alguma coisa têm em comum...
A bicicleta reúne as duas,
num tempo só, comum às duas...
Passeio noturno Lagarto - São Cristóvão
(Paulo R. Boblitz - 22 e 23/fev/2013)
Conversava com o Ricardo Hsu, quando ele me lançou o convite para participar daquele passeio. Interessado, perguntei como seria.
Ele estaria seguindo para Lagarto, pedalando; esperaria pela hora combinada e sairia junto com a Turma Da Bike Lagarto, para a cidade de São Cristóvão, que todos os anos promove uma grande festa em homenagem à sua Padroeira. De São Cristóvão, retornaria pedalando para Aracaju, logo depois do café da manhã.
Enquanto ele explicava, aquela coceira conhecida despertava, e já ia me imaginando também a fazer o mesmo pedal...
Apareceram compromissos e o Ricardo Hsu não pôde ir, mas eu já estava decidido; seguiria só.
Trabalhei até as 2 da tarde, indo para casa trocar de roupa e de carro, substituindo aquele de muitos cavalos, por aquele de um cavalo só, aquele que queima o próprio combustível, que usa os poros como escapamentos, vez ou outra bebe água e sai novamente encarando todas as ladeiras, se contra o vento, melhor ainda...
Montava e partia às 3 e sete, debaixo de um mormaço de uma tarde nublada a antever alguma chuva pelos próximos dias. Sair da cidade é o pior pedaço, por conta de tantas vias de acesso, pelos tantos sinais que amontoam carros, pela atenção redobrada, mas em pouco tempo eu desenvolvia solto e tranqüilo pelo acostamento. Agora o vento fluía e comigo conversava...
Em pouco tempo chegava em Itaporanga d'Ajuda, e nela entrava, pois seguiria pela estrada do Sapé, mais montanhosa, sem acostamento, porém sem trânsito que incomodasse. Ao pé da boa ladeira que nos leva à antiga Estação, parei e bebi água, sorri para a subida, montei e a conquistei, e dela em diante não parei de continuar subindo. Eu estava com pressa, pois a noite desceria e me complicaria a vida. Assim, quanto mais próximo estivesse de Lagarto, melhor seria.
A noite se me achegou entre os povoados Brasília e Urubutinga, obrigando-me a conter a bicicleta, sempre quando me aparecia alguma descida. Desde que passara pelo povoado Sapé, vinha observando grupos de pessoas andando pelo asfalto, e logo me dei conta de que poderiam estar seguindo para São Cristóvão. Carregavam mochilas, garrafas d'água e belos sorrisos estampados, e lembrei-me de Santiago de Compostela, completamente assado depois de ter andado 41 quilômetros, calçado com botas confortáveis, mochila apropriada, praticamente vestida como se uma camisa fosse. Esse pessoal andaria quase 70 quilômetros, alguns calçados com sandálias havaianas...
Mas a fé e a loucura, sempre que podem, encontram-se de vez em quando, aliás, a loucura vive se encontrando com outros sentimentos e atividades, principalmente com o amor...
Fiquei alegre quando avistei as luzes de Lagarto, como estrelas brilhando no manto escuro da noite, mas luz é algo que caminha sempre em linha reta; eu necessitava contornar muitas curvas ainda...
Cerca de um ano atrás, havia pedalado até Lagarto, lembrando-me que havia um pequeno trecho em paralelepípedos. Dele em diante, seria uma gostosa descida e praticamente já estaria em Lagarto, mas onde estava Urubutinga, tão demorada? Quando ela chegou, novamente chegaram as luzes de Lagarto. Bebi água, enxuguei o suor e novamente parti, ao som de cães que me latiam destemperados. A descida começou e segurei nos freios, pois a Lua, quase cheia, brilhava atrás de um grande véu de nuvens, não ajudando em nada. Cheguei no entroncamento com a rodovia João Paulo II, e lá estava um carro aguardando a vez para entrar. Parei ao lado dele, aproveitando para também beber um pouco d'água. Para a direita, ficam São Domingos, Campo do Brito, e por fim, Itabaiana. Para o lado esquerdo, lá no alto, Lagarto que me esperava. O carro lançou-me duas buzinadas e seguiu seu próprio caminho; não deve ter visto meu cumprimento...
