Trilha noturna em Nossa Senhora da Dores
Qual a diferença de tua noturna balada,
para a minha suada noturna pedalada?
Sim, ela existe, e é muito grande...
Enquanto a balada, em sorrisos, vai contra a saúde,
fluímos nos pedais, em sorrisos, a favor da saúde...
Trilha noturna em Nossa Senhora das Dores
(Paulo R. Boblitz - 26/jan/2013)
Janeiro foi um mês movimentado; só não foi mais porque fiquei preso no trânsito, perdendo a trilha noturna em Lagarto, no dia 30. De 1 a 5, pedalava até Lençóis, 19 e 20, ia até Paripiranga e voltava, e 26, girei pelos campos escuros de N. Sra. das Dores.
Comi bastante poeira sim, mas estive feliz.
Já na ida, acompanhando o Ricardo Hsu, ia namorando uma ladeira, uma looonga subida, e absorto fiquei para trás. Acordei com a ligação do Hsu, perguntando onde eu estava... Apertei o pé e mais um pouco encontrava com todos, parados num posto de combustíveis à entrada de Dores.
Na verdade o que eu queria mesmo era ter ido pedalando, fazer a trilha, descansar numa pousada e no dia seguinte voltar pedalando, mas meus dedos mínimos e anelares ainda estavam adormecidos do pedal até Lençóis. Isso acontece com pedais longos, por comprimirmos os nervos ulnares no guidão, desaparecendo o formigamento aos poucos, com o tempo.
Foi bom não ter ido pedalando, porque a trilha não foi fácil.
Hsu e Rodrigo criaram o OVER 100 KM Mountain Bike Team, uma dureza acompanhá-los, mas Hsu quando me convidara, havia informado que seria em ritmo de passeio. Ele já sabia que eu conseguiria chegar onde ele chegasse, mas com o meu ritmo, e acabei não dando muita bola para o aviso, mas sorri quando alguém lá no passeio, já todo quebrado, o questionou:
- Hsu!, você não disse que era um passeio?
E Hsu respondeu:
- Eu não disse que era um passeio. Eu disse que era em ritmo de passeio...
Três dos integrantes, Rivaldo, Victor e Rui, foram pedalando de Aracaju até lá. O restante, havia ido de carro.
De Dores, participaram:
Nilson, Valdenor, Edmilson, Almir e Vismonde
De Aracaju, fomos:
- Hsu, Emanuel, Samuel, Luciano, Alécio, Lealdo, Adelmo, Rodrigo, Rivaldo, Victor, Rui e eu
Dezessete pessoas ao todo, piscando suas lanternas e faróis pelos prados escuros, para inúmeras interrogações de cavalos, burros, vacas e bois, sempre próximos das cercas a nos encararem com atenção. Até os cães nos estavam achando esquisitos e de outro planeta... Creio que já devem ter nos esquecido e voltado às suas vidas normais, olhando para baixo em busca de verde, sem ver a vida passar...
O início da minha trilha foi tenso, porque meu farol não estava assim tão forte. Meus pneus também ricocheteavam nas pedrinhas redondas do estradão. Parei e enfiei a unha em cada pito, secando-os mais um pouco. Agora era questão de acostumar os olhos à modesta iluminação da Lua cheia, cuidando dos buracos e das valas, das areias frouxas que logo apareceram, das pedras maiores, curtindo a temperatura gostosa que passava em sopro...
O céu estava esbranquiçado pelas nuvens altas, ralas como um grande véu, escondendo todo o firmamento; não consegui ver a Via Láctea, mas vi Feira Nova, São Miguel do Aleixo, a própria Dores, N. Sra. Aparecida, Ribeirópolis, Itabaiana e parece-me que também Moita Bonita, ilhas luminosas num oceano escuro, onde só a prata da Lua aparecia, para quem para ela olhasse...
Ao longe as luzes amarelas boiavam na imensidão que as cercava, pérolas de um grande rosário onde a vida já quase dormia. Olhei a hora, mais de 9 e meia da noite...
Pertinho das 10 da noite, perdíamos tudo o que havíamos conquistado, descendo para molhar os pés no rio Sergipe, estreito com pouco volume, mas já bem longe da nascente na Serra Negra, na Bahia. Novamente perderíamos tudo para atravessá-lo mais adiante, faltando 15 minutos para a meia noite, desta vez ele mais espraiado, mas ainda com pouco volume d'água. O rio Sergipe é aquele que passa majestoso bem em frente de Aracaju, lançando-se ao mar numa das consideradas perigosas barras do Brasil.
Dessa vez eu apeei da bicicleta, porque todo mundo tem sua loucura em certo nível. Aquilo não era descida, mas sim degraus de areia branquinha, talvez silte, com voçorocas piorando suas travessias, formando uma rampa respeitável em declive, e quedas, juro que naquela noite eu não desejava nenhuma.
Subir no outro lado também não foi fácil, pés encharcados chapinhando dentro dos tênis, pedais estreitos com peças plásticas cobrindo os tacos. Não arrisquei de novo, desci e empurrei... Na verdade, toda subida em que minha roda dianteira empina, não discuto com ela, não perco tempo em querer domá-la. Não estando em competições, desço e empurro, até porque faz bem ao coração, à circulação das pernas...
