acabamos cada um, dando uma volta, conquistando mais um amigo feliz...

Enfim partimos em busca do Guia, pois só podemos adentrar ao complexo, devidamente acompanhados por gente habilitada, e uma usina hidrelétrica sempre é cheia de perigos, e precipícios, e turbilhões com milhares de toneladas por segundo.

Adentramos no complexo, não sem antes passarmos no que um dia foi a vila da CHESF, que como qualquer outro empreendimento de grande porte, em lugares ermos, foi obrigada a construir estrutura como cinema, hospital, cooperativa de abastecimento, clubes e principalmente moradias modernas e confortáveis. Construiu também um muro de pedras que ficou conhecido como o Muro da Vergonha, pois separava a vila da CHESF da vila Poty. Isso é História, interessante, e pode ser consultada nos seguintes endereços:

http://www.oschicos.com.br/blog/?p=410

http://www.folhasertaneja.com.br/especiais.kmf?cod=6326019&indice=0

Sem nenhum juízo de valor, afirmo apenas que tomamos nossas decisões segundo o contexto em que vivemos, o momento que enfrentamos, afinal, nunca se agrada a todos...

Nossa primeira parada foi no monumento meditativo, em bronze, do escultor Diocleciano Martins de Oliveira, que se baseou em poema de Castro Alves, simbolizando a luta permanente do Homem contra a Natureza, onde a Sucuri representa a Natureza, e o Touro, o Homem que está sempre tentando dominá-la.

À sua volta, o primeiro sinal de abandono, depois que o município assumiu o lugar, pois o que era um lago lindo, agora está cheio de mato e plantas aquáticas, fruto como sempre, do descaso das coisas que são ou que se tornam públicas.

A primeira coisa que o Guia nos chamou a atenção, foi para o paredão de contenção das águas, totalmente em concreto, a nos acompanhar pela esquerda durante todo o trajeto, desculpem-me a memória, o maior do mundo ou da América Latina.

Descemos do ônibus e o barulho das águas abundantes jorrando se fez ouvir; estávamos em época normal de vazante, mas quando o volume é de cheia, as comportas liberam muitos barulhos. Duas grandes bocas liberavam para o precipício do cânion, espumas brancas oxigenadas, a formarem um lindo mini arco-íris.

O cânion vem sendo formado há pelo menos 65 milhões de anos, muito tempo a polir, produzir arestas, quebrar, destruir aquelas todas pedras, que são de um colorido ocre especial, como se fossem de mármore. Quando descarreguei minhas fotos para o computador, achei que a minha máquina tivesse sofrido momentâneo defeito, mas comparando depois com as outras fotos batidas pelos amigos, constatei que a cor é singular, bela e cheia de personalidade - minha máquina havia sido perfeita...

Como não podemos ser felizes em cem por cento, descobrimos que o bondinho estava em manutenção; ele nos transportaria sobre o cânion, de um lado ao outro, dando-nos uma visão panorâmica das tomadas de água das usinas I, II e III. Adentramos ainda no túnel que nos leva às turbinas da usina IV, também parada em manutenção, onde deve ser grandioso o sentir trepidar do caudal a passar por todas elas. O Guia também não nos mostrou a Furna do Morcego, onde Lampião se escondia, porém, numa de minhas fotos, a grande gruta aparece...

Estávamos na ilha dos Urubus, eu a fotografar um bronze comemorativo à visita de Dom Pedro II, enquanto à minha direita, João de Deus começava a ler a poesia de Castro Alves:

- Enfim a terra é livre, enfim lá do caralh... Oxente!!! - exprimiu parando de ler.

Parei minha foto também, ao tempo em que me voltava intrigado para o que o João lia...

- Calvário!, João..., Calvário... - e caímos os dois nas gargalhadas...

Naquele canto, pelo outro lado do rio, Angiquinho, a primeira usina hidrelétrica do Brasil, construída com recursos próprios pelo cearense Delmiro Gouveia em 1913, industrial visionário que gerou energia para sua indústria de tecelagem.

Precisávamos partir, pois almoçaríamos no meio do caminho, onde assistiríamos o jogo. Devagar fomos percorrendo os meandros margeados por rica vegetação, cruzando precipícios através de pequenas e estreitas pontes metálicas, até desembocarmos no lago da usina IV, onde saboreamos um caldo de cano feitinho na hora.

