Trilha S.E.BO.S

Fazer dieta é ruim,

faz sofrer, faz restrições...

Pedalar por prazer,

faz alegrias, queima calorias...

PENSE NISSO...


Trilha S.E.BO.S
(Paulo R. Boblitz - 3/fev/2013)

Mal passara a trilha em Dores, Ricardo Hsu já me convidava para mais uma: a S.E.BO.S, que não tem nada a ver com aquela substância que nossas glândulas sebáceas produzem, e mesmo assim que não o expilamos durante os esforços...

S.E.BO.S é um conjunto de três iniciais de três cidades: S de Salgado, onde ela inicia, E de Estância, BO de Boquim, terminando em S de Salgado.

Gosto muito de meu Anjo da Guarda, e vivo mesmo falando bem dele, afinal foi ele quem me prendeu no trânsito, justo no dia da trilha noturna de Lagarto. Explico: estou achando que a minha professora no Pilates, a Dra. Marcela, da Clínica Vida, Corpo e Beleza, está chateada comigo.

Explico de novo: é que ela está botando para quebrar em cima de mim...

Na terça-feira, colocou-me para fazer uns abdominais; dia seguinte, o da trilha, toda a parte do peito e costas, estava dolorido, principalmente na hora de respirar. Na quinta-feira, colocou-me sobre um Cavalo e mandou que eu levantasse a bunda dele, com a força das coxas. Resultado: dia seguinte eu estava manco...

Dor é um troço que vai passando devagar, e no domingo quase nada doía. Iniciamos a trilha e tudo foi bem até Estância, mas a dureza acordou esses fantasmas e eles começaram a agitar. Do que mais precisamos em exercícios pesados em bicicleta, são respiração e coxas, e os dois fantasmas estavam assombrando justamente nesses lugares...

Logo bem cedo, 5 e meia da manhã, partíamos em comboio. Hsu a carregar Taíse, Lucas e Rui. Num outro carro iam Leonardo e Malone, e no meu, sozinho ia eu. Tato como sempre, atrasado; ligou dizendo que nos encontraria lá. Marcelo já nos aguardava em Salgado. Tomamos um café da manhã rápido e logo partíamos, com Tato nos ultrapassando com o carro dele, mais na frente descarregando o Regi, e novamente nos ultrapassando para guardar o carro numa fazenda à frente. Em pouco tempo, todo mundo estava reunido, mas não por muito tempo, pois a competição em quem compete, está sempre presente. Assim, dispararam Marcelo, Rui, Lucas, Malone, Tato e Regi. Cá atrás, bem moderados, Hsu, Taíse, Leonardo e eu. O dia prometia em mormaços...

De Salgado até Estância, existem as subidas, mas a predominância é a da descida. Seguimos por estradão em piçarra, fazendas verdes, um grande rio seco que não consegui descobrir o nome. Nosso primeiro povoado foi Moendas, e depois os vários que se seguiram, não dava tempo de perguntar...

De Estância para Boquim, pelo asfalto, a coisa apertou, pois que era um sobe e desce atrás do outro, subindo... Em Boquim demos uma pequena parada para reabastecimento, pois não havia carro de apoio. Tomamos sucos de caixinhas, toddynhos, água, mariolas, barras de cereais, biscoitos e sabe-se lá mais o quê...

Naquelas alturas, o mormaço e os fantasmas me encurralavam. Taíse demonstrava um bom pedal, e de fato pedalou muito bem pela trilha inteira. Leonardo não transparecia, mas estava também baleado. O resto, bem, esse não estava nem aí... Aparecessem coqueiros, e eles os escalariam... O Lucas, um graveto de magro, esse passou por mim umas cem vezes... O Tato, esse eu passei por ele uma porção de vezes, sentado à sombra, sorridente, mangando de mim, que mais um pouco passava deixando-me novamente para trás...

Ricardo Hsu revezava-se lá e cá, o cá, evidente que comigo; o lá, com Taíse e Leonardo. O fato é que o Chinês é incansável, pertinho dos 47 anos, Campeão, Bicampeão, Tricampeão em Mountain Bike, em inúmeras provas e cidades desse nosso Brasil, já recuperado de uma fratura da clavícula na prova do Crato, Ceará, voltando à forma...

Partimos para a última etapa, Boquim - Salgado, estradão em piçarra, uma subida forte logo no início, que subi empurrando; os fantasmas devem ter achado muito engraçado, e depois, só subida, lançadas como explicou o Hsu, definindo o termo para toda e qualquer subida longa. Longa ou curta, subida é subida, metros onde a Gravidade impõe limitações e energia, bastante energia medida em paradas, goles d'água, reposição do coração...

Havia parado para fotografar pôneis, coisinha pouca antes da ponte do rio Piauí, e o pneu dianteiro começou a esvaziar. Estávamos na segunda travessia daquele rio, quilômetro 61,8 da trilha (a primeira foi quando nos dirigíamos para Boquim). Dei sorte, porque Leonardo e Malone também tinham tido a mesma idéia. Procuramos uma boa sombra e trocamos minha câmara de ar, onde Malone foi uma grande ajuda, fazendo a maior parte do trabalho, inclusive a mais ingrata, o novo encher do pneu...