Passei em frente a um grande cemitério, e dessa vez, se o coveiro estivesse me olhando, por certo não me chamaria. Cheguei numa avenida larga, e nela resolvi entrar. Parei numa pequena farmácia, onde uma bonita e simpática moça ensinou onde ficava o La Massa, lugar onde eu queria comer aquela macarronada cheia de tudo, menos carne vermelha. Passava pouquinha coisa das 7 e meia da noite, quando já sentado aguardando meu pedido, desliguei o GPS.
Havia pedalado 79,8 quilômetros, em 4 horas e 13 minutos, com uma média de 18,9 km/hora, queimado 3.683 calorias, subido 623 metros acumulados. Estava inteiro e com muita fome...
Acabei a macarronada, a jarra de suco de laranja, e liguei para o Júnior Bike, o único que eu conhecia, aquele que me consertara o cubo traseiro, livrando-o das esferas facetadas que tanto me incomodaram quando voltava de Paripiranga. Ensinou o caminho e para lá segui. Instalou o farol que havíamos combinado, deixei a bicicleta em sua oficina e saímos para conhecer a cidade, parando depois no ponto de encontro de todos que participariam daquele pedal noturno. Aos poucos foram chegando, e aos poucos fui sendo apresentado, mas foram muitas pessoas, quase ao mesmo tempo.
Estava na hora de buscar minha bicicleta, e em pouco tempo retornava, já com o sangue agora a correr mais forte, aprontando o corpo para a nova empreitada. Lá na praça, descobriria que não se tratava de uma padroeira, mas sim a Festa de Nosso Senhor dos Passos, festa tão antiga quanto a cidade de São Cristóvão, a quarta cidade mais antiga do Brasil, uma das duas festas católicas mais importantes de Sergipe, que reúne cerca de 70.000 fiéis, onde 30 por cento dos romeiros vêm de Lagarto e cidades vizinhas.
O Turma Da Bike Lagarto já fazia esse pedal há 7 anos, e esse seria o oitavo. Partimos, e com todos eles fui seguindo, esquentando as pernas devagar, um grande número de ciclistas-romeiros, algo em torno de 45 a 50, alguns da Colônia 13, e eu de Aracaju. Bem organizados, vi três carros de apoio, num deles um Policial para a segurança, e num outro, melancias, laranjas, bananas, gelo e muita água. Os mais empolgados disparavam na frente; os mais lentos eram escoltados pelo último carro de apoio, o mesmo que me iluminou próximo de Itaporanga d'Ajuda, quando meu pneu furou. Por três vezes o enchi e saí disparado, pois não queria atrasar o grupo, mas pneu esvaziando pesa muito, e minhas forças chegaram mesmo a perigar, pois obrigava-me a sair do meu ritmo. Em Itaporanga, local bastante iluminado, enquanto todos aguardavam pela viatura da Polícia Rodoviária Federal, que nos daria segurança na BR até a entrada para São Cristóvão, troquei minha câmara de ar, enchendo pela quarta vez, aquele pneu endiabrado...
Havíamos, até ali, no sentido inverso que eu havia feito à tarde, cruzado parte de Lagarto, passado pelos povoados Urubutinga, Brasília, Sapé e agora estávamos em Itaporanga, última cidade antes de São Cristóvão. Em todos os povoados, parávamos para que todos fossem reunidos e abastecidos.
Próximos da entrada para São Cristóvão, quando deixaríamos a BR, a chuva resolveu cair, fina no início, grossa até parar. São Pedro resolvera nos molhar, talvez atrapalhado pela própria idade, confundindo noite de luar com tarde quente cheia de nuvens. As águas começaram a pingar do capacete, misturando o doce com o sal, resfriando o corpo, revitalizando a alma, que agora molhada, ganhava fôlego extra. Paramos num posto de combustíveis, aguardamos os retardatários e novamente partimos. Preocupado com a bateria do GPS, o desliguei para poupá-la, lembrando-me de acioná-lo dois quilômetros à frente, uma perda de dados insignificante.