Ainda faltava o reboque com nossas bicicletas, guardado na casa de Ada, desde a noite anterior, e para lá seguimos, onde encontramos a irmã dela, a Delma Campos, que não pôde pedalar conosco como estava previsto.

A casa é ampla e tem uma marquise no portão da garagem, o que nos obrigou a retirar as bicicletas do andar de cima do reboque, quando nela entramos naquela noite passada. Assim que chegamos, Bruno, Vovô, Fernando e João de Deus, acompanhados pelo Caldas, começaram os preparativos para se aprontar o reboque.

Bruno subiu e caminhou até o fundo, mas como o reboque não estava atrelado, como se uma gangorra, levantou a parte da frente, arriando a traseira, o que produziu um susto danado em todo mundo. Efeito contornado, embarcaram as duas únicas bicicletas, pois as outras estavam todas no andar de baixo.

Conversávamos sentados na varanda, eu, Omar, Rosita e Delma, quando ouvimos o João de Deus soltar a bronca:

- Quem foi o jegue que montou as bicicletas aí em cima, antes de passarmos pelo portão..?

- Você mesmo! - responderam o Omar e o Fernando ao mesmo tempo, enquanto ao som das tantas risadas, todo aquele trabalho era desfeito.

Num mutirão, interrompemos nossas cervejas para empurrarmos o reboque para fora, onde finalmente o atrelamos ao ônibus; nos despedimos e partimos, enfim precisávamos chegar em algum restaurante que tivesse uma televisão, o que só aconteceria logo depois de atravessarmos a ponte em Xingó.

Como as cervejas haviam sido abundantes, a bexiga, a minha, logo se fez presente reclamando. No meio da bagunça, avisei que precisava dar uma parada. Caíram todos em cima de mim, pois eu tinha que agüentar. Eu então agüentei...

- Pessoal, eu tenho que fazer xixi... - mais na frente reclamei, e de novo me pressionaram...

- Pessoal, se não pararem esse ônibus, vou fazer xixi aqui dentro!

Caldas parou e foi uma fila atrás de mim, cada um em busca de sua própria moita. Estavam todos também apertados...

- O único mijão sou eu, né!? - perguntei, enquanto que sem-vergonhas, apenas sorriam...

Partimos, e mais paramos atrás de moitas, para desespero do Caldas, que não entendia que tantas necessidades eram aquelas.

Enfim chegamos ao Restaurante e Churrascaria O Gamelinha, ao som de cornetas e cervejas; o jogo estava prestes a começar...

Fiquei na cabeceira e Fernando sentou ao meu lado, ele com sua corneta de doido. Gilton, mais adiante, sacou da sua, e o barulho se confundiu com as buzinas que vinham da África do Sul. Num instante, Nando, o proprietário, reavivou as chamas da churrasqueira, Rose sua esposa, convocou as moças Mônica e Micaelle, e começaram a se revezar trazendo os pratos. Damon e Talita, suas crianças, nos observavam com curiosidade e alegria, principalmente o Damon, que fazia festa a cada grito de gol.

Ao som de um almoço farto e gostoso, e ao sabor de uma vitória que foi se consolidando pouco a pouco, não sabíamos se torcíamos ou comíamos, bebendo em brindes aos belos lances, exaltando-nos a cada falta maldosa. No meu pé do ouvido, Fernando soprava aquela insana...

O jogo terminou, enfim partimos, agora todos mais alegres, pela vitória e pela barriga, num gostoso sono a sonhar com a próxima trilha. Começou a fazer frio e me cobri com um cobertor, logo pegando no sono como todos os outros. Acho que chegamos em Aracaju por volta das 8 e meia da noite.

Programa de índio? Não; apenas programa de ciclistas...

* * *

3 comentários:

  1. Obrigada pelo teu comentário no meu blog. Vou colocar o teu blog entre os meus links recomendados para passar por aqui sempre! beijos e o teu blog também é muito interessante!

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  2. Esse é o nosso blog de poesia: http://materdesign.blogspot.com/

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  3. Eu amei, pois ele me ajudou muito em meu trabalho escolar.
    Estive lá em 06/10/2011.

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