Partimos e logo meu telefone tocou: era o Hsu perguntando onde estávamos. Diante da minha resposta, informou:

- Ok! Estamos aqui no fim da subida, esperando...

A espera foi providencial, porque mais um pouco à frente, cerca de 10 quilômetros faltando para o término da trilha, as pernas do Leonardo travaram com fortes cãibras. Quem sabe o que é uma cãibra, conhece os espasmos que ela produz, bem como as dores lacerantes que ela impinge. Seja ela o que for, para mim é um ultimato do corpo avisando que basta, pois daí em diante será pauleira, músculos involuntários avisando que limites foram ultrapassados.

Malone deu uma banana, a fruta, para o amigo, enquanto Taíse, ali próxima, retornava para também ajudar. Cãibras são horríveis e ficamos impotentes diante delas. Não havia o que fazer, e resolvi adiantar, devagar o que já estava difícil para mim, encontrando Hsu e Lucas um pouco mais à frente, quando parei e relatei o acontecido. Eles retornaram e segui em frente, rendimento cada vez pior, ladeiras lançadas que não terminavam, calor e sol na moleira tentando esquentar a vontade, mas essa estava bem protegida, à sombra do capacete, da fralda que completamente encharcada de suor, já não segurava o líquido salgado que nos arde os olhos.

O primeiro a me ultrapassar foi o Lucas, depois Malone, depois Hsu e Taíse, que me informaram que o Leonardo estava sendo resgatado numa moto, e que me esperariam numa pequena fonte de água mineral, já em Salgado.

Sozinho e sem perigo de me perder, segui com meus botões até que pelo retrovisor enxerguei a moto que buzinando muito, passou levando o Leonardo e sua bicicleta na garupa. Tudo estava terminando bem; faltava apenas o meu término, que a três quilômetros apenas para o final, achou de desandar. Fiquei muito tonto e com vontade de vomitar, pois que bebia água, muita água e a sede não passava. Parei sob uma sombra, à frente de um alpendre com uma cadeira convidativa, mas contive-me ali mesmo com a bicicleta, pois o dono da casa não tinha nada a ver com aquilo. De pé, apoiei-me na boa amiga e aguardei por alguns minutos; fizemos uma boa dupla em V invertido, e a coisa toda foi devagar passando. Resolvi andar um pouco, misturar as coisas, restabelecer a boa circulação das pernas, mas isso pouco adiantou, parando na primeira sombra que encontrei. Por sorte, não havia nenhum cão indisposto a me fazer barulhos...

Esperei mais um pouco e me resolvi: ou morria na praia, ou montava e seguia em frente para terminá-la. Montei e pouco mais à frente, encontrei Hsu e Taíse me aguardando. Foi um gostoso encontro, como estar em casa... Na pequena fonte molhei minha cabeça, lavei o sal da face, criando novo ânimo. Montamos e partimos, afinal o fim não havia chegado ao fim.

Lá no posto onde iniciamos a trilha, há muito que nos esperavam. Fui o último a chegar... Tato mexeu comigo e eu o mandei à merda, uma boa merda sem maldade...

Próxima trilha que eu fizer, vou me utilizar do doping: vou levar rapadura...

Iniciamos nossa trilha às 6 horas e 59 minutos; eu a dava por encerrada às 14 horas e três minutos, não porque mandasse nalguma coisa, mas por apertar no botão Stop do GPS. A solidariedade agora sorria, cedia vez às brincadeiras, às pilhérias, e em pouco tempo rumávamos para o nosso almoço, onde Hsu me deixou pensativo quando virando para a colega Taíse, por ela ter raspado o prato, disse:

- Você comeu como uma chinesa...

E todos quiseram saber o que isso significava...

- Já pensou se os cerca de 1 bilhão e 350 milhões de chineses, deixassem 1 grão de arroz no prato, todos os dias..? - respondeu perguntando.

Por algum momento ainda tentei imaginar o tamanho da safra, apenas para cobrir tal desperdício, mas estava muito cansado e faminto. Fica aqui o desafio, o de se calcular quantas toneladas, 1 bilhão e 350 milhões de grãos de arroz, multiplicados por 365 dias, representam...

Eram quase 4 horas da tarde quando finalizamos o nosso almoço; chegava a hora de voltarmos para nossas casas. Eu estava muito feliz; havia vencido a SEBOS...

Ao todo, e falo isso por mim, pois todos, feras nos pedais, completaram a trilha em bem menos tempo. Pedalamos 82,52 km. Meu tempo de pedal foi de 7 horas e 4 minutos, numa velocidade média de 11,7 km por hora. Queimei 6.728 calorias. Subi acumulados, 889 metros, numa trilha que achei bastante difícil, pelo calor, relevo, distância, e pelas tantas costelas de vaca, que ainda hoje chacoalham meu juízo...

Na hora do banho, pesava apenas 88 kg. Hoje, um dia depois da trilha, já recuperei 1 quilo...

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