Para São Cristóvão, a ladeira é leve, mas longa, em linha reta, o que me encheu os olhos com tantas luzes vermelhas, todas piscando, como tremeluzem as velas de uma grande procissão, corações palpitando sobre uma bici, romeiros devotos ou somente ciclistas, que vêem festa em todo e qualquer motivo para pedalar. No final, a subida apertou, mas tão somente para nos informar que tudo estava quase terminado, pois São Cristóvão aparecia mais embaixo, e suas igrejas antigas, sobre os cumes mais altos. Faltava pouco e agora era só descida, mas ainda restava uma, a última, empinada e bem curta, que só alguns poucos venceram. Quando ela apertou, desci e continuei empurrando. Reunimo-nos todos na grande calçada da igreja matriz, que fica defronte de uma praça bonita e bem cuidada, palmeiras imperiais, novas e antigas, barraqueiros por ali dormindo, 5 horas da manhã, ainda escuro pelas nuvens cinzentas que prometiam chorar...
Agora fazíamos hora para chegarem as seis horas, hora em que o Banho do Pinto abriria, hora em que estava prometido o café da manhã, para alegria de minha barriga, que já dava sinais de mau humor...
De tantas bicas naturais instaladas, apenas três despejavam seus gelados cursos de água mineral, sinal de que o verão apertava há um bom tempo. Pensei melhor e fiquei sem o banho, pois voltaria molhado para Aracaju.
Mais um pouco, o caminhão que levaria as bicicletas de volta, chegou, e quase todas foram embarcadas, pois alguns retornariam pedalando. Chegou também o ônibus. A nossa festa estava chegando ao fim; agora seriam só histórias de retorno...
Arrumei-me, vesti as luvas e despedi-me de todos, não sem antes receber alguns convites para novos passeios, que confesso esforçar-me para com eles novamente participar, pois ali virei Coroa e Tio de muitos jovens, todos imbuídos de somente alegrias e participação, praticando amizades, tanta organização quase de graça... Esses são os genuínos Pedais, preocupados apenas no exercício de bem exercitar músculos e mentes, amizades e sorrisos.
Ao todo, percorremos 66,30 quilômetros, em 4 horas e 44 minutos, subindo 403 metros acumulados.
Parabéns ao Turma Da Bike Lagarto, pois a festa foi muito bonita. Parabéns a todos os participantes que emprestaram seus brilhos ao Grupo. Obrigado por me acolherem..!
Montei e parti, porque ainda havia um bom caminho até em casa...
Preferi voltar pela BR-101, volta mais longa, porém sem as tantas ladeiras emburradas da rodovia João Bebe Água, afinal naquele dia já havia pedalado bastante.
Quando subia a longa ladeira para o Feijão, notei pelo retrovisor alguns ciclistas em treino matinal. Foram me ultrapassando um a um, e de todos eles fui recebendo um cumprimento, mas ladeiras não se sobem sem respeito, e mais à frente fui pegando um a um...
Havia iniciado minha volta para casa, às 7 horas e 25 minutos, e às 9 horas e 11 minutos do dia 23, dava o passeio por encerrado, suado, cansado e novamente com fome. Bebi água, belisquei alguma coisa, tomei um bom banho e me deitei; dormi até quase seis da noite, passando batido pelo almoço, mas não faz mal, afinal almoçamos todos os dias...
Foram 28,5 quilômetros, 1.738 calorias para o brejo, e 250 metros em subidas acumuladas.
Agora é restaurar o corpo para o próximo convite, ou para o próximo roteiro que me der na telha.
Ao todo, pedalei de Aracaju para Lagarto, de Lagarto para São Cristóvão, e dessa cidade, de volta para casa em Aracaju. Foram 174,6 quilômetros, 10 horas e 43 minutos pedalando, 8.005 calorias jogadas fora, 1.276 metros em subidas acumuladas.
A felicidade?, bem, essa não se mede em números...
* * *
Agradeçemos sua companhia e obrigado por nos prestigiar. O nosso grupo a Turma da Bike é isso que vc viu. Tornar a pedalada uma alegria, sem disputas, apenas brincadeiras, risos e amizades e cada um que chega é para nós uma alegria.
ResponderExcluirO grupo é aberto e a alegria é grande em recebê-lo.
Parabéns pelo Blogo e pelos artigos em especial este de nossa pedalada.