Não sei em qual povoado encontrei próximos de uma simpática igrejinha, boa parte da turma, nos aguardando. Havia retardatários para trás, e resolvi seguir em frente. Ensinaram-me o caminho e me avisaram de que eu sairia num outro povoado. Fui devagar sem nenhuma pressão, cheguei num declive que me fez descer um bom bocado, e novamente uma subida íngreme e esburacada, com quem também não discuti. Quando já estava lá por cima, num canto bom que dava para novamente montar, vi um farol subindo, e o achei bem rápido. Interrompi o movimento apenas para descobrir quem seria aquele animal com pernas tão possantes, mas era apenas uma motoneta Biz, que passou cumprimentando-me, deixando-me sorrindo sozinho com a minha miragem...
Montei e continuei, chegando finalmente no último povoado antes de Dores, mas ele tinha logo na entrada, uma bifurcação, daquelas que se escolhermos a errada, damos com os burros, com os jegues, com os cachorros, bem dentro d'água. Sozinho no escuro, numa terra estranha, embora tentado a seguir pela da esquerda, a do coração, pensei melhor e resolvi esperar. Primeiro foi um, depois mais outro, e um terceiro e daqui a pouco, a cachorrada inteira do povoado se achegando para mim, todos latindo indignados, de todas as direções, portanto difícil de tomar conta só de um. Um encorajando o outro, ou um querendo ser mais valente que os outros, o certo é que o limite da segurança estava prestes a ser ultrapassado. A bicicleta estava encostada num pequeno cruzeiro, então bruscamente dei três passos para a frente e abaixei-me para pegar uma pedra, e de fato peguei, tornando-me agora na ameaça. Cães não são burros, e afastaram-se, mas continuaram latindo. Eu já estava há pelo menos uns 15 minutos, já de saco cheio de tantos latidos, mas agora com uma outra preocupação: levar um tiro de graça...
Mais um pouquinho, o primeiro LED branquinho incerto, apareceu meio tímido na leve subida de paralelepípedos. Pouco mais atrás um segundo, e o terceiro, o quarto, enfim a turma toda bufando, para a minha felicidade. Se antes a cachorrada estava em polvorosa, agora ficaria louca com tanta gente estranha... Não estavam todos ali; lá atrás, escoltados pelo Hsu e acho que pelo Adelmo e Vismonde, dois ciclistas devidamente quebrados. Para não cometer injustiça, aqueles dois não fazem parte do OVER 100 KM. Sabem aquela pergunta que havia sido feita ao Hsu? Pois é, aconteceu ali naquele entroncamento...
Bem sei o que é andar atrás de um grupo, que anda e a gente se arrasta. Com os dois descansados, partimos e resolvi ser solidário a eles, permanecendo com o Vismonde, sobrinho de um deles, enquanto todos se adiantavam em busca da pizzaria que já queria fechar. Dores já estava pertinho; faltavam só mais duas ladeiras, mas cansaço é traiçoeiro, é criminoso. Creio que aqueles dois estavam já exaustos, mesmo Vismonde os empurrando. Que comessem todas as pizzas, mas precisávamos abaixar o ritmo...
Finalmente chegamos naquele entroncamento logo no início da trilha, quando pegamos à direita para fazer a grande volta que fizemos. Agora era dobrar à direita novamente e começar a passar pelos primeiros postes da cidade, lançando-nos suas solitárias luzes, já madrugada, pertinho das duas da manhã... Naquele dia, acho que acordamos muitos galos pelo caminho...
Sentamos ainda a tempo de comermos a nossa pizza, mas o que vale mesmo são as histórias de como um conseguiu cair para trás, quando a roda dianteira, impulsionada por uma pedra, catapultou tudo para cima; quando um mais afoito já terminando a trilha, naquele dito entroncamento do início da trilha, em vez de seguir pela direita, começou a fazer a trilha novamente; como aquele que ao tentar vencer o desnível da estrada, desviando da lama mais à frente, caiu porque a sapatilha não desclipou, momentos em que as risadas não debocham, pois não existe um que não tenha já passado por vexadas ocasiões. Não achamos engraçado o ridículo, mas tão apenas o fato, o jeito do sujeito levantar batendo a poeira, ou levantar posicionando a bicicleta para o rumo errado, até mesmo dos "úis" proferidos enquanto a ação se desenrola.
A graça existe porque tudo, na verdade, é engraçado...
Esse é o mundo das bicicletas, solidário, sorridente, sem frescuras, autêntico e cheio de gozação, onde, confesso, o mais gostoso é desconcertar a quem acha que o Coroa não vai conseguir...
Pedalamos 51,57 km, debaixo de uma grande Lua prateada, sob aplausos de grilos, jias e sapos, olhares interessados dos muitos rebanhos ao longo das tantas cercas. Subimos e descemos, corremos e até andamos, numa velocidade média de 9,6 km por hora, durante longas 5 horas e 23 minutos, queimando 2.332 calorias, subindo 726 metros acumulados.
Sentado a comer minha pizza, o frio já começava a apertar; era o sangue de todo mundo circulando menos, o fogo de todos voltando à chama piloto, aquela que sempre está acesa... Era hora de voltar para casa...
Já estava quase entrando em Aracaju, quando a esposa me ligou; queria saber onde eu estava, não aquele querer saber porque quer uma satisfação, mas aquele da preocupação. De bicicleta, passamos a noite fora de casa, farreando, e a esposa não tem ciúmes...
De manhã, ela torcia o nariz para os tênis e meias cheios de lama, tralha espalhada pela sala de jantar, lá mesmo onde guardo minha amiga, limpinha cheirosa, ou suada toda suja. Era domingo, dia do sono se estender até cansar...
* * *
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kkkkkkkkk esse passeio foi inesquecivel,gostei muito de participar fico esperando o proximo convite.val obr (valdenor)
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